No Rio, empresas vivem situação de risco financeiro

A pandemia da covid-19 trouxe um componente crítico para empresas que atendem a cidade do Rio de Janeiro e os municípios vizinhos, em sua maioria sem contar com subsídios públicos. Muitas afirmam que não têm recursos para manter as operações por muito tempo mais.

A SuperVia, companhia de trens urbanos, registrou perda na circulação de 74% no fim de março – que depois se estabilizou em 60%. Mesmo após a flexibilização do isolamento social, os trens não conseguiram recuperar o movimento de antes da pandemia, que era de 600 mil passageiros/dia, atualmente reduzido à metade do volume normal. Desde o início março, os trens deixaram de transportar 40 milhões de pessoas – perda financeira acima de R$ 160 milhões, apontou a empresa.

A companhia de trens detalhou que já cortou gastos, renegociou contratos e reduziu em 25% os salários para garantir empregos. Mas a maior parte das despesas é fixa, razão pela qual a concessionária alega que só tem caixa para manter a operação até fim de setembro.

Já o MetrôRio calcula que tem caixa para cobrir seus custos somente deste mês. Mais de 80 milhões de pessoas deixaram de circular no sistema desde 16 de março, quando as medidas de restrição de circulação na cidade foram decretadas. Em média, são menos 18,6 milhões de embarques por mês nas estações e trens da concessionária, uma queda diária superior a 80% do público, disse o presidente da concessionária, Guilherme Ramalho. Segundo ele, o prejuízo mensal chega a R$ 35 milhões e o déficit acumulado até julho já ultrapassa os R$ 200 milhões.

O BRT Rio, que circula os ônibus de trânsito rápido, transportava cerca de 300 mil passageiros pagantes por dia antes da pandemia. Com a implantação das medidas de isolamento, esse total caiu para 75 mil/dia em março e se manteve assim até meados de junho. A empresa observou que, após a terceira fase de flexibilização das regras do distanciamento social pela prefeitura, o modal registrou 150 mil passageiros/dia – 50% da demanda média anterior à pandemia. Agora, o volume está em 47%.

A concessionária ressaltou que, com perda de R$ 100 milhões em receitas nos quatro meses mais críticos da pandemia e dívidas se acumulando, o serviço depende da formulação de uma política de financiamento sob o risco de a operação parar, pois projeções apontam que só após o segundo semestre de 2021 o fluxo se normalizará. A situação do BRT Rio é crítica e reforça a realidade de outros modais do Rio de Janeiro, alertou o presidente-executivo Luiz Martins.

As concessionárias de transportes do Rio informam ter adotado medidas comuns para mitigar a transmissão do novo coronavírus, como uso de produtos químicos especiais para sanitização, campanhas educativas, pontos para higienização com álcool a 70%, sinalização, treinamento e reforço de equipes, e até distribuição de máscaras para o público.

Presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), entidade que congrega dez sindicatos de empresas de ônibus, Armando Guerra Junior afirmou que a crise atual decorre de problema antigo, que é o modelo financeiro do transporte público coletivo.

Os passageiros pagantes não suportam mais o custo do transporte, e os operadores não conseguem cobrir mais as despesas operacionais. A passagem é calculada pelo custo do sistema, dividido pelo número de passageiros pagantes. O custo aumenta ano após ano, com a incorporação de inúmeros pequenos benefícios, como gratuidades criadas por novas legislações sem fonte de custeio.

Segundo a Fetranspor, com o isolamento social, o setor de ônibus perdeu R$ 1,7 bilhão em receita – o que representa um prejuízo de R$ 713 milhões, levando em consideração o período de março a junho deste ano, comparado com 2019. Até o fim do ano, a previsão é que a perda vá a R$ 1,6 bilhão.

O executivo ressalvou, porém, que o número de pagantes está caindo nos últimos anos, enumerando como causas desemprego, transporte ilegal, assaltos e incêndios a ônibus, concorrência dos aplicativos, gratuidades e perda do poder aquisitivo do passageiro. Levando em conta que o transporte é direito social previsto na Constituição, não é mais possível que os mais pobres tenham 100% do ônus. Esse modelo acabou. A pandemia acelerou o processo.

Na maioria das grandes cidades do mundo, o transporte é subsidiado pelo poder público. No Brasil, podemos citar a cidade de São Paulo, que investe mais de R$ 3 bilhões por ano para subsidiar a tarifa de transporte, ressaltou Guerra Junior.

A Secretaria Municipal de Transportes do Rio informou que instituiu um comitê para avaliar medidas de readequação do sistema de ônibus. As análises poderão resultar na inclusão, exclusão ou alteração de linhas para atender às necessidades atuais dos passageiros – observou a pasta, em nota.

Na visão de Andreina Nigriello, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-SUP), a crise sanitária traz também oportunidade para que lideranças e gestores públicos replanejem a expansão dos meios voltados à mobilidade. Mas isso deve ser feito, segundo ela, tendo em vista estímulos para que as pessoas não precisem se descolar a distâncias tão grandes – para tanto, propiciando-se o surgimento de oportunidades e empregos em localidades mais acessíveis.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/08/20/no-ri…

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