O pacote lançado pela presidente Dilma Rousseff, em agosto deste ano, promete dar um novo ritmo ao setor ferroviário. Com regras mais rígidas, baseadas no modelo inglês, o governo espera ampliar a participação das ferrovias no transporte de cargas e inaugurar uma nova fase no setor. Hoje, o transporte sobre trilhos representa apenas 26% de tudo que é movimentado no País – valor considerado baixo comparado a outras nações.
Para mudar esse quadro, o pacote prevê investimentos privados de R$ 91 bilhões na renovação e construção de uma nova malha, de 10 mil quilômetros (km) de extensão. As novas ferrovias já serão feitas com base no novo modelo em que uma empresa privada constrói a infraestrutura e o governo federal, por meio da estatal Valec, compra toda a capacidade da ferrovia. Depois, ele revende essa capacidade para os operadores que quiserem usar os trilhos.
Neste momento, a Empresa de Planejamento Logístico (EPL) está elaborando os estudos para as licitações, que devem ocorrer no ano que vem. Alguns projetos estão sob responsabilidade da mineradora Vale, que tinha uma antiga pendência com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Na avaliação do diretor de project finance do HSBC, Sérgio Monaro, o novo pacote tenta revitalizar uma área esquecida durante muitos anos. “O País tem uma dívida logística muito grande. As rodovias sempre foram privilegiadas em detrimento das ferrovias.” Ele avalia como bom o modelo proposto pelo governo, com a Valec contratando a capacidade da ferrovia. Mas adverte: nem todos os trechos terão o mesmo interesse dos investidores privados. “Em alguns trechos, pode não fazer sentido colocar dinheiro.”
O novo modelo não atinge a malha que já está nas mãos da iniciativa privada, concedida durante a privatização na década de 90. Mas esses investidores também terão de se adequar a algumas mudanças, como as novas metas estabelecidas por trechos. A ANTT está avaliando as metas para o próximo quinquênio, que começam a valer a partir de janeiro de 2013.
De acordo com a regra, a concessionária que estabelecer uma meta abaixo da capacidade da ferrovia terá de ceder a diferença para outros operadores que tenham interesse em usar a malha, explica o diretor da ANTT, Fábio Coelho Barbosa. Por esse motivo, muitas empresas estão elevando as metas para não permitir a entrada de um terceiro. “Mas, se não cumprirem as metas estabelecidas, elas serão multadas e, no limite, podem até perder a concessão.”
Tarifa. Outro ponto polêmico é o estabelecimento de uma nova tarifa-teto para a cobrança do frete ferroviário. Barbosa explica que os contratos de concessão preveem que essas tarifas, que são o limite máximo que as concessionárias podem cobrar do cliente, sejam revisadas de tempo em tempo, de acordo com o cenário econômico. “Isso nunca ocorreu desde a privatização. Mas, de lá para cá, houve uma série de alterações tecnológicas e um aumento de produtividade que justificam a revisão.”
Algumas concessionárias, no entanto, não concordaram com os novos preços, entraram na Justiça e conseguiram liminares evitando a mudança. Por esse motivo, alguns processos estão em revisão, diz o executivo da ANTT. “Pode haver algum ajuste pontual, mas não será nenhuma mudança significativa.”
Barbosa destaca também que a ANTT deverá finalizar até o inicio do ano que vem as negociações que envolvem a devolução de trechos subutilizados pelas concessionárias. No ano passado, a agência reguladora publicou os trechos que podem voltar para as mãos do governo federal. São 1.700 km de estradas de ferro em diferentes regiões do País.
Em alguns casos, a exemplo do que deve ocorrer no setor elétrico, a União poderá ter de indenizar as empresas. Em outros casos, não está descartada a possibilidade de a empresa ter de pagar para o governo. “Ela tem de entregar a malha do jeito que recebeu. E há casos em que o trecho está completamente degradado.”
A medida tem o objetivo de ampliar o transporte ferroviário e diversificar as cargas que passam pelos trilhos. Até o ano passado, 76,61% de tudo que era movimentado pelas ferrovias era minério de ferro e 11,51%, grãos, segundo dados da Associação Brasileira dos Transportadores Ferroviários (ANTF). Além disso, quase todo o volume transportado está concentrado em apenas 10% da malha total do Brasil.
O presidente da ANTF, Rodrigo Vilaça, acredita que as atuais concessionárias podem ter um papel importante nessa segunda fase das concessões ferroviárias. Ele lembra que, de 1997 a 2011, as empresas investiram cerca de R$ 30 bilhões na malha existente. O volume de carga transportada nesse período cresceu 111,7% e a frota, que antes contava com 1.154 locomotivas e 43.816 vagões, saltou para 3.045 e 100.924, respectivamente.
Até 2015, diz ele, serão investidos R$ 3 bilhões por ano em média – sem considerar o pacote do governo. “Questiono se não é o momento de nós sermos consultados no sentido de identificar soluções mais produtivas.”
Pacote do governo e eventos estimulam o setor
O novo pacote de ferrovias, o trem-bala e os projetos de mobilidade urbana para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos devem turbinar as encomendas da indústria metroferroviária.
Em 2011, o setor teve o segundo melhor ano da história e as expectativas para os próximos anos são bastante positivas. “Estamos vivendo um momento especial. O programa de investimento lançado pelo governo vai se refletir no crescimento da indústria”, avalia o presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer), Vicente Abate.
Para este ano, a previsão é fechar o ano com 3.500 vagões fabricados. A quantidade será menor que a verificada no ano passado, mas ainda assim é um número bom levando em conta a crise mundial.
“Ainda assim, é nosso segundo melhor ano”, completa o diretor da GE Transportation, Rogério Mendonça. A empresa foi uma das primeiras a voltar a produzir locomotivas no Brasil para o transporte de carga.
Hoje a fábrica, com capacidade para produzir entre 120 e 150 locomotivas por ano, exporta entre 30% e 40% da produção. “Em termos de capacidade não precisamos fazer novos investimentos na nossa planta. Mas continuamos aperfeiçoando nossos produtos para aumentar o conteúdo local”, diz Mendonça. Ele explica que atualmente a unidade tem conseguido atingir níveis entre 50% e 60%. “No ano que vem já esperamos atingir 70% de conteúdo local.”
Apesar do cenário positivo para carga, a fabricação de trens de passageiros deve comandar o ritmo da indústria, avalia Abate. A expectativa é produzir cerca de 400 carros (vagões de passageiro) – 60 a mais que neste ano.
“Estamos esperando a realização de algumas licitações no ano que vem. A ênfase na mobilidade deve elevar o crescimento da área.
Hoje, a indústria ferroviária conta com três fabricantes de vagões de carga, dois de locomotivas e oito empresas de carros de passageiros. Entre elas, estão as multinacionais Alstom, Siemens, CAF e Bombardier.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 12/11/2012