Mobilidade urbana: o desafio do transporte de pessoas

O subsídio ao transporte coletivo ainda é visto como estranho aos interesses sociais; visões que compro­metem, ou ao mínimo desvirtuam, os objetivos da mobilidade
A concretização dos objetivos da Política Nacional de Mobilidade Urbana, definidos pela Lei 12.587/2012 como a integração entre os diferentes modos de transporte, melhoria da acessibilidade e mobilidade de pessoas e cargas, depende de um componente fundamental: o trânsito. Nele, inserem-se tanto o transporte privado e individual de pessoas, quanto o transporte coletivo.
Em um trânsito com número cada vez maior de veículos e pessoas, a abordagem da política de mobilidade e transporte terá que tratar, obrigatoriamente, da imposição de restrições aos indivíduos (ou ao individual) e fomento àquilo que comum (ou coletivo).
Em se tratando de restrições, Madri, na Espanha, como parte do Plano da Qualidade do Ar (2011-2015), irá majorar os valores dos estacionamentos em parte das vias públicas, além de impor aquela cobrança em períodos maiores do dia. Londres, na Inglaterra, de há muito já restringe o acesso a parte da cidade com a adoção de pedágio urbano. Em se tratando de incentivo ao uso mais racional, os EUA, onde predomina o tráfego de veículos transportando uma única pessoa, adota pistas em rodovias para uso exclusivo por veículos com pelo menos dois ocupantes. A via destinada ao transporte compartilhado é sempre separada das demais e de melhor fluidez.
Mais do que o transporte compartilhado, porém, devemos falar de políticas voltadas ao transporte coletivo. Discute-se, neste campo, que em Curitiba há um déficit tarifário no transporte coletivo, obrigando a municipalidade a subsidiá-lo – e a Lei 12.587/2012 permite tal, se não incentiva. Subsidiar o transporte coletivo é prática já comum em vários locais: Londres, em razão de uso sempre intenso em determinada área do metrô, incentiva o usuário a não frequentá-la, ofertando tarifas mais baratas para uso de linhas alternativas. Outros locais, como Vero Beach (Flórida, EUA) e Hasselt (Bélgica) adotam a tarifa-zero.
No Brasil, restrição do espaço urbano se alinha mais com seu uso democrático e atendimento a pretensões econômicas de comerciantes, sendo esse um dos fundamentos para ampliação do estacionamento regulamentado. O subsídio ao transporte coletivo ainda é visto como estranho aos interesses sociais; visões que comprometem, ou ao mínimo desvirtuam, os objetivos da mobilidade. A saturação da infraestrutura impõe danos ao transporte coletivo urbano, pois embora com tarifa subsidiada, essa continua pouco convidativa e contribui para o declínio deste modal.
Assim, o fomento do transporte coletivo, urbano ou rodoviário, passa por definição de infraestrutura que alinhe conforto e segurança e, mais, por desoneração que permita ao usuário fazer dele uma opção atrativa de deslocamento. Se a política, porém, se distanciar desses horizontes, todos os transportes coletivos estarão sujeitos, se já não estão, a uma forte redução do número de usuários, resultando em tarifas (ou subsídios) maiores.
Optando a sociedade pelo transporte privado individual, sem ditar-lhe restrições, ou não havendo incentivo para que usuários individuais passem a utilizar o transporte coletivo, em breve tempo será tarde para socorrer o meio ambiente e a própria mobilidade.

Fonte: Gazeta do Povo Online, 26/03/2012

*Sérgio Roberto Maluf e Carlos Eduardo Dipp Schoembakla, advogados, são mestres em Direitos Fundamentais e Democracia pela UniBrasil.*

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