Para analistas , projeto é bom, mas é preciso ficar atento à implementação. Governo anunciou pacote de concessão para rodovias e ferrovias.
Especialistas e entidades setoriais elogiam o Programa de Investimentos em Logística do governo federal, anunciado nesta quarta-feira (15), mas fazem ressalvas em relação à efetiva execução dos projetos.
Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE) O diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), Adriano Pires, afirmou que, sem uma revisão do atual modelo de concessões, apenas o lançamento de novos pacotes pode não ser suficiente para elevar o nível de investimentos no setor de transportes e infraestrutura.
“Esse pacote já é o 10º ou 11º do governo no ano. O que o governo precisa anunciar é um modelo de concessão verdadeiro, que respeite as regras de mercado, no qual o Estado cumpra o seu papel de fiscalizar e regular o setor, e dê segurança jurídica para o setor privado operar e investir. Caso contrário, não vamos resolver nossos problemas de infraestrutura”, diz Pires.
Ele criticou o que classificou de atual “modelo Frankenstein”, em que o governo tem participado das concessões através das suas estatais, como o desenhado na concessão dos aeroportos internacionais de São Paulo, Campinas e Brasília, no qual a Infraero ficou com participação de 49% nos consórcios.
“Como é que vai ser possível fazer um choque de gestão com uma estatal no meio?”, questiona o diretor, destacando que o formato escolhido pelo governo levantou dúvidas sobre a capacidade operacional das empresas que venceram o leilão.
Ele lembra que o modelo do último grande pacote de concessões de rodovias, licitado em 2007, pelo critério de menor pedágio para escolher o vencedor, não conseguiu fazer com que muitos dos investimentos previstos saíssem do papel.
“Para sair do papel, é preciso aparecer alguém com competência para tirar do papel “, afirma Pires. “Aceitar uma tarifa muito baixa é uma falta de respeito com as regras de mercado. É preciso definir um patamar mínimo que garanta rentabilidade e a realização dos investimentos”, acrescenta.
Pires criticou também a criação de mais uma estatal. O governo anunciou nesta quarta-feira a criação da Empresa de Planejamento em Logística (EPL), a partir da transformação da recém-criada Empresa do Transporte Ferroviário de Alta Velocidade (Etav) , que terá como presidente Bernardo Figueiredo.
“A única coisa de concreto que foi anunciado é que será criada uma nova estatal. Será que precisamos de mais esse custo? Já não bastaria a ANTT cumprir o seu papel ?”, questionou.
Raul Velloso, diretor da ARD Consultores Associados “O diabo está sempre nos detalhes (…). O plano é bom, mas tem que acontecer”, diz o economista Raul Velloso, diretor da ARD Consultores Associados.
Para ele, aumentar e melhorar as condições de infraestrutura de transporte é a melhor solução para o Brasil no momento. “Se tenho pouco para investir, é importante que concentre onde tem efeito sobre a produtividade. Se redireciono os investimentos escassos para a infraestrutura, reduzo custos de mobilização da economia. (…) Uma estrada duplicada vai transportar em período mais curto, vai pagar menos frete. É por aí que vai melhorar a produtividade. Afeta toda a economia, tem um poder de irradiação muito grande.”
No entanto, ele lembra que há uma distância grande entre o plano e a efetivação. “O exemplo recente não é bom. Hoje é dia de louvar e deixar um dedinho de preocupação. (…) Espero que agora tenham o cuidado de incluir nos elementos que vão definir os novos leilões algum tipo de exigência que impeça que principiantes entrem, que impeça que os investimentos não aconteçam, que as coisas não andem. É preciso discutir os caminhos pelos quais o governo vai definir os próximos passos.
Moacyr Duarte, presidente da Associação Brasileira de Concessionários de Rodovias (ABCR) O presidente da Associação Brasileira de Concessionários de Rodovias (ABCR), Moacyr Duarte, recebeu com otimismo o novo pacote, mas alertou sobre o desafio de fazer cumprir o cronograma de investimentos previstos pelo governo, uma vez que serão necessários vários estudos de viabilidade e audiências públicas antes da realização das licitações.
“O governo mostrou coragem ao lançar um programa desse vulto, mas tem que trabalhar duro nos estudos de viabilidade e nas licenças ambientais prévias para evitar surpresas após a assinatura dos contratos”, diz.
Em relação à intenção do governo de permitir nas próximas concessões a cobrança de pedágio apenas quando pelo menos 10% das obras previstas estiverem concluída, o presidente da ABCR não considera um obstáculo aos investidores, mas considerou que uma vez que as concessionárias levarão mais tempo para ter receita, a nova regra “vai acabar batendo na tarifa”.
Brian Moretti, Planner Prosper Corretora O pacote do governo traz boas oportunidades de investimento para empresas nacionais e estrangeiras, com rendimentos de cerca de 10%, uma taxa considerada boa em um momento de crise econômica e baixas taxa de juros em todo o mundo, avalia o analista do setor de infraestrutura da Planner Prosper Corretora, Brian Moretti. “O montante e o modelo de concessão são positivos para eliminar o atual gargalo logístico do país”, diz Moretti.
Para ele, ainda que esteja sendo feita em ano de eleição, a integração logística proposta pelo pacote é necessária há muito tempo e é positivo que o governo assuma o risco de haver pouca demanda em alguns trechos. A utilização de PPPs, na opinião dele, é uma forma de contornar escassez de recurso do governo na infraestrutura, desobrigando o estado a arcar sozinho.
