TCU vê déficit e passivos em estatal

Uma fiscalização recém-concluída pelo Tribunal de Contas da União (TCU) na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), responsável pela operação dos sistemas de transportes sobre trilhos em cinco capitais do país, revela um quadro desalentador na estatal. Ela só consegue manter suas atividades graças ao aporte de subsídios massivos do Tesouro Nacional, investe menos do que o previsto na manutenção da rede, não consegue oferecer um padrão mínimo de conforto aos seus passageiros e convive com um passivo judicial explosivo.

A CBTU, vinculada ao Ministério das Cidades, administra hoje uma rede de metrôs e trens que soma 218 quilômetros de extensão. Todos os dias são transportados 588 mil passageiros. Quase 98% circula nos metrôs de Belo Horizonte e do Recife. O restante usa as malhas de Natal, João Pessoa e Maceió. O relatório do tribunal de contas identificou que, para gerir todo esse sistema, há uma “crescente dependência de subvenções” do Tesouro. Seus custos – incluindo os administrativos – equivalem a 275% das receitas operacionais. A conta fica absolutamente impossível de fechar.

Entre 2009 e 2012, conforme levantamento do TCU, a União transferiu R$ 2,1 bilhões para o caixa da estatal. Menos de 20%, porém, foi direcionado para investimentos. A maior parte dos recursos serviu unicamente para cobrir o déficit operacional da CBTU. Diante de tal diagnóstico, o órgão de controle levanta preocupações com a “obsolescência do material rodante” e a “degradação acentuada das condições da via permanente”. Há locomotivas com mais 50 anos de uso.

Nem mesmo em Recife e em Belo Horizonte, onde o estado de deterioração é menos avançado, a situação pode ser considerada satisfatória. A própria CBTU, segundo o relatório do tribunal, trabalha com um índice máximo de seis passageiros por metro quadrado como referência para garantir “padrão mínimo” de conforto ao usuário. Na capital mineira, são 9,1 passageiros por m² nos horários de pico. Na Linha Centro de Recife, essa relação chega a 11,7 passageiros por m².

Os sistemas de Natal, João Pessoa e Maceió operam “em grau bastante inferior” de pontualidade e regularidade. Sem recursos suficientes para modernização, essas malhas acumulam problemas operacionais e têm intervalos máximos entre as viagens de até 230 minutos (quase quatro horas), o que o TCU qualifica como “incompatível com a prestação de serviços de transporte público regular e adequada”.

A CBTU nasceu como um braço da extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA), em 1984, e transferiu para Estados e municípios boa parte de sua malha. Os últimos trechos descentralizados, na década passada, foram os de Fortaleza e Salvador. De acordo com o levantamento do tribunal de contas, a estatal tinha um passivo judicial de R$ 792 milhões em 2013.

Suas dívidas com a Refer, o fundo de previdência dos funcionários da RFFSA, também são fonte de transtornos. Sem uma solução definitiva para esse problema, a 28ª Vara Cível do Rio de Janeiro determinou, desde 2010, a penhora de 12% da receita líquida dos serviços de transporte para o pagamento à Refer. O total penhora já atinge R$ 58 milhões.

“O gerenciamento do contencioso judicial da CBTU é bastante complexo”, diz o relatório. Eram 6.891 ações em andamento em maio do ano passado, incluindo três centenas de processos iniciados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por suposto não pagamento de contribuições previdenciárias. Também havia duas ações – cada uma no valor de aproximadamente R$ 100 milhões – de empreiteiras que cobravam pagamentos associados à construção do metrô de Recife.

Como a estatal contava com um quadro permanente de apenas 13 advogados, um escritório jurídico foi contratado em junho de 2013. O contrato previa a defesa da CBTU até o limite de oito mil causas. Um mês depois de assinado o documento, porém, ela já constava como parte em nada menos do que 7.744 processos – o que levou o tribunal de contas a vaticinar sobre a possibilidade de a empresa recorrer “prematuramente” a um aditivo contratual.

Com tantos passivos e um custo administrativo elevado, a estrutura tarifária não é apontada como única vilã nas contas da CBTU, mas o relatório também se dedica a esse ponto. A tarifa “social” em Natal, João Pessoal e Maceió não tem reajustes há mais de uma década. Em Belo Horizonte, o último aumento ocorreu em 2006. Em Recife, a estatal só embolsa efetivamente 42% do valor cobrado por passageiro, já que boa parte dos usuários goza de gratuidade ou entre no metrô pelo sistema integrado de transportes. O levantamento do TCU identificou a existência de seis pedidos formais de reajustes – sem sucesso – encaminhados pela diretoria da empresa ao Ministério da Fazenda.

Procurada na sexta-feira à tarde, a CBTU não respondeu aos contatos feitos pela reportagem, por telefone e e-mail. O Ministério das Cidades informou não ter sido comunicado oficialmente pelo TCU e preferiu não se manifestar.

Valor Econômico, 18/08/2014

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