Ex-diretor da Siemens aponta caixa 2 de PSDB e DEM

Em relatório entregue no dia 17 de abril ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o ex-diretor da Siemens Everton Rheinheimer afirma dispor de “documentos que provam a existência de um forte esquema de corrupção no Estado de São Paulo durante os governos (Mário) Covas, (Geraldo) Alckmin e (José) Serra, e que tinha como objetivo principal o abastecimento do caixa 2 do PSDB e do DEM”.

O ex-diretor da empresa alemã diz também que o hoje secretário da Casa Civil do governo Geraldo Alckmin (PSDB), deputado licenciado Edson Aparecido (PSDB), foi apontado pelo lobista Arthur Teixeira como recebedor de propina das multinacionais suspeitas de participar do cartel dos trens em São Paulo entre os anos de 1998 e 2008.

O ex-executivo, que é um dos seis lenientes que assinaram no mês seguinte um acordo com o Cade em que a empresa alemã revela as ações do cartel de trens, também cita o deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), aliado dos tucanos, como outro beneficiário.

Trata-se do primeiro documento oficial que vem a público que faz referência a supostas propinas pagas a políticos ligados a governos tucanos. Até agora, o Ministério Público e a Polícia Federal apontavam suspeitas de corrupção que envolviam apenas ex-diretores de estatais como a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).

As acusações do ex-diretor foram enviadas pelo Cade à Polícia Federal e anexadas ao inquérito que investiga o cartel em São Paulo e no Distrito Federal.

No texto, Rheinheimer escreve que o cartel “é um esquema de corrupção de grandes proporções, porque envolve as maiores empresas multinacionais do ramo ferroviário como Alstom, Bombardier, Siemens e Caterpillar e os governos do Estado de São Paulo e do Distrito Federal”.

Proximidade. Outros quatro políticos são citados pelo ex-diretor da Siemens como “envolvidos com a Procint”. A Procint Projetos e Consultoria Internacional, do lobista Arthur Teixeira, segundo o Ministério Público e a Polícia Federal, é suspeita de intermediar propina a agentes públicos.

O documento faz menção ao senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), e aos secretários estaduais José Aníbal (Energia), Jurandir Fernandes (Transportes Metropolitanos) e Rodrigo Garcia (Desenvolvimento Econômico).

Rheinheimer foi diretor da divisão de Transportes da Siemens, onde trabalhou por 22 anos, até março de 2007.

Ele e outro leniente prestaram depoimento à Polícia Federal em regime de colaboração premiada – em troca de eventual redução de pena ou até mesmo perdão judicial, decidiram contar o que sabem do cartel. Esses depoimentos estão sob sigilo.

Menções. Sobre Aparecido e Jardim, Rheinheimer sustenta em seu texto que “seus nomes foram mencionados pelo diretor-presidente da Procint, Arthur Teixeira, como sendo os destinatários de parte da comissão paga pelas empresas de sistemas (Alstom, Bombardier, Siemens, CAF, MGE, T’Trans, Temoinsa e Tejofran) à Procint”.

De Aloysio, Jurandir e Garcia, diz ter tido “a oportunidade de presenciar o estreito relacionamento do diretor-presidente da Procint, Arthur Teixeira, com estes políticos”. Sobre Aníbal, anotou: “Tratava diretamente com seu assessor, vice-prefeito de Mairiporã, Silvio Ranciaro”.

Ele ainda apontou o vice-governador do Distrito Federal, Tadeu Filippelli (PMDB), e o ex-governador do DF José Roberto Arruda como “políticos envolvidos com a MGE Transportes (Caterpillar)”. A MGE é apontada pelo Ministério Público e pela Polícia Federal como a outra rota da propina, via subcontratações – a empresa era fornecedora da Siemens e de outras companhias do cartel.

Rheinheimer diz ser o autor da carta anônima que deflagrou a investigação do cartel dos trens, enviada em 2008 ao ombudsman da Siemens. Ele relata ter feito as denúncias para se “defender de rumores sobre seu envolvimento neste escândalo”. O executivo assevera que, apesar de suas denúncias, a Siemens optou por “abafar o caso”.

Ameaça. No texto, ele se diz disposto a contar o que sabe, mas sugere receber em contrapartida sua nomeação para um alto cargo na mineradora Vale. (mais informações ao lado)

Rheinheimer afirma que queria induzir a Siemens a fazer uma autodenúncia ao Cade para facilitar a obtenção de autorização judicial para execução dos mandados de busca e apreensão nas outras empresas. Segundo ele, isso resolveria “o maior problema do Ministério Público de São Paulo, que é o acesso às provas para poder levar adiante suas investigações sobre corrupção ativa”. “Além de envolver muitos projetos e dezenas de pessoas, o esquema de corrupção se estende por um longo período”, escreveu.

Tucano afirma conhecer lobista, mas nega ilegalidade

O secretário da Casa Civil do governo Geraldo Alckmin (PSDB), Edson Aparecido, disse ontem que conhece Arthur Teixeira, mas negou categoricamente ter recebido propina do lobista. “Tive contato com Arthur Teixeira numa inauguração da CPTM em meados de 2000, não lembro exatamente. Mas nunca tive relação estreita com ele. Isso é um negócio de maluco.”

