Descarrilou o plano do Palácio do Planalto de construir 10 mil quilômetros de ferrovias em cinco anos.
Lançado em agosto de 2012 com a ousada meta de fazer 12 novas ligações ferroviárias integrando praticamente todo o país, ao custo estimado de R$ 91 bilhões, o plano não terá nem sequer uma obra de ferrovia iniciada até o fim do governo da presidente Dilma Rousseff.
Havia apenas uma ferrovia com chance de ser concedida neste ano, entre Mato Grosso e Goiás.
Mas uma disputa empresarial entre gigantes da soja e da construção civil deve emperrar o negócio.
O plano de concessão de ferrovias previa um novo sistema, em que a vencedora era remunerada pela obra e pelo serviço prestado.
Caso a quantidade de clientes fosse insuficiente para pagar essas despesas, o governo compensaria.
Por outro lado, se houvesse muitos clientes, o governo ficaria com o excedente.
As grandes construtoras do país não gostaram do modelo porque, na prática, elas deixariam de ser concessionárias e voltariam a ser apenas construtoras.
O governo tirou delas o risco de perder dinheiro, mas também de ganhar, caso o negócio desse certo.
Por esse motivo, na visão de um conhecedor do mercado, as ferrovias acabaram ficando sem “padrinho” para ajudá-las a vencer a burocracia estatal.
INTERESSE
No pacote do governo, havia um trecho ferroviário que gerou interesse inicial do mercado: a via que ligava Lucas do Rio Verde (MT) a Uruaçu (GO), onde a ferrovia nova se encontraria com a Norte-Sul.
Pelo menos três grandes grupos privados começaram a analisar as possibilidades do trecho.
O governo, que não fez um estudo aprofundado sobre essa ferrovia, imaginava que ela seria um caminho mais rápido e barato para escoar a gigantesca produção de soja de Mato Grosso que hoje desce mais de 2.000 quilômetros de caminhão até os portos do Sul e do Sudeste, elevando os custos de exportação.
Mas as grandes companhias vendedoras de soja do país (Bunge, Cargill, Amaggi e Dreyfus) se aliaram à companhia de logística EDPL (Estação da Luz Participações) para um estudo próprio, iniciado em 2013, que concluiu que essa ferrovia não trazia melhora significativa aos custos de transporte.
O grupo passou então a estudar uma alternativa também ferroviária: levar a soja de Mato Grosso direto para o Pará e, de lá, por via marítima, até a Ásia e a Europa.
Segundo o estudo encomendado, essa solução reduziria os custos em mais de 30% e teria potencial, aliada a outras ferrovias, para levar quase toda a soja produzida na região por trem.
RODOVIA
Antes que o grupo pudesse apresentar a solução ao governo, o Ministério dos Transportes anunciou, em janeiro deste ano, a abertura de estudos para duplicar quatro novas rodovias, entre elas a estrada que vai de Mato Grosso ao Pará, a BR-163.
Até 2013, nenhum desses trechos era cogitado pelos órgãos técnicos do governo como passíveis de concessão.
Três deles são complementações de estradas concedidas, no ano passado, para os grupos Odebrecht e Triunfo. Caso os novos trechos venham a ser duplicados, a rentabilidade das concessões existentes será melhorada.
Após o anúncio do governo, as vendedoras de soja decidiram contra-atacar e pediram oficialmente ao Ministério dos Transportes que estudasse a possibilidade de construção da ferrovia no local onde se pretende duplicar a BR-163 no Pará.
Os estudos para rodovia e ferrovia serão feitos, mas dificilmente se encontrará viabilidade para as duas construções ao mesmo tempo.
Para um interlocutor do governo, como o projeto original de criar um sistema logístico nacional foi perdido com o fracasso do programa, vão restar brigas por trechos mais lucrativos, como a que está ocorrendo pelo caminho da soja para o Pará.
OUTRO LADO
O Ministério dos Transportes informou à Folha que o governo está “ultimando aspectos fundamentais” para a concessão da ferrovia entre Mato Grosso e Goiás.
Entre esses aspectos estariam fatores como regras de financiamento e garantias.
Mas, de acordo com o ministério, a concessão só será feita “com a sinalização de que haverá concorrência nessa licitação”.
Em relação aos outros projetos de ferrovias lançados em 2012, o governo disse que vai reestudar todos.
Qualquer empresa agora poderá fazer esse trabalho que antes foi realizado pela Vale em 2012 e 2013.
Em relação aos novos trechos rodoviários em estudo, o ministério informa que tomou a decisão “incentivado pelo sucesso dos leilões de concessão rodoviária em 2013 (…) e considerando o interesse dos potenciais concessionários pela continuidade do processo”. Só para a BR-163, dois trechos foram concedidos no ano passado, um em Mato Grosso e outro em Mato Grosso do Sul, em disputas vencidas por Odebrecht e CCR, respectivamente.
De acordo com o Ministério dos Transportes, os projetos de rodovia têm elevado impacto sobre a logística nacional e, no caso da BR-163 (PA), existe “a necessidade
de duplicação tempestiva da rodovia em prazo relativamente curto, sob pena de saturação”.
Fonte:Folha de S. Paulo
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