BRASÍLIA – Em tempos de ajuste fiscal, o governo vem mantendo entre suas prioridades os investimentos na Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), um projeto de R$ 4,2 bilhões cujo uso efetivo até o momento é um grande ponto de interrogação. Quando concluída, em meados do próximo ano, a linha deverá ligar uma empresa de mineração com sérios problemas financeiros, a Bahia Mineração (Bamin), a um porto ainda cheio de indefinições.
O traçado da Fiol corta o estado da Bahia. A ferrovia partirá, em um primeiro momento, de Caetité (BA), onde há uma grande jazida de minério de ferro de alto teor, mas o preço da commodity despencou nos últimos anos e acentuou a crise na Bamin, que já era crítica por problemas financeiros de sua controladora estrangeira, a Eurasian Natural Resources Corporation (ENRC), uma multinacional do Cazaquistão. Apesar da recuperação do minério nas últimas semanas, a capacidade de extração da Bamin está em xeque na visão de representantes dos governos federal e estadual.
Embora a reserva com capacidade de extração de mais de 20 milhões de toneladas ao ano não seja afetada, a situação da Bamin inspira preocupações quanto a seu ritmo de atividade. A criação da Ferrovia Oeste-Leste remonta a 2008 e ela foi classificada como uma prioridade no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Na outra ponta, em Ilhéus, a ferrovia chegará a um porto que ainda não tem prazo para entrar em operação. Dois novos terminais já foram aprovados pelo governo para serem construídos. Um da própria Bamin, orçado em R$ 898 milhões, e outro, do governo da Bahia, o Porto Sul, de R$ 2,4 bilhões.
GOVERNO BAIANO FARÁ SOCIEDADE EM PORTO
A insegurança em relação à capacidade da mineradora de tocar sozinha a obra levou o governo baiano a deixar de lado, por ora, o projeto do Porto Sul e a propor uma sociedade à Bamin para a construção do terminal por ela planejado, adaptando-o também a receber contêineres, como ocorreria no porto do governo.
Nesse novo projeto, segundo Eracy Lafuente Pereira, coordenador de acompanhamento de políticas de infraestrutura da Casa Civil do governo da Bahia, haverá uma unificação de esforços e “maximização” do uso do porto, evitando desperdícios e, de olho na demanda imediata da Bamin, abrindo espaço para outras mineradoras ou outras cargas.
— Se eu não segrego mais (ou seja, se não há construção de dois portos), consigo fazer um desenho com menor impacto financeiro e impacto ambiental. Ao maximizar, estou diminuindo o custo, mas mantendo em uma primeira fase um bom terminal de minério de ferro. E estamos pensando já em um novo conceito de berço para granéis agrícolas. Você mantém funcionalidade com custo menor — disse Pereira.
USO DO CORREDOR LOGÍSTICO SÓ EM 2017
A Bamin tem vizinhos mineradores na região de Caetité com capacidade inferior à da empresa, mas que poderiam também adquirir espaço na ferrovia e no porto, avalia o governo local. Também os produtores agropecuários do interior do estado poderiam comprar serviços do canal de exportação. Mesmo com a busca de novos clientes e com uma economia de escala na construção dos portos, resolver a equação dos investimentos de pelo menos R$ 1,7 bilhão em Ilhéus “está muito complicado”, segundo uma fonte que acompanha as negociações.
Na prática, os projetos portuários em Ilhéus encolheriam em até R$ 1 bilhão, deixando o restante para ser investido em ampliações futuras. Nesse impasse com relação ao porto, as obras na ferrovia começam a “apertar a embreagem, antes de pisar no freio”, segundo fonte a par das obras da Ferrovia Oeste-Leste.
O número de trabalhadores no trecho de Caetité a Ilhéus já caiu de 5.233 em fevereiro para 4.099 em março. No governo federal, há quem veja, apesar do esforço fiscal, o uso operacional de todo o corredor logístico envolvendo portos e ferrovias só em 2017.
No início deste ano, segundo dados da Valec, a estatal responsável pelas ferrovias do país, os pagamentos para a obra de 537 quilômetros vêm avançando no mesmo ritmo da sua evolução física, que saiu de 60% em dezembro e chegou a 64,3% em março. A ferrovia está sendo tocada por um conjunto de construtores. Os empreendedores dos lotes, porém, estão apreensivos em relação ao uso da ferrovia e, por consequência, os pagamentos feitos pelo governo.
INDÚSTRIA BAIANA VÊ OPÇÃO DE DESENVOLVIMENTO
Segundo Marcos Galindo, coordenador do Conselho de Infraestrutura da Federação das Indústrias da Bahia (Fieb), todo o empresariado do estado também está sob apreensão, em função de a expectativa gerada com a ferrovia e com o Porto Sul ter sido muito grande.
— O porto não é somente porto. É uma proposta de desenvolvimento para toda aquela região do estado. É importante essa descentralização do desenvolvimento econômico, porque hoje 40% da atividade econômica do estado estão na Região Metropolitana de Salvador — explica Galindo.
E, embora tenham as licenças concedidas pelo Ibama, os projetos de mineração, ferrovia e portos na Bahia vêm sendo alvo de críticas de organizações não-governamentais e do Ministério Público por conta do impacto ambiental dessas obras gigantescas, que, na faixa litorânea, afetam áreas da Mata Atlântica. Somente no ano passado, procuradores federais e estaduais da Bahia ajuizaram quatro ações civis públicas contra a construção do Porto Sul, questionando os estudos de impacto ambiental que embasaram a emissão da licença pelo Ibama. Segundo um grupo de ONGs, a região que pode ser mais afetada está na Área de Proteção Ambiental da Lagoa Encantada.
PARA PLANEJAMENTO, RELEVÂNCIA ESTRATÉGICA
De acordo com o Ministério do Planejamento, a construção da Ferrovia Oeste-Leste está em andamento e é de relevância estratégica para a logística do país, pois consolida um corredor de exportação/importação e amplia o desenvolvimento econômico do estado da Bahia, de toda a região Nordeste e de parte da região Centro-Oeste.
“É uma obra prioritária e por isso integra a carteira de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e, mesmo com o cenário do ajuste fiscal, o governo federal tomará todas as medidas cabíveis para a manutenção do ritmo e cronograma das obras e coordenará sua execução juntamente com as obras do Porto Sul”, afirmou, em nota.
No PAC, o governo prevê conectar a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) até a ferrovia Norte-Sul, no Tocantins, transformando-a também em uma rota de saída para o Atlântico de produtos agropecuários, que demandariam um porto para levar essa carga ao exterior.
Outro trecho da ferrovia em construção, de 485 km e apenas 7,3% concluídos, que estende os trilhos até Barreiras (BA), também faz parte do custo total de R$ 4,2 bilhões da Fiol. Esse trecho menos avançado da obra já registrou uma desaceleração maior no ritmo de trabalho em março, com queda no número de trabalhadores de 2.187 em fevereiro, para 1.827. A meta oficial é entregar o trecho até Barreiras em setembro de 2016.
Procurada, a Bamin informou que não vai se manifestar por ora sobre o assunto. O presidente da empresa, José Francisco Martins de Viveiros, deixou o cargo na quinta-feira passada, e um novo gestor deverá ser nomeado hoje, a partir de quando a empresa poderá se manifestar, segundo sua assessoria de comunicação.
Procurado pelo GLOBO, o Ministério dos Transportes não se pronunciou.
Fonte: O Globo, 04/05/2015
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