Peça fundamental para tirar os pacotes de concessão de rodovias e ferrovias do papel, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) está escanteada e enfraquecida. Desde a saída de Bernardo Figueiredo do comando, após sua recondução ao cargo ser barrada pelo Congresso, no ano passado, a.diretoria está incompleta – desfalque que poderá comprometer os trabalhos do órgão como fiscaiizador e regulador. Da mesa da diretoria, sairão os editais de licitação mais esperados pelos investidores na área de infraestratura.
Dos três executivos responsáveis pelas decisões do órgão, dois são interinos, indicados pelo Ministério dos Transportes, e apenas um passou pela sabatina do Senado. Trata-se de Jorge Luiz Macedo Bastos, um ex-diretor do time de basquete Universo, de Brasília, que desde fevereiro ocupa o posto mais alto da ANTT.
Indicado à diretoria da agência em 2010, quando era assessor técnico do ex-senador Wellington Salgado, ele substituiu Ivo Borges, cujo mandato expirou no início do ano. Quando entrou na agência, o próprio Bastos afirmou que sua única experiência com transportes era como usuário. Os outros dois diretores são profissionais de carreira da agência (uma terceira diretora interina está de licença) e conhecem bem os meandros do setor, mas não contam com a boa vontade do Senado para serem aprovados.
No começo de dezembro de 2012, a presidente Dilma Rousseff indicou três nomes para ocupar a diretoria da agência. Carlos Fernando do Nascimento e Natália Marcassa de Souza, ambos funcionários da ANTT, e Daniel Sigelmann, atualmente no Ministério dos Transportes. Até hoje, no entanto, a Comissão de Infraestrutura do Senado não definiu os relatores da matéria nem parece interessada no assunto. Procurada pela reportagem, a comissão afirmou que as indicações não estão em pauta e que o senador Fernando Collor, presidente da comissão, não tinha agenda para atendera demanda.
O único nome que já tem relator definido para apreciar a pauta é o do ex-ministro dos Transportes Paulo Sérgio Passos, substituído em abril por César Borges. Passos, profissional experiente na área, foi indicado pela presidente para ser diretor-geral da agência. Mas sua estreia está ameaçada. O relator da pauta é o senador Alfredo Nascimento, ex-ministro dos Transportes, que deixou o cargo sob denúncias de corrupção, em 2011. Passos o substituiu e comandou a chamada faxina nos Transportes, com a demissão de vários diretores. O senador não quis falar do assunto.
Interferência. Em meio aos arranjos políticos para acomodar apadrinhados, as agências são asfixiadas e perdem sua autonomia para zelar pelo bom funcionamento dos serviços públicos. “Em alguns momentos o governo fez indicações políticas; em outros, resistiu e tentou colocar pessoas sem viés partidário, Mas o mundo político tem sabotado a independência das agências”, afirma o professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, Carlos Ari Sundfeld, referindo-se à demora na sabatina dos indicados.
Na avaliação dele, hoje o modelo que funciona no País ficou sem defensores, em parte porque o próprio governo desprezou – e sabotou – as agências. “O que temos visto é uma morte lenta dos órgãos reguladores que pode durar anos.” A opinião é respaldada pelo professorda FGV, do Rio, Sérgio Guerra: “A ANTT, como outras agências, tem sofrido esse esvaziamento com a redução do corpo diretivo que fere o modelo”.
Pelas recomendações da OCDE e Banco Mundial, além. da independência nas decisões, as agências devem ter um órgão colegiado com cinco diretores escolhidos pelo presidente da República e chancelados pelo Congresso. “Com o sistema atual de se pôr interinos na diretoria, há um desvirtuamento total das agências, que perdem âutonomia e abrem oportunidades para outros órgãos”, diz Guerra.
No caso da ANTT, várias atribuições têm sido repassadas para outras autarquias. Uma fonte que participa do processo de modelagem do trem-bala, por exemplo, afirma que não tem visto a presença de diretores da agência nas discussões. “Sempre há representantes do BNDES, do Tesouro, da Presidência e da Casa Civil, mas ninguém da ANTT.”
Além disso, boa parte das decisões foi transferida para a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), comandada por Bernardo Figueiredo, ex-diretor da ANTT. Mas a publicação dos editais, as audiências públicas e minutas dos contratos terão de ser feitos pela agência. Com a diretoria desfalcada, dizem especialistas, ela corre o risco apenas de emprestar o nome para publicar os documentos no Diário Oficial da União. “A agência ficou com o papel secundário, intermediário, Essa situação, de alguma forma, impacta os grandes projetos do País”, afirma o advogado Robertson Emerenciano, do escritório Eme-renciano, Baggio e Associados.
Segundo ele, os investidores estrangeiros não acompanham de perto esse vaivém das agências, mas quando decidem fazer um investimento querem saber como funcionam. “Aí você tem de explicar que o modelo é misto, que tem agência, mas suas ações são limitadas”.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 09/06/2013