Gerente de uma concessionária de automóveis na Barra da Tijuca e morador do Leblon, Luís Oscar Assunção Ribeiro, de 54 anos, adotou a tática de mudar de itinerário para fugir dos engarrafamentos. Seguir pela Gávea e pegar a Rua Artur Araripe, já na entrada do Túnel Acústico, na Autoestrada Lagoa-Barra, é uma delas. Usar a Estrada do Joá como alternativa aos túneis e ao elevado que ligam São Conrado à Barra é outra. A Avenida das Américas é também substituída pela Sernambetiba. Mesmo no contra-fluxo e se valendo de artifícios, Ribeiro leva uma hora para chegar ao trabalho, um percurso que, sem engarrafamento, pode ser feito em 20 minutos.
— Tenho de dar umas quebradas para chegar às 9h no trabalho — conta o gerente. — A Barra está saturadíssima. Daqui a um ano ou dois, só indo de helicóptero ou morando na Barra.
O que Ribeiro constata no dia a dia tem respaldo técnico. Segundo o diretor de Operações da CET-Rio, Joaquim Dinis, que trabalha com trânsito há 20 anos, em algumas vias os engarrafamentos se estendem ao longo do dia, não se limitando aos horários de rush:
— É o caso do Túnel Rebouças, da Autoestrada Lagoa-Barra, das avenidas Brasil, Francisco Bicalho, Borges de Medeiros e Ayrton Senna, do centro da Taquara e da Rua Jardim Botânico, esta no sentido Gávea.
Rush cada vez mais cedo
São muitos veículos em circulação: 1,1 milhão saem das garagens todos os dias, 25% a mais do que há dez anos. A frota em circulação é identificada pela CET-Rio através de contagens de tráfego e medições feitas por equipamentos eletrônicos. Sem falar que o rush da manhã está começando cada vez mais cedo, o que levou a CET-Rio a antecipar em uma hora, para as 5h, o horário de início de trabalho dos seus controladores.
— O crescimento da cidade e do poder aquisitivo da população faz com que mais pessoas estejam se locomovendo, circulando nos corredores de tráfego — avalia Dinis.
Um transtorno vivido ainda mais pelos que trafegam nas chamadas vias estruturantes (como Avenida Brasil, Túnel Rebouças e Linha Amarela), de acordo com o diretor de Planejamento da CET-Rio, Ricardo Lemos:
— As vias estruturantes operam, nos horários de pico, no limite de sua saturação. Qualquer incidente, por menor que seja, provoca congestionamento e gera uma onda de choque que se propaga por vias do entorno. Os congestionamentos também ocorrem pela perda de capacidade decorrente das mudanças das características físicas da via, como estreitamento ou redução do número de faixas; e, ainda, devido a outros fatores, como a concorrência de duas vias com grande volume de veículos.
Falhas de engenharia, sinais em autoestradas, transporte público deficiente, facilidades para a compra de carros, além das infrações cometidas por motoristas são também citados por especialistas como outras causas dos nós no trânsito.
Para o engenheiro de transportes Miguel Bahury — responsável pela criação da Secretaria municipal de Transportes e da CET-Rio —, a solução para o Rio está no metrô e no trem.
— Não sou contra o BRT, mas esses corredores segregados para ônibus são uma solução paliativa. Os BRTs devem ser integrados ao trem e ao metrô. Os ônibus têm de ser meios de transporte complementares — diz ele, que presidiu o metrô.
Uma proposta dos engenheiros Bahury e Carlos Theófilo foi aprovada pelo Clube de Engenharia e encaminhada ao governador Sérgio Cabral. Uma das ponderações é que não basta construir a perna da Linha 4 do metrô entre a Barra (Jardim Oceânico) e a Praça General Osório (Ipanema):
— É preciso começar a construir um sistema em rede. Para isso, as prioridades imediatas são construir a estação do metrô da Gávea em dois níveis, para atender às duas pernas da Linha 4; fazer a perna da Linha 4 entre a Gávea e Botafogo; implantar a ligação entre as estações Estácio e Carioca, para evitar a superposição de passageiros da Linha 2 na Linha 1; e fazer os cinco quilômetros de túnel ligando a Gávea à estação Uruguai — diz Bahury.
Engenheiros: mais trens
As medidas imediatas, que, segundo o Clube de Engenharia, deveriam ser implementadas num futuro próximo são a realização de estudos sobre a expansão da Linha 4 entre o Jardim Oceânico e o Terminal Alvorada e sobre a implantação de metrô de superfície entre Alvorada e o Fundão. Outra providência seria a ampliação da oferta ferroviária: os trens, que já levaram 1,2 milhão de passageiros por dia, hoje transportam 500 mil. Bahury chama a atenção ainda para problemas de engenharia de trânsito. Um dos mais graves, segundo ele, está nas ruas Mário Ribeiro e Padre Leonel Franca, na Lagoa-Barra. Ele discorda da instalação de sinais nos cruzamentos dessa via expressa.
Mergulhão na lagoa-barra
Diretor do Clube de Engenharia, Jaques Sherique defende a construção de mergulhões na Lagoa-Barra, em substituição aos sinais de trânsito na Praça Sibelius. Próximo à autoestrada, ele identifica outra falha de engenharia no entroncamento das avenidas Delfim Moreira, Visconde de Albuquerque e Niemeyer.
— O melhor seria duplicar a Niemeyer. Mas, como solução de curto prazo, se poderia colocar um bloqueio físico, de concreto, separando e direcionando os veículos provenientes da Delfim Moreira e da Visconde de Albuquerque. Como está hoje, os carros que estão na Visconde de Albuquerque ficam disputando com os da Delfim Moreira para poder ingressar na Niemeyer, que tem duas faixas longo no início, caindo imediatamente para uma — afirma Sherique, que acompanhou uma equipe do GLOBO numa ronda para identificar problemas de engenharia de tráfego na cidade.
Ainda na Zona Sul, Sherique sugere o direcionamento do tráfego, através de uma barreira física, para os veículos que estão na Rua Visconde Silva, que converge nos dois sentidos na Rua Macedo Sobrinho, no Humaitá.
O professor da Coppe/UFRJ Rômulo Orrico, ex-subsecretário municipal de Transportes, diz que, se por um lado o país cresceu e incorporou 40 milhões de pessoas à sociedade de consumo, por outro surgiram grandes desafios para os transportes.
— O primeiro deles decorre do fato de que a cidade não é mais monocêntrica. Ela é policêntrica. Não dá para planejar transporte como se todo mundo convergisse apenas para o Centro. O transporte tem de ser planejado como um instrumento estimulador e modificador do desenvolvimento urbano.
O professor cita ainda a questão do financiamento para ampliar a estrutura de transporte coletivo e público:
— Crédito existe. Mas alguém tem que pagar a conta. É preciso discutir as fontes de financiamento. Atualmente, são os usuários do transporte público que pagam a conta. Isso é uma grande injustiça. Eles não são os únicos que se beneficiam.
Orrico considera ainda fundamental haver uma gestão eficiente, no sentido de se adotar uma orientação para a melhoria do transporte público. Apostar na economia verde é mais um desafio, segundo o professor.
Fonte: O Globo, 22/10/2012