Os filhos do aço

Jeceaba, Bom Jardim de Minas e Itabirito  A chegada de milhares de trabalhadores nas pequenas cidades de Minas Gerais para a construção da Ferrovia do Aço não deixou somente histórias de abandono e relacionamentos efêmeros. Alagoanos, maranhenses, paraibanos e operários de várias regiões do Brasil se casaram com as mineiras e constituíram famílias que após décadas permanecem unidas. O Estado de Minas publica desde ontem a série de reportagens Filhos do Aço. As primeiras matérias mostraram relatos de desamparo e também de reencontros provocados pela ferrovia, e relembraram os bilhões gastos no empreendimento, que se tornou um clássico do mau planejamento brasileiro.

Em Jeceaba, distante 130 quilômetros da capital, todos chamam Elias Calheiros Rocha de “Baiano”. Apesar de ter nascido em Maceió, ele não se incomoda com o apelido. Aliás, Elias prefere que troquem seu gentílico do que se refiram a ele fazendo alusão a seu primo distante, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Baiano deixou a capital alagoana há 45 anos, trabalhou em várias obras até chegar à pequena cidade, de 5,3 mil habitantes, no final da década de 1970. “Trabalhava de barbeiro, de artesão, mas queria ser um profissional e sair daquela vida monótona do Nordeste”, lembra o aposentado, hoje com 67 anos.

Elias trabalhou primeiro nas obras da BR-101; depois na Rodovia dos Imigrantes, em São Paulo; na BR 365, em Uberlândia, e em outras cidades mineiras como Araxá, Juiz de Fora e Itabirito até chegar, em 1979, a Jeceaba, onde conheceu sua esposa. Eles se casaram no mesmo ano e tiveram três filhos.“Quando saí de casa não imaginava o que poderia ser da minha vida, mas hoje estou feliz, avalia Elias, que tem quatro netos.

A esposa de Elias, Ivone Gomes da Rocha, hoje com 58 anos, lembra de quando era jovem e a cidade foi tomada por milhares de forasteiros. “Naquela época o peão gostava era de fazer baderna”, recorda Ivone, que compara a movimentação do passado, quando conheceu Elias, com os dias atuais, quando a cidade passa por uma nova ebulição com a instalação da usina da Vallourec & Sumitomo Tubos do Brasil (VSB). À época da construção da ferrovia, Jeceaba teve um dos maiores acampamentos, com mais de 5 mil trabalhadores na cidade.

TÚNEL Outra cidade que também teve a realidade modificada à época da construção da Ferrovia do Aço foi Bom Jardim de Minas, no Sul do estado. É lá que foi construído o maior túnel do Brasil, com 8.645 metros de extensão, atravessando a Serra da Mantiqueira. Na América Latina, só perde para o túnel Cuajone-El Sargento, entre Ilo e a mina de Toquepala, no Peru. O relevo da região da Serra da Mantiqueira foi um dos principais desafios para os engenheiros que planejavam a Ferrovia do Aço. Em Bom Jardim fica o ponto mais alto (1.124m), sendo que em Jeceba a altura em relação ao nível do mar é de 900 metros, enquanto no final da linha, em Volta Redonda (RJ), é de 400 metros.

Desbravar o relevo da Mantiqueira foi sinônimo de muito trabalho para Patrício Ribeira Barros, que veio de Porto Franco, no Maranhão. Patrício chegou em 1980 e dois anos depois se casou com uma moça de Bom Jardim de Minas. “Saí de casa com 18 anos. Naquela época era muito difícil emprego e conseguir ganhar dinheiro no interior do Maranhão”, lembra. Desde que chegou já morou em outras cidades para trabalhar. Passou ainda dois anos no Iraque, em obras da empresa Mendes Júnior, quando a construção da ferrovia foi paralisada, mas o porto seguro deixou de ser a terra natal, Porto Franco, e se tornou Bom Jardim de Minas.

“Sempre volto lá, mas minha vida é aqui”, explica Patrício, que para chegar na cidade natal enfrenta uma viagem de 34 horas de ônibus, saindo de Juiz de Fora. Após os períodos de mudanças, o maranhense se aposentou como empregado de uma empreiteira que presta serviço para a MRS – empresa proprietária da Ferrovia do Aço, que comprou a extinta Rede Ferroviária Federal SA (RFFSA) – e se sente realizado por ter criado as duas filhas Luciana, de 29 anos e Patrícia, de 24.

Quem também observa o passado e sente orgulho é Antônio Joaquim Silva, hoje com 63 anos, de Livramento, na Paraíba, que constituiu família em Itabirito. Antônio saiu do sertão da Paraíba aos 22 anos, e foi trabalhar na construção da Ponte Rio-Niterói. Após o fim das obras, em 1974, chegou à cidade na Região Central do estado, distante 55 quilômetros de Belo Horizonte, para participar de outra obra faraônica: a Ferrovia do Aço.

A mulher de Antônio, Maria Aparecida de Oliveira e Silva, hoje com 54 anos, conheceu o marido quando tinha 17. “Havia um pouco de preconceito com os peões. Eu trabalhava na agência dos Correios e meus pais moravam na roça. No início eles não gostaram muito do namoro, mas depois que ele foi lá conhecê-los não teve problema”, lembra Maria. O casal tem três filhas, de 35, 30 e 19 anos, e o objetivo de Antônio é somente descansar, desde que aposentou, há 10 anos. “Dei uma mãozinha para construir o Brasil”, afirma bem-humorado.

Fonte: Estado de Minas, 08/04/2013

Rolar para cima