‘O governo vai desistir do modelo atual de ferrovias’

Para o economista Armando Castelar Pinheiro, do Ibre/FGV, o modelo de concessões para as ferrovias tem várias inconsistências, e dificilmente alguma concessão ferroviária deve sair ainda este ano.

O governo acredita que pode licitar dois trechos de ferrovia ainda neste ano.

Acho muito difícil sair qualquer concessão ferroviária este ano. Acho também que o governo vai desistir do modelo atual e refazer várias licitações ferroviárias. Há uma chance grande de que se abandone a ideia de separação vertical entre operador de infraestrutura e operador de transporte. Se isso for mantido, as licitações só saem em 2015 ou mais tarde.

Qual o problema do modelo?

Há benefícios na operação integrada do trem e do trilho. Gera problemas separar as coisas: o cara que opera o trilho não tem incentivo para fazer o trem ir e vir bem. Ao mesmo tempo, quem opera o trem não se preocupa se está destruindo o trilho. Isso ocorre nas rodovias no Brasil. O caminhoneiro coloca no caminhão uma carga para a qual a rodovia não foi construída para suportar no longo prazo. O cara do caminhão não está preocupado se a estrada a aguenta. Não é problema dele. Quando o Brasil começou a instalar ferrovia no século 19, adotou-se um modelo parecido. Havia uma garantia de retorno independente do fluxo de trens. O serviço foi um desastre porque o retorno da concessão não dependia do uso da ferrovia. A empresa dava o pior serviço ao custo que lhe fosse mais barato. É isso que vai acorrer nesse modelo atual. O chamado risco Valec, agora Empresas Brasileira de Ferrovias, também é muito grande. O governo pode prometer de pé junto que vai bancar a Valec para comprar as cargas. Mas aí vem um outro governo, que não dá o dinheiro, e como ela vai pagar?

Qual a possibilidade de o modelo vingar como está?

O governo esta colocando um caminhão de subsídios, dando dinheiro de graça. A maior parte dos recursos do BNDES é com juro real zero. Se o governo tirar todos os impostos, der todo o dinheiro e assumir todos os riscos, talvez o modelo vingue. Mas eu acho difícil. Um governo não pode amarrar o dinheiro de outro governo. Não há como prometer isso. Há um risco também na TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo). Os empréstimos para 80% do investimento têm TJLP quase zero. Nada garante que um governo no futuro não vai igualar a TJLP à Selic. Se isso ocorrer, toda a equação financeira muda. Existe um risco alto no financiamento. A ideia de tentar trocar o pedágio, que é a remuneração da concessão, por um crédito subsidiado e pagamentos de orçamento cria riscos políticos e regulatórios. Seria mais simples dizer: o seu pedágio é tanto e te remunera tanto. A boa prática diz que o consumidor deve pagar uma parte da concessão. O problema é que o governo quer reduzir a participação do usuário e com isso aumenta a do contribuinte. Como o dinheiro do orçamento está comprometido com gastos sociais (educação, saúde, previdência), o investimento no setor público não anda, e o governo, via banco público, dá dinheiro para o investimento. É um orçamento paralelo mantido via aumento da dívida bruta. Isso é muito injusto. Por que o cara do Rio Grande do Sul precisa pagar pela estrada da Bahia?

Fonte: O Estado de S. Paulo, 02/10/2013

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