Fim da eleição acelera novos marcos regulatórios e reaviva concessões

A campanha eleitoral praticamente congelou o desenho final de novos marcos regulatórios lançados pela presidente Dilma Rousseff desde 2013. Do código de mineração ao regime de exploração de novos aeroportos, mudanças de regras ficaram no meio do caminho, deixando investidores à espera de decisões cruciais para seus negócios. Agora, com o fim da corrida presidencial, a expectativa dos empresários é que essas alterações sejam finalmente encaminhadas.

Faltam ainda definições cruciais para tirar do papel, após sucessivas promessas, os primeiros leilões de ferrovias e terminais portuários. Com o término das eleições, a aposta é que haja avanços nos próximos meses.

No Congresso Nacional, há dois assuntos para serem destravados imediatamente. Um deles é a proposta do novo código de mineração, lançada pelo governo em junho de 2013, mas andando de lado desde então. O relatório do deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), que foi reeleito, contraria pontos essenciais da versão original do texto. Por isso, nunca foi votada na comissão especial formada para tratar do assunto e não pôde seguir para o plenário da Câmara dos Deputados. O novo governo terá que decidir se endossa as mudanças feitas por Quintão ou se busca outro caminho, como uma medida provisória, para acelerar a reforma do marco regulatório.

Ao contrário do que propunha o projeto elaborado por Dilma, o relator defende a definição das novas alíquotas de royalties da mineração na própria lei. Também contraria o governo ao preservar as funções das empresas de pesquisa mineral, que teriam papel bastante reduzido no novo marco. Na costura de bastidores, o texto de Quintão recebeu sinal verde de governadores e prefeitos de localidades produtoras, mas ainda há empresas que pedem mais discussão sobre o assunto.

No Senado, o projeto que altera a Lei de Licitações (8.666/93) também aguarda uma definição, embora já tenha relatório pronto – de autoria da senadora reeleita Kátia Abreu (PMDB-TO). Diante da polêmica em torno da mudança, o Palácio do Planalto trabalhou para que o plenário não o votasse durante a campanha eleitoral.

Uma das discussões colocadas na geladeira desde as vésperas da Copa do Mundo, pegando embalo na corrida presidencial, foi a medida provisória, em estágio adiantado de elaboração, que autoriza a construção de novos aeroportos pelo setor privado.

A MP, que já tem um rascunho pronto desde o fim de maio, viabilizaria o projeto do Novo Aeroporto de São Paulo (Nasp), no município de Caieiras, desenvolvido pela Camargo Corrêa e pela Andrade Gutierrez. Hoje, terminais construídos pela iniciativa privada só podem servir a aviação executiva, sem receber voos de companhias aéreas. Consórcios que arremataram grandes aeroportos nos leilões promovidos pelo governo, comprometendo-se a pagar bilhões de reais em outorgas, afirmam que uma eventual mudança do marco regulatório pode criar condições desiguais de concorrência.

O fim das eleições também deve reavivar as concessões de infraestrutura logística lançadas por Dilma em 2012. Nenhum dos projetos de ferrovias, que somavam dez mil quilômetros de novas linhas, foi leiloado até agora.

Os empresários nunca se convenceram de que a estatal Valec, responsável por garantir a compra da carga ao longo de toda a vigência da concessão, é suficientemente confiável para um contrato com 35 anos de prazo. Para minimizar os riscos, o governo deve tomar novas medidas que garantam a presença de empresas no leilão da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), o primeiro trecho a ser licitado.

As licitações de terminais em portos públicos, começando por Santos e pelo Pará, emperraram no Tribunal de Contas da União (TCU). Reservadamente, o governo avalia que, mais do que por objeções técnicas, o órgão de controle tem segurado os leilões por questões políticas e deve liberá-los.

Cautela nas indicações às agências reguladoras

Reeleita, a presidente Dilma Rousseff vai indicar 16 novos nomes para as agências reguladoras e metade dos cargos de direção do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) entre o fim deste ano e o decorrer do próximo. Esse exército de indicações – 20 num espaço inferior a um ano – vai moldar a relação entre os principais agentes do setor privado e os órgãos reguladores.