Aparecido afirmou ainda que “nunca teve contato com a empresa (Procint Consultoria, de Teixeira)”. O secretário ressaltou ainda que “desconhece completamente o ex-diretor da Siemens Everton Rheinheimer”.

“Nunca tive reunião com esse Everton. Eu o desconheço, não sei quem é. É uma gravidade brutal uma afirmação desse tipo”, enfatizou ele, citado no relatório do ex-diretor da Siemens.

Rodrigo Garcia, secretário de Desenvolvimento Econômico de Alckmin e membro da executiva nacional do DEM, negou vínculos com Teixeira e as supostas propinas que teriam abastecido o caixa 2 de seu partido. “Refuto com veemência o que foi dito no relatório. Não tenho relacionamento nenhum com Arthur Teixeira. Isso não existe”, afirmou.

O secretário de Energia do Estado, José Aníbal, aparece como outro político que seria próximo ao presidente da Procint. “Eu já ouvi falar de Arthur. Mas não tenho relação nem com ele, nem com a Procint. E também desconheço esse sujeito aí (Everton Rheinheimer)”, disse.

Jurandir Fernandes, que chefia a pasta dos Transportes Metropolitanos, não foi localizado.

O senador Aloysio Nunes (PSDB) e o deputado federal Arnaldo Jardim (PPS) negaram qualquer laço com Teixeira e afirmaram desconhecer o ex-diretor da Siemens.

Em nota oficial divulgada ontem, o PSDB de São Paulo repudiou as acusações feitas pelo ex-funcionário da Siemens.

O Cade esclareceu que “não há qualquer irregularidade no acordo de leniência que deu início à investigação do suposto cartel de trens e metrôs no Brasil”. Simão Pedro, atual secretário de Serviços da gestão de Fernando Haddad (PT), não foi localizado. Seu nome apareceu pela primeira vez no caso quando o presidente do Cade omitiu em currículos oficiais ter trabalhado para o petista. Na época, Pedro disse que era uma coincidência o fato de o caso Siemens emergir no Cade após seu antigo assessor ter assumido a presidência do órgão.

O ex-governador do DF José Roberto Arruda e o atual vice-governador, Tadeu Filippelli, não foram localizados.

Ex-diretores da CPTM e lobista são indiciados

A Polícia Federal indiciou criminalmente o ex-diretor de operações e manutenção da CPTM, João Roberto Zaniboni, e o engenheiro Arthur Teixeira, controlador da Procint Projetos e Consultoria Internacional, apontado como lobista do cartel dos trens.

A PF enquadrou Zaniboni por corrupção passiva, lavagem de dinheiro, crime financeiro (manutenção de conta não declarada no exterior) e formação de cartel. Teixeira, por corrupção ativa e pelos outros delitos.

Também foram indiciados uma filha do ex-executivo da CPTM e o ex-diretor de obras e engenharia da CPTM, Ademir Venâncio de Araújo.

São os primeiros indiciamentos por corrupção realizados pela PF no inquérito aberto para investigar o conluio de multinacionais. A PF sustenta que Zaniboni e Venâncio “estavam associados para o recebimento de vantagens indevidas de empresas do Consórcio Sistrem (construção do trecho Capão Redondo/Largo 13 de Maio)”.

Zaniboni entregou à PF cópia do depoimento que fez ao Ministério Público. Disse ter recebido por consultoria que fez a Teixeira antes de assumir o cargo na estatal. Venâncio refutou prática de cartel e corrupção. Disse que deixou o serviço público em 2001 e constituiu a Focco Tecnologia, que manteve contratos de “prestação de serviços” com a Alstom. “Os valores que recebi da Alstom (cerca de R$ 2 milhões) foram devidamente contabilizados na minha empresa, não saíram da Focco.”

Ele afirmou que o dinheiro foi distribuído entre seus sócios, “nunca para políticos”.

Os indiciamentos ocorreram na segunda-feira. Teixeira ficou em silêncio. Indignado, alegou não ter envolvimento com o cartel, muito menos com repasse de propinas.

Dossiê do Ministério Público da Suíça indica que Zaniboni recebeu US$ 836 mil na conta Milmar, de sua titularidade, no Credit Suisse de Zurique. Parte desse valor – US$ 103,5 mil – teria sido depositada em 2 de maio de 2000 por Teixeira, pela conta Rockhouse. A Suíça condenou Zaniboni por lavagem de dinheiro e aplicou multa a ele. Os procuradores de Genebra pediram “com veemência” interrogatório de Teixeira, que nega o papel de pagador de propinas.

Graduado pela Escola Politécnica da USP em 1959, aos 78 anos, Teixeira ostenta extenso currículo profissional dedicado a grandes empresas do setor ferroviário. Seu advogado, o criminalista Eduardo Carnelós, é taxativo. “O sr. Arthur nunca esteve envolvido com corrupção, jamais se prestaria a isso.”

“Aos que, por má-fé ou ignorância, confundem a formação de consórcio com cartel, esclareço que as duas práticas não se equivalem”, anota Carnelós.

O criminalista Luiz Fernando Pacheco, que defende Zaniboni e Venâncio, declarou. “Ao final do inquérito tudo restará esclarecido, acredito que não será aberta ação penal.”

Fonte: O Estado de S. Paulo, 21/11/2013

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