O pacote de concessões de infraestrutura lançado em agosto do ano passado carregava duas missões muito claras. De um lado, serviria para dar alívio aos cofres públicos, com a entrada direta da iniciativa privada em obras bilionárias de logística por todo o país. De outro, ajudaria a desatolar empreendimentos que já causavam constrangimento ao governo em suas divulgações de balanços do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), tamanho o atraso que enfrentavam desde que o programa foi criado, em 2007.
A objetividade com que o governo apresentou seus prazos e metas de investimento para concessões foi um dos pontos fortes dos anúncios. Todos foram realizados em cerimônias abarrotadas no Palácio do Planalto. O clima de “agora vai” insinuava um 2013 de desembolso forte, depois de um ano fustigado pelos escândalos de corrupção deflagrados em 2011, quando a presidente Dilma Rousseff desencadeou a sua “faxina ética” no Ministério dos Transportes.
Oito meses se passaram desde o anúncio dos pacotes de rodovias e ferrovias. Os prazos, mais uma vez, foram comprometidos. Neste mês, o governo pretendia assinar os contratos de concessão da BR-116, no trecho que corta Minas Gerais, e da BR-040, que liga Juiz de Fora (MG) até Brasília (DF). O leilão, que estava previsto para janeiro, foi cancelado e não tem mais data certa para ocorrer.
Os adiamentos são reflexos de mudanças que o governo se viu forçado a fazer em seus estudos, por conta da falta de interesse do setor privado nas condições originalmente apresentadas. Ficou comprometido o cronograma de outras sete estradas a serem concedidas. No total, as obras somam 7,5 mil quilômetros de rodovias e os investimentos são estimados em R$ 23,5 bilhões, nos primeiros cinco anos de contrato.
O governo está revisando a taxa interna de retorno (TIR) dos projetos, fixada inicialmente em 5,5% ao ano, a mais baixa desde o início do programa de privatizações, ainda na administração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A melhoria nas condições de financiamento do BNDES já permitiu aumentar, para um nível de 12% a 15%, o retorno do capital dos acionistas.
O mau humor dos empresários também forçou o governo a propor mudanças nas propostas dos 12 trechos de ferrovias que entraram no pacote de concessão. Previa-se que, neste mês, 2,6 mil quilômetros de malha ferrovia já fossem a leilão. Não foram. Com eles, foram prorrogados os prazos de outros 7,4 mil quilômetros de trilhos que, em algum momento, deverão migrar para a iniciativa privada. Em cinco anos, estima-se um investimento de R$ 56 bilhões.
Uma das maiores preocupações do setor privado é com o chamado “risco Valec” nos contratos de concessão. O modelo proposto pelo governo se baseia na garantia de compra a capacidade de transporte das ferrovias concedidas pela estatal Valec. Isso geraria receitas suficientes às futuras concessionárias para cobrir os custos de construção dos novos trechos e remunerar os investimentos feitos. A Valec, então, faria oferta pública dessa capacidade para eventuais clientes.
Há questionamentos dos investidores. Uma das principais dúvidas é sobre as garantias de que esses pagamentos da Valec serão realmente feitos no futuro, independentemente de mudanças de governo ou de cortes orçamentários. “Não deve pairar nenhuma dúvida sobre uma garantia dada pela União”, afirma o ministro dos Transportes, César Borges. Ele diz, no entanto, que o governo não está fechado a alterações para lançar os editais das ferrovias. “O modelo pode ser aperfeiçoado”, completa.
Dado o trâmite burocrático que envolve a realização de cada uma das licitações e a assinatura efetiva do contrato com seu vencedor, torna-se praticamente impossível garantir que, neste ano, haverá desembolso relevante ou mesmo obras em ritmo acelerado, como se desenhava até o ano passado. Na melhor das hipóteses, existe um hiato de até três meses entre a realização do leilão e a homologação de seu resultado, isso se não houver os questionamentos jurídicos que têm aparecido pelo caminho. A única concessão de rodovia que o governo Dilma conseguiu fazer até agora – a BR-101 entre Espírito Santo e Bahia – teve seu contrato assinado na semana retrasada, depois de um ano de brigas judiciais, por causa de disputas entre dois concorrentes do leilão.
Nos portos, o pacote de R$ 54,2 bilhões em investimentos que foi anunciado em dezembro ainda está à espera da aprovação da MP 595, a medida provisória que trata da reforma do setor. O governo resolveu acabar com a diferenciação entre carga própria e de terceiros, liberando a construção de terminais privados, desde que fora dos portos organizados.
Para destravar investimentos nos portos públicos, o governo decidiu licitar mais de 50 terminais com contratos de arrendamento vencidos ou por vencer, anteriores a 1993. A justificativa oficial era de que não havia base legal para uma extensão contratual, conforme pediam os atuais operadores. No Congresso, porém, houve mudanças na MP e os parlamentares da comissão mista responsável pela análise do assunto incluíram a possibilidade de prorrogação por até dez anos.
Até a aprovação definitiva da medida provisória, que ainda precisa passar pelos plenários da Câmara e do Senado, é difícil ter clareza sobre o futuro do setor. Já são esperados de quatro a oito vetos presidenciais no novo texto da MP. Enquanto isso, mais de 50 projetos de terminais privados já foram protocolados na Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), e a Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP) promete entregar em setembro os estudos de viabilidade para a licitação de áreas nos portos públicos.
As dúvidas que ainda afligem os pacotes de infraestrutura devem estar resolvidas até a próxima etapa do “road show” para promover essas concessões junto a investidores estrangeiros, que deverá ocorrer nas próximas semanas, na Ásia. Antes de embarcar, as autoridades brasileiras precisam ter respostas definitivas sobre as taxas de retorno e o “risco Valec”, entre outros pontos. Sob pena de, mais uma vez, terem que mudar as regras para despertar o interesse do capital privado.
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2013