Música no Metrô do Rio

Músicos driblam proibição e quebram a monotonia dos vagões de metrô no Rio. Grupos de brasileiros e estrangeiros ignoram repressão dos seguranças e tocam bossa nova, chorinho e salsa nas viagens de metrô carioca.

São 19h30. Todos os vagões do metrô sentido General Osório, no Rio de Janeiro, estão cheios. Passageiros que tiveram a sorte de conseguir um lugar leem livros, outros olham fixo na janela aparentando contar os minutos para sair dali. A rotina do barulho do trem somado aos constantes avisos sonoros entre uma estação e outra é rompida, de repente, pelos acordes de “Trenzinho Caipira”, obra prima de Heitor Villa-Lobos. Todos se entreolham. Ao fundo, três rapazes em torno dos 30 anos tocam instrumentos.

Em alguns segundos a monotonia habitual que contamina o ambiente parece ter se dissipado. Alguns tentam ignorar, mas há até quem comece a balançar os pés com as primeiras notas de “Eu Sei Que Vou Te Amar”, de Tom Jobim. Uma senhora sorri, outra pergunta a um dos rapazes se pode fazer um pedido. Quatro músicas depois um dos jovens “passa o chapéu” e dezenas de passageiros deixam sua gorjeta antes que o grupo siga para outro vagão.

A atividade do grupo no metrô carioca, segundo o músico Yeshua Jahmiliano, 30 anos, começou há dois anos e meio. “Eu e o Alê Gomila costumávamos tocar na beira da praia quando tínhamos uma folga da nossa banda, a ‘Santíssima Trindade’. Era um projeto nosso chamado ‘Música Livre’. Um dia resolvemos fazer o mesmo no metrô já que nos países de primeiro mundo é comum ter um espaço reservado à música”, conta. A dupla virou trio e hoje toca no metrô junto com Fernando Pessoa.

Nos últimos meses, porém, a chegada de novos músicos aos vagões já incomoda o trio. Como a prática não é autorizada pelo Metrô Rio, os três temem que a repressão aumente, principalmente se certos códigos de conduta aprendidos por eles não forem respeitados. “Durante esses dois anos e meio aprendemos a nos adaptar. Sabemos como nos comportar e em qual volume devemos tocar para não incomodar os passageiros”, diz Jahmiliano.

“Desconforto” é argumento do Metrô Rio para proibição

Nos metrôs de países como Estados Unidos, França, Espanha, Inglaterra e Rússia, por exemplo, as concessionárias do transporte público subterrâneo permitem que músicos se apresentem em espaços reservados para eles, mas basicamente nas estações e não nos vagões. Procurada pelo iG, a assessoria de imprensa do Metrô Rio informou apenas que “não autoriza essa prática nas estações e nem dentro dos carros com o objetivo de oferecer uma viagem mais confortável aos passageiros, pois muitos se sentem desconfortáveis com essas performances”.

Segundo Jahmiliano, amigos já organizam um pedido de autorização para a banda trabalhar no local. “Se tudo der certo, teremos passagem gratuita, crachás e até um cachê para nos apresentarmos”, diz ele.

O uruguaio Maximiliano Mazer, 30 anos, e o peruano Fernando Medina, 30, fazem parte da nova leva que viu no metrô carioca um mercado em potencial. “Estamos viajando pela América Latina e ficaremos no Rio até o carnaval. Nos outros países é permitido, mas aqui temos que tocar no ‘sapatinho’. A segurança ameaça nos levar para a delegacia”, conta Mazer que alterna as apresentações no metrô com shows na rua.

De acordo com o uruguaio, a dupla fatura cerca de R$ 1.300 por mês, o que permite que eles continuem por aqui vivendo com o dinheiro das apresentações. Mazer e Medina contam que alteram o repertório de acordo com a região. Segundo eles, no Rio de Janeiro o que mais faz sucesso é o forró, porém eles também tocam bolero e salsa.

“Tocamos sempre depois das 8h porque antes disso o metrô fica muito cheio, então não é legal nem para a gente e nem para os passageiros. Primeiro porque eles não conseguem escutar o que estamos tocando, segundo porque a falta de espaço faz a experiência ser desconfortável. Basta ter bom senso para poder fazer arte sem incomodar ninguém”, explica Mazer.

“Gravata” do segurança

Igor Teitelroit, 30 anos, é professor de música e toca no metrô ritmos como chorinho, jazz e MPB desde agosto. Ele coleciona sugestões para manter a harmonia no transporte público. “Poderiam fazer um vagão da música como já existe o vagão das mulheres ou um espaço na plataforma como já acontece em outros países. Quem não quer ouvir música quando viaja? O que não pode é ter medo de inovar. Se der errado para e faz outra coisa”, argumenta ele, que se apresenta acompanhado do argentino Bernabé Romero e da brasileira Paloma Ranai.

O professor diz que já se deparou com a truculência de seguranças do Metrô Rio. “Uma vez levei uma gravata na estação General Osório. Mas tudo bem, eles trabalham na repressão e estão cansados de dizer que não pode”, minimiza.

Para Igor, o crescimento da música no metrô é inevitável, especialmente por conta da proximidade de eventos de âmbito internacional como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. “É uma prática comum no mundo todo. O que vai acontecer é que o músico estrangeiro vai chegar aqui, como já tem acontecido, e vai começar a tocar porque ele nem sabe que é proibido. A coisa vai chegar num ponto que o Metrô Rio vai ter que fazer uma pesquisa e integrar esses grupos”, aposta.

Fonte: IG, Rio de Janeiro, 17/01/2013

 

 

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