RIO – Não há jeitinho nem mergulho no mar capazes de esconder, ou aliviar, a verdade incômoda, escancarada no verão mais complicado dos últimos tempos: o carioca, aquele espécime gente boa, que costuma rir de si mesmo, bater papo com desconhecidos e ser famoso pelo jeito desencanado de encarar a vida, anda estressado. Muito estressado. E, embora não seja difícil arriscar o porquê, o Laboratório de Pesquisa da Unicarioca resolveu sair às ruas para descobrir o que tem deixado os moradores do Rio com os nervos à flor da pele. Na cidade tomada por quase 110 frentes de obra, com o calor batendo recordes, e o transporte público cheio de problemas, não deu outra: entre os cinco principais motivos apontados, três deles estão relacionados às complicações do simples ato de ir e vir. Em primeiro lugar, aparece como grande vilão o transporte lotado ou sem ar-condicionado, considerado altamente estressante para 56% dos 762 entrevistados.
Depois, com 49%, foi citada a “demora excessiva em chegar em algum lugar no horário marcado (as ruas parecem que têm mais carros)”, nome comprido com que a Unicarioca batizou o onipresente engarrafamento. Em terceiro lugar, o carioca apontou a sensação de insegurança (40%) e, em quarto, as filas intermináveis(39%) — que vão desde aquelas para embarcar em ônibus, trens e barcas até as do banco ou dos restaurantes a quilo na hora do almoço. Por último, a corrupção foi mencionada por 37% dos entrevistados, que puderam citar mais de um transtorno.
Sem perder o bom humor
Na pesquisa, ficou claro que o estresse depende também do endereço. Para quem vive nas zonas Oeste e Norte e na Baixada, os engarrafamentos e o transporte sem ar — 81,3% da frota de 8.700 coletivos são de “quentões” — sempre aparecem como os principais fatores de desgaste diário. Não é para menos. A faxineira Marilza dos Santos Silva, moradora de Saracuruna, na Baixada, contava, na última sexta-feira, sua odisseia para chegar ao trabalho, na Zona Sul: quatro horas e meia sacolejando dentro de dois ônibus. Na volta, ela previa que gastaria o mesmo tempo. Estressada sim, mas sem perder o bom humor:
— Com esses engarrafamentos na Avenida Brasil por causa das obras, levo mais tempo para chegar ao emprego e voltar para casa do que trabalhando. Bem que o governo podia me dar também um salário pelo tempo perdido, né? — diz Marilza, que já desenvolveu uma técnica para aguentar a rotina puxada. — Chego em casa tão agitada que preciso me sentar no sofá e descansar, olhando para o nada, até voltar ao normal.
A síndrome pós-engarrafamento parece exagero? Especialista em transportes e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Renault Barbosa acha que não e evoca o sufoco que só quem já fez obra em casa conhece:
— A cidade é um grande canteiro. Quando você faz obra em casa, todo mundo fica estressado. Com a cidade é a mesma coisa. Só que o estresse é coletivo — diz ele, que enxerga ainda outros agravantes. — A administração municipal quer reduzir o número de carros no Centro, tirando vagas nas ruas. Aí, quem usava o carro passou a pegar o metrô, que já estava no seu limite. É uma cadeia de estresse.
Que o diga Silvana de Almeida, que costuma embarcar em Botafogo e saltar 13 estações depois, em Triagem. Na última quarta-feira, dois dias depois de o metrô bater o recorde histórico de passageiros, transportando mais de 803 mil pessoas, ela voltou para casa espremida no vagão. Para sair, só contando com a sorte:
— Tem vezes que sou empurrada, outras sou eu que empurro. Se não for assim, perco a estação. O metrô é o que mais me estressa na vida — diz Silvana, fotografada na surdina pelo GLOBO, já que a concessionária Metrô Rio, cuja assessoria de imprensa não quer se estressar, só permite reportagens em horários de menor movimento, nunca durante o rush.
A pesquisa identificou ainda que os moradores do Centro se incomodam, em primeiro lugar, com a falta de gentileza dos prestadores de serviço. Para essa turma, estresse é o garçom de cara feia, o balconista que não responde ao bom-dia. Já para quem vive na Zona Sul, é a corrupção que encabeça o ranking.
— Ficou claro que o estresse depende também da condição social das pessoas. Na Zona Sul, as pessoas não têm preocupação com o transporte. Ficam incomodadas com a corrupção, o flanelinha, o político que quer levar vantagem, com o cara que quer passar na frente na fila do mercado. O olhar é esse — diz Jalme Pereira, coordenador da pesquisa, que confessa que fica louco da vida com um item que ficou em 13º lugar no ranking: as portas giratórias dos bancos.
Foi uma delas que provocou um dia de fúria na atriz Solange Couto, que luta na Justiça para ser indenizada pela Caixa Econômica Federal.
— Eu tirei chaves, celular, moedas, e a porta não abria. Tentei cinco vezes até que o segurança falou para eu tirar a roupa. Fiquei de calcinha, mas na hora que ia tirar a blusa comecei a passar mal, tremer. Foi o maior estresse da minha vida — diz.
Solange teve que ser socorrida depois do episódio, mas é bom lembrar que também há estresses que vêm para o bem. Afinal, os preços abusivos de serviços e produtos, citados por 11% dos entrevistados pela Unicarioca, acabaram produzindo o verão do isoporzinho. Os adeptos só não podem esquecer do gelo: na pesquisa, teve gaiato que citou a cerveja quente como o maior motivo de estresse dos cariocas.
Plano é ter ônibus com ar em dois anos
O secretário municipal de Transportes, Carlos Roberto Osorio, garante que o inferno astral dos cariocas tem prazo para acabar: 2016. Quando as Olimpíadas chegarem, as obras que tanto tumultuam a cidade terão terminado. Além disso, garante ele, todos os ônibus estarão com ar-condicionado, como determinou a prefeitura. Osorio reconhece que não é à toa que o morador do Rio tem andado tão estressado:
— Estamos vivendo um momento de pico na questão viária. Tem um crescimento da frota sem precedente nos últimos anos e as restrições de tráfego por conta de quase 110 frentes de obras. Somam-se a isso o verão mais quente dos últimos mil anos, o fechamento do mergulhão, a derrubada da Perimetral, as obras na Grande Tijuca para evitar alagamentos, as dos BRTs, fora as obras ocasionais da Cedae, tudo isso gera muito estresse mesmo — diz Osorio, que não enfrenta, no dia a dia, muitos engarrafamentos. Morador de Ipanema, ele bate ponto na secretaria, que fica em Botafogo.
Enquanto a melhora não vem, Osorio sugere que o carioca pense no futuro:
— Se ele pensar que daqui a pouco vai ter uma cidade melhor, ficará menos estressado.
Outra solução é, enquanto nada acontece, seguir as dicas do psicólogo Lúcio Emannuel Novais, diretor da Associação Brasileira do Stress. Ele sugere que relaxar, se acalmar, respirar fundo e pensar em alguma coisa agradável, anteriormente planejada, podem ser ferramentas importantes para não surtar. Ninguém precisa virar monge budista para se ver livre do problema, mas fazer atividades físicas, uma boa faxina ou caminhada e ter hobbies, como jardinagem, podem também ajudar a aliviar a tensão causada pelo dia a dia estafante.
Ele lembra que o estresse tem várias fases e que os sintomas físicos são variados. São comuns problemas de pele, dor no estômago, perda de memória e aftas. Nos casos mais graves, é possível até ter desmaios, tontura e depressão.
Fonte: O Globo, 23/02/2014