É cada vez mais remota a possibilidade de o governo conseguir cumprir o cronograma e realizar os leilões da ferrovia Norte-Sul e dos 12 aeroportos neste ano. Diante das recomendações do Tribunal de Contas da União (TCU) para ajuste dos estudos da Norte-Sul e da retirada de pauta no órgão da análise da documentação dos aeroportos, a área técnica do governo trabalhava uma via alternativa: reduzir o prazo originalmente fixado entre a publicação dos editais e os leilões.
O assunto seria debatido em reunião do conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) marcada para ontem, mas a agenda foi cancelada e não tem mais data para ocorrer. A sensação na área técnica é de desânimo e frustração.
Como uma ala majoritária do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil insiste que é necessário cumprir o intervalo de cem dias – previsto em uma resolução do PPI -, os leilões da Norte-Sul e dos aeroportos só devem ocorrer mesmo no próximo ano.
A leitura de quem acompanha de perto o programa de concessões é de que subsiste nessa tese um fator político encabeçado pelo flanco ligado ao Partido da República (PR), com influência sobre o ministério. O PR integra a coligação do candidato Geraldo Alckmin (PSDB) à Presidência da República e teria interesse em ver os leilões ocorrerem apenas em 2019, como forma de negociar sua permanência à frente do Ministério dos Transportes no próximo governo.
A legenda tem bom diálogo tanto com o entorno do candidato Jair Bolsonaro (PSL) como com o PT, cujas candidaturas despontam como favoritas para o segundo turno das eleições.
Num escalão acima, o naufrágio da tentativa de encurtar o prazo entre o lançamento dos editais e a realização dos leilões é considerado, nos bastidores, um ponto de discordância entre os dois homens fortes do presidente Michel Temer que se mantiveram de pé neste governo: o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o titular do Ministério de Minas e Energia, Moreira Franco.
Fontes próximas ao Planalto dizem haver divergências entre ambos sobre o tema. Enquanto Padilha daria força para que o intervalo caísse, Moreira consideraria os cem dias uma “conquista regulatória”.
A primeira resolução baixada pelo PPI de fato fixou o intervalo entre edital e leilão em ao menos cem dias. Mas, como a resolução não tem caráter vinculativo, a intenção da área técnica era diminuir esse prazo, adaptando-o a cada caso para que os leilões saíssem até dezembro.
Na prática, isso já vinha acontecendo. Dos mais de cem projetos do PPI que já foram leiloados, apenas cinco cumpriram os cem dias. Além disso, os projetos já estão no radar do mercado há tempos, que se prepara para apresentar as propostas.
A ferrovia Norte-Sul foi qualificada no PPI em 2016, com leilão previsto originalmente para o segundo semestre de 2017. Desde então, grupos se mobilizaram e, hoje, em que pesem as recomendações do TCU, o governo dá como certo o interesse privado no empreendimento, considerado um dos mais estruturantes da carteira do PPI.
Além dos russos da RZD, são considerados concorrentes naturais – e que estão estudando a fundo o projeto – a VLI e a Rumo, ambas concessionárias das ferrovias que acessam o miolo da Norte-Sul que vai a leilão.
Os aeroportos, por sua vez, foram qualificados pelo PPI em outubro de 2017 já com prazo inferior a cem dias entre o edital e a licitação. Até agora, ao menos 11 grupos manifestaram ao Planalto interesse em disputar os ativos. Há demanda pelos três blocos (Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste).
Até para os aeroportos do bloco do Centro-Oeste (Alta Floresta, Sinop, Várzea Grande e Rondonópolis), considerado o menos atrativo dessa rodada, o governo recebeu sinalização de que é segura a entrada de grandes operadores internacionais. Entre os quais a suíça Zurich, a alemã Fraport e a francesa Vinci.
Paralelamente à discussão para encurtar o prazo entre edital e leilão da ferrovia Norte-Sul e dos aeroportos, emergiu em parte da área técnica do governo a possibilidade de fazer o mesmo para os portos. Sobretudo em casos de terminais destinados à armazenagem e movimentação de combustíveis localizados em regiões que dependem dessas instalações para serem abastecidas.
Contribui para isso outra situação que o governo quer acelerar: a solução para os contratos portuários vencidos que se mantêm vigentes por meio de instrumentos precários, como os chamados contratos de transição ou por meio de medidas judiciais. Somado a isso, a maioria dos projetos de terminais para arrendamentos listados no PPI é menos complexa do que, por exemplo, a concessão de ferrovias, o que, em tese, facilitaria a empreitada.
Na prática, contudo, a barreira para aplicar isso nos portos é ainda maior e tem natureza jurídica. O intervalo de cem dias está fixado no “Decreto dos Portos”, publicado em maio de 2017, e, para descumpri-lo, seria necessária a edição de um novo decreto, o que, hoje, tem chance zero de ocorrer.
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2018
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