O estudo encomendado pelos fundos de pensão ao banco Brasil Plural concluiu que os acionistas da América Latina Logística S.A. (ALL) deveriam ter 70% – e não 63,5% – da companhia resultante de uma possível união com a Rumo Logística Operadora Multimodal S.A.. “A avaliação mostrou que a relação justa é 70 para 30”, disse ao Valor fonte que trabalha em uma das entidades de previdência complementar afetadas pela proposta de incorporação feita em 24 de fevereiro deste ano.
Na ocasião, a Rumo, do grupo sucroalcooleiro Cosan, propôs formalmente incorporar a ALL, holding de um grupo cujo principal negócio é a exploração de ferrovias sob concessão. Segundo os fatos relevantes divulgados por ambas na data, os acionistas da ALL, entre eles grandes fundos de pensão patrocinados por empresas estatais, teriam 63,5% da companhia resultante da operação. Os acionistas da Rumo, entre eles Cosan e Gavea Investimentos, teriam 36,5%. O preço de referência adotado foi R$ 6,958 bilhões para a ALL ser incorporada e R$ 4 bilhões para a controlada da Cosan (a incorporadora).
Mas segundo uma outra fonte ouvida pelo Valor, a Brasil Plural recomendou a operação de fusão, no entanto com ajustes nos seus termos. Procurado, o banco não se pronunciou sobre o seu parecer a Previ, Funcef e BRZ nem sobre a recomendação do negócio.
Previamente negociada com outros acionistas do bloco de controle da ALL (Wilson Delara, Riccardo Arduini e BNDES), a proposta desagradou a Previ, dos empregados do Banco do Brasil, a Funcef, dos funcionários da Caixa Econômica Federal, e ainda fundos de pensão menores que estão no capital da empresa por meio do BRZ ALL, um fundo de investimento em participações (FIP).
As três entidades, que também estão no bloco de controle da ALL, contrataram então o Brasil Plural para fazer outra avaliação, estudo que confirmou uma relação mais favorável a elas, informou a fonte ouvida pelo Valor.
Conforme disse, na defesa dos termos de incorporação divulgados nos fatos relevantes de fevereiro, uma avaliação até pior que esta última chegou a ser apresentada aos fundos de pensão pelos controladores da ALL que negociaram a proposta com o empresário Rubens Ometto, da Cosan/Rumo. Nesse outro estudo, os acionistas da ALL teriam direito a 62% da nova companhia e os da Rumo a 38%. No entendimento da fonte, no processo de avaliação do negócio houve supervalorização da Rumo em detrimento da ALL.
A Rumo tinha dado inicialmente 40 dias para que o conselho de administração da ALL se manifestasse sobre a proposta do dia 24 de fevereiro, prazo que terminaria dia 5 de abril. Anteontem, grupo Cosan adiou o fim do prazo para 15 de abril.
Pelo menos um dos dois fundos de pensão (Previ e Funcef) tem de aprovar a incorporação para que o processo siga adiante. O acordo de acionistas existente na ALL exige que o negócio seja aprovado previamente pela maioria dos sócios que compõem o bloco de controle. A operação precisa de aceitação dos sócios que detêm no mínimo 75% das ações vinculadas ao acordo de acionistas, que não necessariamente representam o total detido por cada um no capital da ALL.
Juntos Previ (6%), Funcef (5,7%) e a gestora de recursos BRZ ALL (18,6%) têm mais de 30% das ações vinculadas ao acordo de controle. Dos demais integrantes, a BNDESPar S.A., do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), tem 16,6%,e a Judori Administração, Empreendimentos e Participações S.A., 23,7% do mesmo conjunto de ações. Também estão no bloco de controle, como acionistas pessoas físicas, Riccardo Arduini e Wilson Ferro de Lara, respectivamente com 7,7% e 21,6% das ações vinculadas ao acordo vigente.
Mesmo que o BNDES siga a tendência manifestada nas negociações e apoie os termos propostos dia 24 de fevereiro, portanto, sem pelo menos um dos fundos de previdência complementar a incorporação não sai.
Câmara dos Deputados quer ouvir envolvidos
A Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados aprovou, na manhã de ontem, um requerimento para que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) instaure processo administrativo para investigar o contrato que a Rumo, empresa do grupo Cosan, detém para o transporte de açúcar na ferrovia da América Latina Logística (ALL).
A comissão ainda deu aval para a realização de uma audiência pública na Câmara para ouvir representantes da ALL, da Rumo e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) sobre o assunto.
O requerimento foi apresentado pelo deputado Moreira Mendes (PSD-RO) e teve apoio de todos os presentes na comissão, com exceção do deputado Onix Lorenzoni (DEM-RS). O fato de uma comissão da Câmara aprovar o texto pode obrigar o órgão antitruste a abrir processo sobre o contrato. Isso porque a Lei Antitruste (nº 12.529) determina a instauração imediata de investigação a partir de pedidos formalizados pela Câmara ou pelo Senado. O parágrafo 6º do artigo 66 da Lei que rege a atuação do Cade diz o seguinte: “A representação de Comissão do Congresso Nacional, ou de qualquer de suas Casas, bem como da Secretaria de Acompanhamento Econômico, das agências reguladoras e da Procuradoria Federal junto ao Cade, independe de procedimento preparatório, instaurando-se desde logo o inquérito administrativo ou processo administrativo”.
Em nota ao Valor, a Rumo informou que “desconhece a deliberação da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados e reitera que os seus contratos com a ALL são lícitos e estão de acordo com as normas anticoncorrenciais, sendo este o julgamento anteriormente proferido pelo Cade, bem como sendo esta a reiterada posição da ANTT. A Rumo enfatiza que é fiel seguidora de todas as melhores práticas de compliance e da legislação como um todo”.
O órgão antitruste abriu inquérito, em dezembro, para apurar as denúncias de que empresas de diversos setores não estão conseguindo escoar a produção através da ferrovia da ALL por causa do contrato que dá primazia à Rumo. Apesar de iniciar um inquérito, a Superintendência-Geral do Cade ainda não tomou o próximo passo defendido pelas empresas que se queixaram da ferrovia que seria justamente a abertura de processo administrativo. Sem um processo administrativo, não há chances de o caso ser encaminhado ao Tribunal do Cade para julgamento. Agora, a Comissão de Agricultura vai formalizar no Cade o requerimento para a abertura desse processo.
O pedido de realização de audiência na Câmara foi feito pelo deputado Fernando Lúcio Giacobo (PR-PR). Ainda não há data para a convocação das empresas. O inquérito no Cade foi aberto a pedido da TCA, que atua em logística de açúcar. A Fibria, de celulose, e outras entidades do setor também aderiram ao processo.
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2014