O compromisso da presidente Dilma Rousseff em torno de um novo pacto para melhorar a mobilidade urbana nas grandes cidades abriu uma corrida de governadores e prefeitos à Esplanada dos Ministérios. Estados e municípios apresentaram à União projetos de transportes que somam R$ 75,4 bilhões. Esse valor já supera a promessa de Dilma, feita em meio às manifestações populares de junho, de colocar mais R$ 50 bilhões à disposição de governos estaduais e municipais para investimentos no setor.
O dinheiro virá do Orçamento Geral da União (OGU) e de financiamentos da Caixa Econômica Federal (CEF), por meio do repasse de recursos do FGTS, com taxas subsidiadas. O Ministério do Planejamento tem coordenado as discussões e concluiu, na quinta-feira da semana passada, a segunda rodada de recebimento de propostas. Para Maurício Muniz, secretário do PAC e responsável pelas conversas sobre mobilidade urbana com governadores e prefeitos, o fato de os pedidos terem superado o valor prometido pela presidente cria um bom problema e o anúncio de R$ 50 bilhões não deve ser visto como amarra. Se houver mais propostas bem estruturadas, o volume de recursos pode ir além do (anúncio) original, afirma.
Muniz diz que o objetivo do governo é fazer a seleção das propostas ainda neste ano. Ainda temos muito trabalho pela frente, mas é uma ação que está sendo tratada com urgência. Estamos pegando cada proposta, analisando dados, pedindo anteprojetos e estudos de viabilidade.
Conforme antecipa o secretário, o novo pacote de investimentos da União para mobilidade urbana deverá aumentar o orçamento inicialmente programado para metrôs em Porto Alegre e em Curitiba, que enfrentam dificuldades para tirar suas primeiras linhas subterrâneas do papel.
Lançado em abril de 2012, o PAC Mobilidade-Grandes Cidades já contemplava projetos de metrô nas duas capitais do Rio Grande do Sul e de Curitiba, mas seus prefeitos vinham alegando que a construção das linhas requer investimentos além da previsão original. Em Porto Alegre, o metrô foi orçado em R$ 2,4 bilhões, com R$ 1 bilhão a fundo perdido da União. Ao desenvolver o projeto, que prevê 13 estações distribuídas em um trajeto de 14,8 quilômetros, a prefeitura verificou a necessidade de gastar de duas a três vezes mais. A tendência do Palácio do Planalto é elevar o valor dos recursos federais para finalmente viabilizar o empreendimento. O metrô de Curitiba, que esbarra no mesmo obstáculo orçamentário, passa por processo semelhante de revisão e deve receber mais dinheiro.
O retrospecto de quem tem percorrido os gabinetes de Brasília atrás de mais recursos para mobilidade, contudo, recomenda prudência na expectativa de obras que possam realmente aliviar o caos do trânsito. O governador Agnelo Queiroz (PT) levou ao Planejamento pedidos que embalam o sonho dos cidadãos brasilienses: a ampliação do metrô até o fim da Asa Norte e a construção de um veículo leve sobre trilhos (VLT) em toda a extensão da avenida W3 – uma das principais artérias da capital.
Agnelo, porém, ainda não foi capaz de sacar recursos a fundo perdido para obras menos ambiciosas. A ampliação do metrô em seis quilômetros, com cinco novas estações e chegando ao início da Asa Norte, é um projeto de R$ 700 milhões e entrou no PAC Mobilidade-Grandes Cidades. Não teve licitação até hoje. O primeiro trecho do VLT, que ligaria o aeroporto à mesma avenida W3, era prometido para a Copa do Mundo de 2014. Não saiu do papel.
Depois do governador Geraldo Alckmin (PSDB) e do prefeito Fernando Haddad (PT), com pedidos que totalizam R$ 17,3 bilhões para São Paulo, as maiores propostas foram levadas à União por Minas Gerais e pelo Maranhão. Em Minas, o governo do Estado pediu R$ 4,4 bilhões para o metrô de Belo Horizonte, o que inclui três grandes empreendimentos: a revitalização da linha 1 (com reforma das estações existentes) e a construção das linhas 2 (Barreiro-Nova Suíça) e 3 (Savassi-Lagoinha). A expectativa da União é que os projetos de engenharia fiquem prontos no fim deste ano, abrindo caminho para o repasse efetivo dos recursos federais.
Já a prefeitura da capital mineira quer R$ 2,9 bilhões para intervenções em 100 quilômetros de corredores exclusivos de ônibus e para BRTs (sistemas de ônibus com estações de embarque e desembarque, pagamento antecipado de bilhetes e faixas próprias para circulação). No Maranhão, as propostas somam R$ 7,7 bilhões, entre pedidos dos Estados e da Prefeitura de São Luís.
O nosso desafio é verificar, de todas as propostas apresentadas, aquelas que realmente são de transportes coletivos e atingem uma população mais densa, prioritariamente de baixa renda, diz o secretário do PAC. Há propostas que envolvam a construção, por exemplo, de anéis rodoviários. Esses pedidos não devem estar na lista de prioridades.
Um dos problemas que o governo pretende evitar desta vez é que a liberação efetiva de recursos federais para investimentos fique empacada na ausência de projetos básicos e executivos de engenharia. No PAC Mobilidade, só cinco das 44 propostas enquadradas conseguiram percorrer até hoje os trâmites necessários e se habilitar para o saque de recursos, por falta de projetos detalhados de engenharia. A maior parte do dinheiro ficou parada.
Muniz avalia que essa situação reflete a falta de planejamento do passado. A tendência dos anos 90, também nos planos estadual e municipal, era seguir o Estado mínimo. Isso não ocorreu só no governo federal. Houve duas décadas com baixo investimento em mobilidade urbana, concentrado em poucos municípios.
De acordo com o secretário, o novo pacote apoiará financeiramente a elaboração de projetos básicos e executivos, mas será dada preferência a Estados e municípios que já possuem trabalhos feitos ou em estágio mais avançado. Quem tem pelo menos um estudo de viabilidade ou um anteprojeto larga na frente, diz.
Para ele, no entanto, percebe-se nas reuniões com autoridades estaduais e municipais que o planejamento começou a ser retomado. Na área de saneamento e urbanização, ocorreu mais ou menos a mesma coisa. Em 2007, quando começou o PAC, não exigíamos projetos de engenharia para a seleção de propostas. Se não, teria sido difícil começar o programa. Agora, com mobilidade urbana, é isso o que acontece.
Uma alternativa que deve ser incentivada pelo governo federal é o uso do regime diferenciado de contratações públicas (RDC) pelos Estados e municípios. O mecanismo, adotado principalmente para obras da União, tem sido pouco utilizado até agora por governadores e prefeitos.
Uma das modalidades do RDC é a contratação integrada. Por meio de uma só licitação, contrata-se uma empresa para a elaboração dos projetos de engenharia e, depois, para executar as obras civis. Em tese, ganha-se tempo.
Há propostas que foram redesenhadas pelas autoridades antes de apresentação. O governo do Estado do Rio, por exemplo, trocou a linha 3 do metrô (Niterói-São Gonçalo-Itaboraí) por um sistema de monotrilho – mais barato – no mesmo trajeto.
O sistema de VLT, uma espécie de bonde moderno, também foi uma das opções apresentadas como solução de mobilidade em Recife e em Maceió. O governo do Piauí pediu R$ 1,6 bilhão para transformar a linha férrea atual em metrô e executar a ampliação de três linhas.
Fonte: Valor Econômico, 13/08/2013