“O processo de desenvolvimento econômico brasileiro sempre esteve ancorado no estado e há aumento geométrico da demanda, a PPP obedece tendência de descentralização estatal e é menos dramático que privatização”, avalia.
Rogério Mori,
professor de Macroeconomia da Escola de Economia da FGV-SP Para Rogério Mori, o ponto mais positivo do pacote é a visão de longo prazo. “Esperava-se um pouco mais em termos de projetos, mas já é um grande passo ter um direcionamento de Brasil de longo e não daqui seis meses”, disse.
“É um absurdo um país do tamanho do Brasil não ter um modelo de ferrovias que incentive o transporte de passageiros. O modelo anterior foi muito ruim, pois uma grande malha ficou abandonada apenas para o transporte de minério. Por isso é importante que se faça um redesenho nessa área”, acrescentou.
Antônio Carlos Alves dos Santos, professor de Economia da PUC Para o professor de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Antônio Carlos Alves dos Santos, apesar do nome do pacote ser Programa de Investimentos em Logística, trata-se de um programa de privatização.
“É preciso deixar claro para não ter nenhuma dúvida: é um programa de privatização, o que é adequado, porque pede a participação do setor privado no processo de desenvolvimento do país e isso é uma novidade”, disse.
O especialista diz que, numa economia de mercado, a iniciativa privada é a responsável pela geração de riqueza, não o Estado. “O pacote está focando em áreas que têm problemas, o deslocamento da produção do país. Ferrovia é um meio para deslocar produção com recurso menor e reduz o uso intensivo da rodovia. É muito bem vindo.”
Mas ele também reforça que, “há, de fato, medidas que são tomadas, mas nem sempre são implementadas a contento” e não descarta um olhar mais contundente. “Há sim um lado ‘oba oba’ porque este é um ano eleitoral. (…) Outra questão é que o governo vem anunciando uma série de medidas e não se consegue se perceber entre elas um ponto unificador. Falta certa coordenação”, fala.
Mas, de maneira sintética, ele diz que o governo acertou. “Sempre que o governo pede a contribuição do setor privado para o crescimento do país ele acerta.”
Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados Para Sérgio Vale, o programa é interessante porque pela primeira vez, junto com os outros que serão anunciados este mês, o governo tenta um pacote amplo, focando no relevante e assumindo a necessidade do setor privado.
“Mas tudo isso dependerá de o programa ser efetivamente levado pelo setor privado, sem ingerência do setor público e com marco regulatório bem determinado”, comenta.
“Tem um peso ainda do setor público, especialmente no papel que a EPL vai ter nas rodovias e a Valec terá nas ferrovias, mas se for feito adequadamente ajudará a impulsionar de fato os investimentos. O Brasil é o último lugar do mundo com grande potencial de investimento em infraestrutura, o que faz com que o apetite do setor privado seja grande”, comentou.
Vale destacou, no entanto, que é provável que apenas em 2014 o PIB comece a responder. “Por exemplo, apenas depois da efetiva concessão em telecomunicações em 98 que o setor começou a crescer e cresce 13,5% por trimestre nos quatro anos seguintes pela necessidade de investimento no setor. Dado que infraestrutura ainda tem uma demanda muito reprimida de investimentos, é provável que vejamos um impacto proporcionalmente grande em termos de PIB a partir de 2014.”
João Guilherme, diretor do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos) Para João Guilherme, diretor do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos), a criação de uma estatal focada em logística pode ajudar na aceleração dos projetos de infraestrutura. “O plano sozinho não resolve nada. Mas, em termos de princípios básicos, nos parece uma evolução do modelo atual, com o governo se propondo a focar no planejamento de projetos mais robustos a serem oferecidos à iniciativa privada, que tem demonstrado ser a mais capacitada para executar com eficiências estes investimentos”, disse.
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) “O novo modelo coloca o governo no seu papel correto, que é o de planejar, regular e fiscalizar, e chama a iniciativa privada para aquilo que ela comprovadamente faz melhor: investir e fazer gestão eficaz da ampliação e da prestação dos serviços de infraestrutura”, afirma, em nota, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf.
Para ele, “a manutenção do critério de menor tarifa para contratação dos investimentos em rodovias e no frete ferroviário é uma decisão correta, que garante o investimento ao mesmo tempo em que reduz custos”.
Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) O presidente da Abdib, Paulo Godoy, considerou acertada a decisão do governo federal em apostar mais fortemente na capacidade do setor privado de construir, investir e operar projetos de transportes.
“O modelo de concessão tem sido bastante vencedor nas últimas décadas no Brasil, pois há responsabilidades claras nos contratos, compromisso com investimentos par melhorar a qualidade e expandir a oferta dos serviços”, disse.
Rogério Amato, presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) Em nota, o presidente da ACSP afirma que o plano “é muito positivo e pode contribuir para melhorar as condições de competitividade da economia brasileira”. Segundo Amato, “os gargalos na infraestrutura representam importante componente do “Custo Brasil” e os projetos anunciados, se efetivamente implementados,representarão expressivo avanço, mas precisarão ser complementados com novas concessões nas áreas dos portos, aeroportos, hidrovias e cabotagem”.
“Resta esperar que as etapas a serem cumpridas até a efetiva concretização dos projetos siga o cronograma anunciado, e que as condições constantes das licitações sejam atrativas para os investidores”.
Fonte: G1, 16/08/2012