RIO — “Patrão, o trem atrasou / Por isso estou chegando agora / Trago aqui o memorando da Central / O trem atrasou meia hora / O senhor não tem razão para me mandar embora”. O sambinha cantado por Roberto Paiva agitou o carnaval carioca há 72 anos. Mas ainda é a cantilena do funcionário público João Batista, usuário do ramal de Japeri. Cai também como uma luva para a empregada doméstica Ramilda Pereira, de Saracuruna: dia sim, dia também, ela chega atrasada ao serviço, no Jardim Botânico. Quase 15 anos após a concessão do sistema ferroviário metropolitano à iniciativa privada, as 540 mil pessoas que usam os trens diariamente estão longe de desfrutar um transporte de primeira linha, como mostra a terceira reportagem da série “Imobilidade urbana”.
O GLOBO fez viagens de ponta a ponta nos ramais de Saracuruna e Japeri, na última semana. Em ambos os percursos, os repórteres cumpriram o trajeto num tempo superior ao previsto no site da concessionária SuperVia. De Saracuruna à Central, a viagem durou 1h21m (em vez de 1h02m). Já da Central a Japeri, gastou-se 1h46m no horário de rush, 22 minutos a mais do que o informado. Somente no ramal de Santa Cruz, na quarta-feira, entre 17h30m e 19h, o intervalo de partida dos trens variou de dez a 27 minutos. Plataformas abarrotadas de gente, composições com avarias nas portas, policiais tentando apartar brigas: foi extensa a lista de problemas. Nada que surpreenda a vendedora Eloá Barcelos, de 25 anos, que mora em Bangu:
— Toda semana é isso. Já perdi até sapato no trem. Para melhorar, basta reduzir os intervalos — afirmou a jovem na última quarta-feira, enquanto aguardava um trem “menos cheio”. — Frequentemente ouvimos casos de tarados no trem. Há desrespeito ao vagão feminino.
Ontem de manhã, um trem que seguia de Belford Roxo para a Central do Brasil sofreu um descarrilamento próximo a São Cristóvão. Mais uma vez, passageiros tiveram de caminhar nos trilhos até a próxima estação.
Em 1998, quando o sistema de trens foi concedido à iniciativa privada, o consórcio vencedor prometeu equipar todas as composições com ar-condicionado até o ano 2000. Treze anos depois, 81 trens (ou 43,7% da frota de 185) têm o equipamento. E 49 composições que ainda cortam os subúrbios são “senhoras” de 59 anos. Na avaliação do presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), Sérgio Magalhães, os tímidos avanços nos últimos anos podem ser explicados pela falta de investimentos:
— Em 1975, no governo Geisel, os trens transportavam 1,5 milhão de pessoas por dia. Isso quando a cidade tinha a metade da população, e o povo era mais pobre. Aqui, investe-se quatro vezes menos do que em São Paulo. Há mais de dez anos está na mesa da concessionária uma proposta de transformar em metrô o trecho Central-Deodoro, com intervalos de quatro minutos.
Só 10% das estações têm banheiro
Se o sistema de trens do Rio tem alguns números superlativos — são cem estações em cinco ramais que totalizam 186 quilômetros de trilhos —, em conforto e qualidade a matemática joga contra. Apenas dez estações são dotadas de banheiros. Cobertura, escadas rolantes e bancos são artigos de luxo. Correm atualmente no Ministério Público 11 inquéritos que apuram irregularidades no serviço da SuperVia, como falta de agentes nas estações ferroviárias e erros na cobrança de bilhetes. Há um caso que ilustra o desperdício: inaugurada em 2000, a estação Walmart, em Pilares, nunca funcionou e já está em petição de miséria.
Passageiro dos trens desde a infância, o servidor público João Batista, de 59 anos, morador de Japeri, conta que já precisou dormir diversas vezes nos desconfortáveis assentos das estações:
— Falta tudo, principalmente informação. Não dá para entender o que se fala no alto-falante. Quando preciso ir de Japeri a Paracambi, uso o ônibus, que é mais barato e mais rápido.
Incidentes nos trilhos são comuns. Durante a viagem da Central a Japeri, na quarta-feira, passageiros levaram um susto na Rua Vinte e Quatro de Maio, quando um estouro foi ouvido na linha férrea. Imediatamente, as luzes do vagão se apagaram. Assim permaneceram por três minutos. Um cheiro de borracha queimada tomou o vagão. Até a chegada a Japeri, a SuperVia não explicou o que ocasionou a pane.
— O pneu furou! — gritou alguém.
No ramal de Saracuruna, estações chamam a atenção pelo enorme vão entre as plataformas e as composições, o que é cruel para idosos e cadeirantes. O urbanista Marat Troina, especialista em mobilidade urbana, aponta três gargalos do sistema: as dificuldades de acesso às estações, a irregularidade nos intervalos e a falta de conforto mínimo das composições.
— Em Bonsucesso, há escada rolante da plataforma à bilheteria. Mas o acesso da rua ao terminal deve ser feito por escadas comuns — afirma.
Apesar dos problemas, o diretor de operações da SuperVia, João Gouveia, dá nota 9 ao sistema. Ele diz que está em curso a troca da sinalização, bastante obsoleta. A nova tecnologia deve ser inaugurada primeiro no trecho Central-Deodoro até o fim deste mês.
— Até 2016, teremos todos os trens com ar-condicionado. Devemos aposentar os 49 trens antigos. Hoje o ramal mais carregado é o de Japeri. Com a nova sinalização, vamos conseguir reduzir os intervalos de 12 para 6 minutos.
Fonte: O Globo, 19/03/2013
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