Contratado pelo Banco Mundial para analisar o pacote de concessão de ferrovias que o governo pretende anunciar, em junho, o americano Robert Willig recomendou que o país busque um modelo integrado para o setor com acesso aberto aos produtores e regulação efetiva do direito de passagem, pelo qual uma companhia pode utilizar os trilhos da outra. Professor da Universidade de Princeton e ex¬economista¬chefe do Departamento do Justiça dos EUA, Willig acha que o modelo europeu, que separou donos dos trilhos e operadores, foi uma tragédia e fez com que todos perdessem dinheiro.
O sistema europeu é parecido com a proposta que estava até poucos meses atrás em debate para ser implementada no Brasil. Em vários países europeus, o Estado assumiu o papel de dono dos trilhos e atuou como distribuidor para operadores independentes. Investidores desenvolveram linhas e tiveram que abrir para outras empresas.
No Brasil, a proposta em discussão até o começo do ano foi a de seguir esse modelo, o que implicaria manter a Valec como garantidora de demanda. O problema é que a situação fiscal não comporta mais o risco de a estatal ser chamada para cobrir eventuais falhas no sistema. Coautor, em 1982, da “Teoria dos Mercados Contestados”, segundo a qual uma empresa monopolista pode utilizar estratégias competitivas para disputar o mercado com concorrentes potenciais, Willig alertou que colocar duas empresas concorrendo com trilhos lado a lado não funciona e pode levar ambas à falência. “Há gastos para consertar as ferrovias e, se uma não tiver esse dispêndio, a outra terá custos dobrados”, explicou. “Mas é possível obter eficiência com ferrovias complementares.” A seguir os principais trechos da entrevista.
Valor: A partir do que aconteceu na Europa e nos EUA, o que podemos alertar sobre o modelo de concessões a ser lançado no Brasil?
Robert Willig: Tivemos várias experiências nessa área e, em algumas, o resultado foi muito perturbador. No Reino Unido, privatizaram toda a indústria, mas adotaram o modelo segregado. Dois anos depois da privatização e da segregação, as companhias de trens foram à falência.
Valor: O que o governo britânico teve que fazer após os problemas?
Willig: Sim. O governo teve que pegar o setor de volta. Isso não foi uma consequência boa desse modelo. Essa história gerou manchetes por toda a Europa. Por causa dessa experiência, outros países ficaram muito receosos em adotar esse modelo. De acordo com relatório da OCDE, feito há dois anos, nada de muito efetivo foi obtido para reformar o sistema europeu.
Valor: O que a OCDE constatou?
Willig: De acordo com a OCDE, esse modelo não deu sinais de sucesso mesmo com 20 anos de tentativas. Os preços ainda estão altos se comparados com os Estados Unidos e não apenas não existe sinal de sucesso desse modelo como há muita hesitação nos países de adotar o sistema do Reino Unido.
Valor: Qual é a situação desse setor nos Estados Unidos?
Willig: Nos EUA, as ferrovias também enfrentaram muitos problemas. Na década de 1970, a indústria estava quase quebrada. Não estava pronta para investir de maneira apropriada. Havia menos dinheiro, e foi uma terrível espiral. Indústria e economistas pensaram que parte do problema estava na regulação. A regulação que nós tivemos por anos era muito custosa. Forçava a precificar de maneira unilateral. Havia competição e era grande, mas o problema maior foi que os reguladores forçaram a cotação de preços. Os custos ficaram altos para os carregadores. Os reguladores pressionaram as ferrovias a dividir os custos e o resultado foi que o preço aumentou muito. Mas, em 1980, foi aprovada a Lei Staggers, que instruiu os reguladores a fixar preços pelo mercado.
Valor: E como os Estados Unidos superaram esses problemas?
Willig: Quando a Lei Staggers foi aprovada, em 1980, os reguladores atenderam às exigências que ela trouxe e tudo mudou imediatamente na indústria. Os preços foram reduzidos, o tráfego aumentou bastante, as finanças das companhias saíram do vermelho e o sistema melhorou muito.
Valor: Como mudou a relação entre donos de trilhos e usuários?
Willig: Um modelo novo foi proposto em 2013 e foi descrito como de acesso aberto. No modelo segregado, uma companhia pode construir e manter o tráfego em infraestrutura, mas ela não pode operar os trens. Isso ficaria para outras empresas. A ideia era a de que os operadores iriam manter os vagões e se aliar aos carregadores. Esse é um modelo diferente do americano, onde há integração.
