Se já estava difícil tirar do papel a ferrovia Transnordestina, devido aos problemas técnicos e financeiros do projeto, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), dona da obra, enfrenta agora disputas de preços para transporte de carga que ocorrerá só quando a estrada de ferro estiver operando. Um conflito entre a TLSA, subsidiária da CSN, e a Bemisa, mineradora controlada pelo grupo Opportunity, acabou submetido a um processo de arbitragem pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que teve de impor as tarifas que serão praticadas no transporte do minério.
Primeira cliente da Transnordestina, com memorando de entendimentos firmado em 2011, a Bemisa é detentora de importantes jazidas minerais no Nordeste, sobretudo no Piauí. Um projeto batizado de Planalto Piauí prevê a produção anual de 15 milhões de toneladas de minério de ferro a partir de 2017, mas depende da ferrovia para se viabilizar.
Conforme apurou o Valor PRO, serviço em tempo real do Valor, as empresas vinham negociando o transporte por um modelo conhecido como de “serviço exclusivo”, pelo qual a mineradora providencia os trens (compra ou aluga), carrega os composições e entrega tudo à concessionária, que assume a responsabilidade pelo licenciamento (liberar partidas e paradas), abastecimento e condução.
Como não houve acordo sobre valores, a ANTT teve de entrar em cena, o que aconteceu há nove meses. O resultado da arbitragem saiu na semana passada, quando a agência reguladora determinou uma tarifa de R$ 30,62 por tonelada métrica de minério para o caso de a Bemisa optar pela modalidade de serviço exclusivo. Se dentro deste pacote a mineradora quiser terceirizar a manutenção dos trens à TLSA, o valor sobe para R$ 33,26.
Entre as possibilidades colocadas pela ANTT há ainda uma terceira, menos provável, que é a contratação integral do serviço de transporte, no qual a concessionária ficaria responsável por toda a movimentação do minério. Para este caso, a ANTT determinou a tarifa de R$ 35,91.
Mas há outra opção. De acordo com a ANTT, a Bemisa também pode optar pelo modelo, ainda inédito no Brasil, de Operador Ferroviário Independente (OFI), pelo qual o usuário compra capacidade ociosa da ferrovia e utiliza os trilhos de forma independente. Tal formato é bem semelhante ao que está previsto no Programa de Investimentos em Logística (PIL) do governo federal, que no modal ferroviário ainda não deslanchou.
Durante a arbitragem, não foi possível determinar a tarifa no modelo OFI. Isso porque a aquisição de capacidade ociosa da ferrovia não é feita diretamente com a TLSA, mas por intermédio da estatal federal Valec, que ainda não negociou essas bases com a Transnordestina. Pela modalidade OFI, a tarifa final será a soma da capacidade comprada com uma taxa pelo desgaste da ferrovia.
Procuradas, as empresas não se manifestaram. A CSN vem mantendo silêncio sepulcral sobre a ferrovia, se recusando a fornecer qualquer informação. O prazo para recurso à decisão da ANTT é 15 de agosto. A Bemisa tem 90 dias para escolher entre as três opções.
O superintendente da ANTT para transporte ferroviário de cargas, Jean Mafra, disse que se as duas partes ficarem insatisfeitas, é sinal de que a arbitragem foi bem conduzida. “O arbitramento é um instrumento da ANTT para dirimir o conflito. O órgão deseja que não seja necessário, mas, se chegar a este ponto, somos nós que vamos definir a tarifa e isso exige uma imersão nos aspectos técnicos das duas operações”, explicou.
Apesar do impasse, a negociação em torno das tarifas é o menor dos problemas da Transnordestina, cujas obras seguem paralisadas. Revelado no mês passado pelo Valor, um documento interno da CSN aponta diversos problemas, desde orçamentários até de engenharia, que colocam em xeque a execução do projeto. A situação vem preocupando o governo e empresários interessados na ferrovia.
A TLSA vinha negociando com empreiteiros a contratação das obras do trecho cearense da estrada de ferro, mas interrompeu as negociações. Isso, aliado aos demais problemas, alimentou informações de que a CSN estaria interessada em vender o controle da TLSA. Segundo fontes, a própria Bemisa estaria interessada na aquisição, que lhe possibilitaria verticalizar seu negócio. A empresa nega a existência de qualquer tratativa neste sentido.
Criticado pela CSN pela lentidão nos repasses para a obra, o governo federal também está sem muita paciência com a CSN. No último dia 11, o Ministério da Fazenda autorizou um aditivo de R$ 1,2 bilhão no projeto, recurso que será repassado por meio do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE), principal financiador da Transnordestina. A TLSA está em vias de sacar R$ 800 milhões em uma operação com o Banco do Nordeste.
Orçada inicialmente em R$ 4,5 bilhões, a ferrovia está orçada hoje em pouco mais de R$ 7,5 bilhões, mas empreiteiros consultados pela CSN têm dito que o projeto não sai por menos de R$ 11 bilhões. O superintendente da ANTT explica que qualquer reajuste será bancado pela própria TLSA, por meio da venda de capacidade na ferrovia.
Mafra explica que isso está previsto no contrato de concessão assinado somente em janeiro último, mais de oito anos após a obra ser anunciada. Uma fonte no governo explica que antes do contrato a empresa tinha o direito de construir a ferrovia, mas que agora tem a obrigação de entregar os trechos dentro do cronograma acordado. “Agora não podem mais sentar em cima”, disse a fonte.
Fonte: Valor Econômico, 25/07/2014
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