Vista de longe, a ponte de concreto erguida sobre a BR-030, no sertão baiano, é um retrato convincente de que as obras da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) finalmente decolaram e que o projeto bilionário, capaz de revolucionar o mapa logístico de todo o Nordeste, agora vai para a frente. Ilusão de ótica. Basta se aproximar um pouco mais do concreto armado e subir até a sua base para que a realidade se imponha. O traçado da ferrovia que desde junho de 2013 deveria estar forrado por brita, dormentes e trilhos, até hoje não passa de um estirão de terra batida. E por mais esforço que se faça, não é possível ver o dia em que trens e cargas finalmente passarão por ali.
O marasmo que toma conta das obras da Fiol, projeto de 1.527 km de extensão que já consumiu R$ 3 bilhões dos cofres públicos, é o reflexo imediato da situação crítica em que se encontra a Valec, estatal responsável pelas obras ferroviárias.
A Valec acumula nada menos que R$ 600 milhões em dívidas com dezenas de fornecedores e prestadores de serviço, segundo apurou o Estado. Na prática, para quitar esse débito e assumir uma postura financeiramente responsável, a empresa teria que paralisar todas as suas atividades – para não gerar ainda mais dívidas – e adiantar todos os recursos que tem para receber até o fim deste ano.
Para não travar de vez, a estatal decidiu tomar duas medidas emergenciais. A primeira foi pedir às construtoras que atuam nos lotes da ferrovia para que trabalhem, basicamente, na manutenção das obras que executaram até agora, como os serviços de terraplenagem, para que os trabalhos já entregues não se deteriorem com o tempo.
A segunda decisão foi ainda mais drástica: a Valec suspendeu todas as entregas de trilhos que já tinha adquirido de fabricantes da China e Espanha. O material que chegaria este ano não tem mais data certa para desembarcar no País.
Essas informações foram confirmadas pelo presidente da Valec, Mário Rodrigues Júnior. “Dadas as condições atuais, realmente a nossa prioridade hoje é garantir que nenhum lote seja paralisado e que os serviços prontos não se percam”, disse.
Demissão. Sem receber pelos serviços, não restou outra alternativa às empreiteiras senão a demissão em massa. Um ano atrás, os lotes da Fiol eram ocupados por 5,6 mil trabalhadores. Hoje, esse número caiu pela metade, com apenas 2,9 mil funcionários.
Do total de 147 mil toneladas de trilhos que a estatal comprou fora do País, 71,4 mil chegaram a ser entregues e estão estocadas em canteiros de obra ao longo do traçado da ferrovia baiana. A fabricação e a entrega de uma segunda remessa de 75,6 mil toneladas, porém, foram imediatamente paralisadas, a pedido da estatal, até que o calvário financeiro tenha fim.
Para as construtoras, a orientação é priorizar serviços como drenagem de trechos onde a base para receber os trilhos já esteja concluída. Outra medida é cuidar da proteção vegetal de taludes e aterro já executados, além de conclusão de pontes e outras passagens que estejam com mais de 90% de execução física. “Esse é o cenário que temos, só nos resta trabalhar com ele”, diz Mário Rodrigues.
Com atraso sobre atraso, a Fiol se converte em um projeto sem começo, meio ou fim, para o total desespero dos produtores de soja, milho e algodão do oeste baiano, onde está uma das principais províncias agrícolas do País e que, há anos, espera uma solução de transporte para escoar sua produção.
Sem porto. Os primeiros 500 km da ferrovia baiana, que começariam em Figueirópolis (TO), ponto de ligação com a Ferrovia Norte-Sul, e avançariam até Barreiras (BA), não tem um metro sequer de execução até hoje, por causa de discussões intermináveis sobre seu o traçado. O trecho central da Fiol – os 500 km que ligam Barreiras a Caetité – estão hoje com 42% de execução física, mas ainda há lotes que praticamente não foram iniciados. A terceira parte de 500 km, que avança até Ilhéus, está com 67% de execução geral. É onde se concentram os esforços de manutenção para que o desperdício do dinheiro público não seja ainda maior. O fim dessa linha, porém, está apontado para um porto que ainda não existe.
As obras da ferrovia baiana começaram em 2010 e a previsão era concluí-la em junho de 2013. De R$ 4,2 bilhões, a obra já chega a R$ 5 bilhões e não se sabe mais onde é que seu custo vai parar. Para completar, o governo tratou de deixar o empreendimento de fora de seu novo pacote de concessão ferroviária, ou seja, não há interesse de atrair capital privado para construir a ferrovia, tampouco há dinheiro público para executá-la.
Ignorada pelos planejamentos logísticos do Palácio do Planalto, o empreendimento aguarda uma solução. Na BR-030, a ponte de concreto espera pelos serviços de manutenção.
Fonte: Estado de S. Paulo, 08/09/2015