Valor: Como são as condições para desenvolver esse setor no Brasil?
Willig: As condições aqui são particularmente preocupantes para o modelo que prevê a segregação. Separar as partes pode fazer mais ou menos sentido dependendo das circunstâncias. As circunstâncias aqui não recomendam a separação.
Valor: Pelo tamanho do país?
Willig: É pela quantidade de investimento que se necessita. A rede atual é muito pequena se comparada ao que pode se tornar. É preciso criar novos serviços capazes de atrair investimentos. O país não precisa apenas de dinheiro, mas de empreendedorismo.
Valor: Qual a melhor maneira de garantir competição nesse setor?
Willig: Em ferrovias, não é uma boa ideia ter dois trilhos competindo lado a lado. O custo de uma ferrovia é muito alto. Há gastos para consertar as ferrovias e, se uma não tiver esse dispêndio, a outra terá custos dobrados. Se houver uma ao lado da outra, não haverá eficiência. Mas é possível obter eficiência com ferrovias complementares. Nos EUA, temos ferrovias no oeste e no leste que se complementam. Não é ruim ter várias companhias diferentes em várias partes da ferrovia. Só não queremos ter ferrovias competindo entre si.
Valor: O que fazer para obter os investimentos necessários?
Willig: Eu acho que as concessões são o rumo certo. Elas não devem ser restritas, segregadas em suas funções. Devemos ter concessões de ferrovias para o norte, por exemplo, e a companhia deve ter a responsabilidade de complementar a infraestrutura. Ela deve fazer o necessário para que as ferrovias cheguem aonde devem chegar.
Valor: Qual a melhor maneira de expandir essas redes?
Willig: As ferrovias serão responsáveis por terminar o trabalho de concessões e por fazer o desenho das localidades que vão atender e ir a lugares onde o tráfego está. Isso requer conversar com os clientes e verificar as necessidades deles. As companhias podem investir para os produtores e, com isso, negociar para atendê¬los.
Valor: Devem negociar com produtores para que invistam na expansão?
Willig: Os produtores podem negociar com as ferrovias para garantir espaço nos vagões.
Valor: Em que momento essas negociações devem ser iniciadas? Antes da obtenção da concessão?
Willig: Isso vem depois. Primeiro, a companhia deve vencer a concessão. Em seguida, pode conversar com os produtores para a implementar o plano e fazer acordos com os clientes.
Valor: Qual é o maior desafio?
Willig: Uma das tensões do novo modelo será obter regulação para promover o acesso aberto. Isso é muito importante. No modelo integrado você deve acrescentar o acesso aberto como atitude regulatória de proteção para aqueles que querem usar os vagões.
Valor: Funcionaria como uma garantia para o uso da ferrovia?
Willig: É uma garantia para a negociação do uso da ferrovia. Como usuário, vou bater na porta do dono da ferrovia e dizer que tenho algo a transportar e requerer que, como parte da concessão, ele faça um preço, uma tarifa.
Valor: Que outras condições devem ser garantidas pela regulação?
Willig: É preciso ter condições para que o trem passe na hora certa dos produtores, ou melhor, para que os produtores tenham os seus produtos prontos na hora em que o trem passar. O trabalho do regulador é fazer com que negociemos bem. O trabalho do regulador é fazer com que as partes negociem.
Valor: As autoridades devem colocar essas regras e detalhes no momento em que o governo lançar a concessão ou esse é um trabalho da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)?
Willig: É muito importante que a estrutura que o governo quer desenvolver nessa concessão e nas próximas seja divulgada antes da primeira concessão.
Valor: As regras devem ser esclarecidas antes mesmo da concessão?
Willig: As regras devem ser claras, publicadas logo no início. E o acesso deve ser aberto. Como usuário, importa para mim o quanto poderei obter no tráfego, a tarifa que terei que pagar, se a ferrovia vai poder acomodar meu pedido, além do debate sobre a hora que o produto deve estar na estação. As regras têm que ser divulgadas antes da primeira concessão.
Valor: A partir dos seus estudos, o sr trouxe duas mensagens às autoridades: o sistema deve ser integrado e com regras eficientes de acesso aberto às ferrovias. Existe uma terceira mensagem?
Willig: A terceira mensagem é sobre o velho modelo. Nós não vamos obter o investimento que necessitamos num modelo segregado. Nós temos que partir para o modelo integrado e com acesso aberto. E ficar longe do modelo segregado.
Fonte: Valor Econômico, 28/05/2015
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