Há muitos anos venho trabalhando em Parcerias Público-Privadas. O Brasil, em muitos setores essenciais, necessita desse tipo de mecanismo para suprir o enorme déficit de investimentos em infraestrutura e em serviços públicos. Há razoável consenso em torno dessa ideia entre políticos, economistas, empresários e operadores do direito.
Muitos então se perguntam: por que as PPPs não avançam? Por que é tão difícil licitá-las? Por que muitas licitações acabam desertas, sem interessados? Por que União, Estados e municípios vacilam tanto, colocam e recolocam licitações no ar, fazem e refazem projetos, sempre sob intensa crítica da iniciativa privada?
Não faltam, na verdade, motivos para tanto. O ambiente que cerca o chamado administrador público no Brasil não é favorável a inovações ou à execução de atividades muito complexas. Faltam quadros especializados, carece-se de visão programática ou de planejamento, sobram mecanismos de controle excessivamente amplos e abertos, é farto o interesse midiático e político eleitoral de a tudo e a todos criticar. Enfim, o administrador público no Brasil está envolvido em uma teia de ignorância e medo que prejudica a execução de projetos complexos ou inovadores, justamente o terreno em que se cultivam as PPPs.
Mas há um entrave que me parece mais ou tão importante quanto todos esses: a ausência de um processo de licitação moderno há muito amplamente utilizado em outros países, capaz de dar segurança aos agentes públicos e à iniciativa privada em relação aos diversos aspectos técnicos, jurídicos e econômico-financeiros enredados em cada PPP.
Chama-se geralmente diálogo concorrencial ou diálogo competitivo esse novo método de licitar, muito utilizado mundo afora e, infelizmente não aplicado no Brasil por falta de uma legislação que o preveja.
A União Europeia, por exemplo, contempla o diálogo concorrencial como diretriz para a celebração de contratos complexos desde 2004 (Diretiva 2004/18/CE). Outros exemplos encontramos no Reino Unido, desde 2006, com a edição do “Public Contracts Regulations”, SI 2006/5; na França, desde 2008, com a modificação do CDC (“Code de Marchés Public”); em Portugal, desde 2009, com a introdução de alterações ao Código dos Contratos Públicos e mesmo nos Estados Unidos onde, desde 1972, com a edição do “Brooks Act”, pratica-se a chamada “competitive negotiation”.
A grande inovação do diálogo concorrencial é a de permitir que, de forma transparente e regrada, empresas privadas e poder público negociem os contratos mais complexos antes que venham eventualmente a celebrá-los.
Note-se que as regras atualmente vigentes no Brasil (especialmente a Lei nº 8.666, de 1993) praticamente impossibilitam que os contratos sejam negociados. Como regra geral, a administração deve definir sozinha todos os detalhes da contratação, especificando projetos, termos de referência e modelos jurídicos e financeiros como bem entender, antes de oferecê-los à iniciativa privada, mediante a realização de licitações.
Acontece que o poder público, em contratações que envolvem grandes complexidades, como projetos de ferrovias, de metrôs nas grandes cidades, de portos, aeroportos, defesa militar ou mesmo hospitais, saneamento básico e outros serviços públicos que devem ser prestados em larga escala, na maior parte das vezes não tem condições de estabelecer sozinho as condições da contratação.
Nesses casos não é incomum que a administração tenha dificuldades para definir com clareza e segurança a sua própria necessidade, como, por exemplo, se a ligação entre duas cidades deve ser feita por um trem de alta, baixa ou média velocidade ou, simplesmente, por meio de transporte aéreo; se uma determinada linha de metrô deve ser subterrânea ou de superfície; se o modelo tarifário deve compreender subsídios públicos ou não; entre outras decisões que podem afetar a viabilidade da parceria, a cesta de riscos que pode ser transferida para o parceiro privado e, enfim, a atratividade da contratação para a iniciativa privada.
O diálogo concorrencial, por seu turno, possibilita à administração discutir todos esses aspectos com o setor privado, desde o momento da formulação do modelo de parceria, até o momento final, em que as partes celebram o contrato, aumentado à aderência dos projetos licitados à realidade e ao mercado. O debate ou diálogo se dá por meio de rodadas de negociação nas quais a administração pode e deve discutir abertamente com os interessados (i) a solução técnica mais adequada à satisfação das suas necessidades (ii) os meios técnicos aptos a concretizar a solução já definida e (iii) a estrutura jurídica ou financeira inerentes ao contrato a celebrar.
É certo que nesse tipo de ambiente, com mecanismos institucionais seguros e, acima de tudo, transparentes, administração pública e iniciativa privada chegam com mais facilidade a realizar negócios de alta complexidade como são as PPPs. É chegada, portanto, hora de alterarmos nossa legislação para reduzir o tormentoso tempo que separa a iniciativa de realizar projetos de PPPs de sua concretização.
Marcos Augusto Perez – Professor doutor de direito administrativo na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da USP e sócio fundador do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marque Sociedade de Advogados
Fonte: 19/11/2013 – Valor Econômico
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