Foi no governo do presidente Fernando Collor de Melo (1990-1992) que o Brasil viu nascer seu primeiro programa de privatizações, com a constituição do Programa Nacional de Desestatização (PND). As privatizações no Brasil refletiam também uma tendência nos anos 90, de abertura econômica estabelecida pelo chamado Consenso de Washington. Essas diretrizes foram formuladas no final de 1989 por economistas e instituições como o FMI, Banco Mundial e Tesouro dos EUA, e pregavam o ajustamento macroeconômico dos países em desenvolvimento, que atravessam um longo período de dificuldades para o crescimento de suas economias.
O plano de Collor, ambicioso, foi limitado de início, uma vez que das 68 estatais incluídas apenas 18 foram realmente privatizadas. A criação do Plano Collor, idealizado pela ministra Zélia Cardoso de Mello, adotou o modelo mais liberal de ampla abertura às importações, modernização industrial e tecnológica e preparou o país para a série de desestatizações que viriam nos governos seguintes.
Um dos pilares industriais do país, as estatais siderúrgicas começaram a ser privatizadas com o desmonte da holding Siderbrás. A primeira, em 1991 e considerada a joia da coroa, foi a Usiminas, gerando grande polêmica à época pelo fato de ser uma das mais lucrativas do sistema. O Grupo Gerdau, que arrematou a usina, foi um dos grandes beneficiários das privatizações no setor.
Já no governo de Itamar Franco (1992-1994), que substituiu Collor após o processo de impeachment, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), foi adquirida em 1993 pelo empresário Benjamin Steinbruch, do Grupo Vicunha, que mais tarde iria adquirir também a Companhia Vale do Rio Doce, hoje Vale. A CSN foi arrematada por R$ 1,2 bilhão em um longo processo que envolveu batalhas jurídicas e provocou polêmicas entre defensores e críticos da privatização.
Após anos de prejuízos, de 1985 a 1992, depois de privatizada, a empresa passou a exibir lucro de R$ 208 milhões anuais. Ao contrário de Collor, porém, Itamar não era um entusiasta das privatizações e sob seu mandato o programa foi desacelerado, embora em final de 1994 a Embraer, ícone da indústria aeronáutica brasileira, criada em 1969, durante a ditadura militar, tenha sido privatizada por R$ 265 milhões em leilão vencido pelo grupo Bozano, Simonsen.
Foi, no entanto, durante os dois governos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) que as privatizações ganharam fôlego redobrado, com a oferta de estatais de peso em setores chaves como telecomunicações, energia e siderurgia. O programa visava a melhorar a produtividade da economia e ampliar o acesso da população a serviços como os de telefonia. Para criar bases sólidas para as licitações, o governo federal fez várias articulações políticas e desenvolveu um modelo de engenharia financeira que enquadrasse os estados ao programa, através de transferências de recursos do caixa da União.
Além da Vale, o governo quebrou o monopólio da Telebrás e pôs à venda a Eletropaulo. O sistema Telebrás, incluindo as companhias estaduais, como Telerj e Telesp, foi fracionado por regiões e a oferta das empresas se constituiu na maior privatização ocorrida até então no país. Em junho de 1998, na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro – transformada em uma verdadeira praça de guerra devido aos confrontos entre polícia e manifestantes contrários à privatização – foram arrecadados R$ 22,05 bilhões, com um ágio médio de 63,7% sobre os valores mínimos estipulados. Com a privatização do sistema Telebrás, o governo obteve arrecadação de R$ 22 bilhões, e os novos controladores da iniciativa privada desembolsaram R$ 135 bilhões na expansão e modernização dos sistemas.
Na ocasião, também foi desestatizada a Embratel, responsável pelas ligações de longa distância no país e para o exterior, bem como pelos serviços de teleconferência. A compradora, a americana MCI Communications, que pagou US$ 2,65 bilhões, com ágio de 47,2%, se envolveria depois em um polêmico caso de administração fraudulenta nos EUA. Hoje, a antiga Embratel é administrada pela mexicana Telmex, do empresário Carlos Slim.
Outra privatização emblemática foi a da Companhia Vale do Rio Doce, em 1997, então a maior exportadora de minério de ferro do mundo. A empresa foi arrematada por US$ 3,3 bilhões pelo consórcio Brasil, liderado pela CSN e que incluía fundos de pensão administrados pela Previ – do Banco do Brasil – e grupos nacionais e estrangeiros com menor participação. Já privatizada, a Vale tirou partido da grande valorização registrada pelo minério de ferrro nos últimos anos devido, em grande parte, à crescente demanda da China.
Ainda durante a gestão de Fernando Henrique, os governadores privatizaram bancos estaduais, como o Banerj e o Banespa. Já entre 1996 e 1999, o governo federal promoveu o desmonte das estatais ferroviárias, com a concessão da quase totalidade da malha à iniciativa privada. O objetivo era acabar com o déficit operacional da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) e arrecadar recursos com a concessão dos trechos. Se, por um lado, o objetivo foi alcançado, com o aumento no transporte de carga e uma certa redução nos tempos de percurso, por outro o programa praticamente extinguiu o transporte de longa distância de passageiros, hoje restrito às linhas Vitória-Belo Horizonte e Carajás-São Luis.