Na prática, são os diretores das agências que tomam as principais decisões que definem o destino de negócios nos setores mais importantes da economia. A importância das indicações será maior na Anatel (Telecomunicações), Anac (Aviação Civil) e na ANTT (Transportes Terrestres). Nesses órgãos, a presidente terá condições de compor uma nova maioria de diretores que, no curto prazo, vão regular a atuação de empresas e fiscalizar a execução de projetos importantes do setor de infraestrutura que tiveram início em seu governo.

A ANTT tem que definir o marco regulatório para os futuros leilões de ferrovias. A Anac terá que fiscalizar a execução dos contratos de concessão de aeroportos. A Anatel cuidará da nova fase do programa de massificação de internet.

No Cade, as indicações a serem feitas pela presidente poderão fazer a diferença no julgamento de grandes negócios, como a fusão entre a Holcim e a Lafarge, e no julgamento de investigações de condutas anticompetitivas de empresas, como o cartel do metrô em São Paulo e as denúncias de que empresas fizeram acordos prévios às licitações da Petrobras.

Dilma também vai indicar dois dos cinco diretores da ANP (Petróleo), em maio de 2015, além de um dos integrantes da ANA (Águas), ANS (Saúde), Anvisa (Vigilância Sanitária) e da Ancine (Cinema e Audiovisual). Das agências, apenas a Aneel (Energia Elétrica) e a Antaq (Transportes Aquaviários) estão distantes de mudanças no curto prazo, pois só vão passar por trocas de diretores a partir de 2016.

Todos os indicados terão que passar por sabatina no Senado e aprovação pelo plenário daquela Casa. O desafio de Dilma será o de compor as diretorias das agências e do Cade com quadros técnicos. Mas, segundo interlocutores que atuam nas agências, apesar de o discurso do governo ser o de indicações técnicas, os critérios políticos têm prevalecido e as diretorias seguem à risca as diretrizes do atual governo. Elas são influenciadas pelos ministérios que atuam diretamente nos setores regulados e pelos partidos aliados do governo no Congresso.

No início de seu governo, Dilma obteve prestígio ao exigir perfil técnico e experiência profissional dos nomes indicados para chefiar os órgãos reguladores. Porém, a aparente qualidade na escolha de diretores perdeu a credibilidade inicial a partir da percepção pelas empresas de que os técnicos escolhidos se tornaram inteiramente susceptíveis às imposições feitas pelo comando do governo e pela própria presidente.

O caso mais emblemático de agência que teve prejudicada sua autonomia durante o governo Dilma foi o da Aneel, durante o processo de renovação antecipada dos contratos de concessão pela Medida Provisória 579, de 2012. A iniciativa, que permitiu o corte de 20% das tarifas de luz, foi tomada com amparo de laudos das áreas técnicas da agência sem aprovação prévia da diretoria colegiada, apenas com o aval de diretores ligados ao Ministério de Minas e Energia e à presidente. Além disso, a atuação da Agência Nacional de Águas na crise hídrica de São Paulo, durante a campanha eleitoral, com o engajamento e o envolvimento do diretor-geral, desmoralizou a tese.

Ao longo do primeiro mandato, Dilma sofreu um duro golpe ao ter rejeitada a recondução de Bernardo Figueiredo ao cargo de diretor-geral da ANTT. O transtorno ocorreu em momento de rebelião da base aliada do governo no Congresso. Figueiredo era considerado um técnico de confiança da presidente. Ele já havia sido aprovado em sabatina nas comissões temáticas do Senado, mas foi rejeitado em votação no plenário daquela Casa.

A presidente teve dificuldades para montar a equipe de comando da ANTT com nomes de sua confiança. A autarquia integra a área do governo que ganhou destaque no noticiário nacional com a “faxina ética”, deflagrada no início do primeiro mandato, que levou a demissões no Ministério dos Transportes e no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).

Diante do impasse na área, após as demissões de integrantes do partido da base aliada, o PR, a ANTT não conseguiu repor o seu quadrado de diretores. A situação crônica levou a diretoria da autarquia a dispor atualmente de um cargo vago e três cadeiras ocupadas em caráter interino.

Fonte: Valor Econômico, 27/10/2014

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