Na área de energia, as privatizações reservaram uma parte da geração ao Estado via Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobrás) e a outras estatais, como a Cemig e a Cesp. No Estado do Rio de Janeiro, as duas maiores distribuidoras foram privatizadas em 1996. A primeira, em maio, foi a centenária Light, arrematada sem ágio por US$ 2,26 bilhões por um consórcio formado por Cemig, Andrade Gutierrez, Pactual e posteriormente pela EDF, Houston Industries Energy, AES e CSN. Já a Cerj, que atende à população do interior do estado, foi vendida em novembro daquela ano, por R$ 605 milhões, com um ágio de 30,3% pago pelo consórcio chileno Chilectra.
Com relação aos bancos – em especial os estaduais, constantemente deficitários e usados muitas vezes com fins políticos -, o governo federal criou um programa de federalização, que saneou as instituições, trocando os títulos de lastro das carteiras por outros do Tesouro Nacional. A maioria foi adquirida por bancos privados, como Bradesco, Itaú e Santander, que em novembro de 2000 arrematou um dos mais emblemáticos, o Banespa, por R$ 7 bilhões, pagando um ágio de 281,02%, um dos mais altos já registrados no país até hoje. Antes, em 1997, o Itaú pagou R$ 311,1 milhões pelo controle do Banerj, que teve ágio de 0,36%.
Calcula-se que o programa de privatizações empreendido nas gestões de Fernando Henrique Cardoso tenha levado aos cofres públicos cerca de US$ 78,6 bilhões. Tal arrecadação, no entanto, não conseguiu resolver o problema do crescente endividamento do Estado. De R$ 60 bilhões em junho de 1994, a dívida pública brasileira já somava R$ 245 bilhões em novembro de 1998. Os defensores das privatizações alegam, porém, que, sem o programa, esse montante seria então R$ 100 bilhões maior, só no setor de telefonia. A população, por sua vez, foi beneficiada com a universalização de serviços básicos, como energia e telecomunicações. Novos produtos e serviços, como telefonia celular, internet e banda larga passaram a ser cada vez mais demandados pela população.
Nos dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o programa de privatizações continuou, mas tendo como ênfase à concessão de estradas federais à iniciativa privada, a licitação para novas hidrelétricas e a venda de mais bancos estaduais. Entre as rodovias, em um total de 2.600 quilômetros privatizados, as principais ofertas foram em relação à BR-381 Belo Horizonte-São Paulo, a BR-101 Ponte Rio-Niterói e a BR-116 São Paulo Curitiba, vencidas pelo grupo OHL, que poderá explorar as vias por um prazo de 25 anos.
Os parâmetros para a privatização de rodovias, no entanto, passaram a ser norteados por um critério de conotação mais social, onde as empresas vencedoras dos trechos fossem aquelas que oferecessem o menor preço de pedágio por quilômetro. Um dos maiores negócios do setor foi a concessão por 30 anos dos 720 quilômetros da Ferrovia Norte-Sul para a Vale, por R$ 1,4 bilhão à época.
A venda de bancos estaduais, por sua vez, contemplou instituições dos estados do Ceará, Maranhão. Hoje, apenas os estados do Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Santa Catarina, além do Distrito Federal, mantém bancos próprios. No setor de energia, os pontos de destaque foram as concessões para construção da Hidrelétrica de Santo Antonio e a de Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia, cuja licitação foi vencida pelo consórcio liderado por Odebrecht e Furnas.
Outro ponto importante dentro do programa de privatizações foi a criação das chamadas agências reguladoras, que funcionam como órgãos de supervisão e fiscalização dos serviços prestados pelas empresas concessionárias. Criadas entre 1996 e 2001, elas praticamente supervisionam todos os principais setores da economia, como a ANTT (transporte terrestre), Anac (aviação), Anatel (telecomunicações), ANP (petróleo, gás e biocombustíveis), Aneel (energia elétrica), ANS (saúde) e Anvisa (medicamentos).
Na gestão da presidente Dilma Rousseff, as privatizações continuam através dos Programas de Parcerias Privadas (PPPs), mantendo o enfoque de prioridade às tarifas sociais nos editais de licitação. O chamado PAC das Concessões prevê investimentos de R$ 133 bilhões em 25 anos para a construção de 7.500 quilômetros de rodovias e 10 mil de ferrovias.
Em fevereiro de 2012, foram privatizados os aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília. Agora, em novembro deste ano de 2013, o governo deverá passar à iniciativa privada os terminais de Galeão e Confins (Belo Horizonte).
Agora, é a vez do leilão do Campo de Libra, o primeiro do pré-sal e que será operado em regime de partilha, no pré sal da Bacia de Santos.
Fonte: O Globo, 21/10/2013
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