Ferrovias que contam história da ocupação do país são consumidas por roubos e ferrugem

Seguindo as margens do Rio das Velhas, a estrada de ferro que já transportou trabalhadores e riquezas entre as minas de Raposos, Nova Lima, Rio Acima e Ouro Preto foi a última parte da Ferrovia Dom Pedro II a ser construída, em 1888. Os mesmos trilhos vieram a suprir, na década de 1960, a necessidade de transporte de passageiros da Grande BH, com a entrada em circulação dos trens suburbanos, extintos em 1996. Em um momento em que se tenta reativar o sistema de transporte de passageiros por ferrovias no cinturão de cidades ligadas a Belo Horizonte, caminhos como esse estão sendo perdidos pelo abandono, invasões e roubo de patrimônio público, sem perspectivas de uso econômico ou cultural.

Mas, esse é apenas um pequeno capítulo de um grande enredo de desprezo pela história, desperdício de dinheiro público e descaso com a infraestrutura de transportes que o Estado de Minas começa a contar hoje. Esse roteiro passa também pelos monumentos ao desperdício erguidos no traçado do que deveria ter se integrado à chamada Ferrovia do Aço, que ligaria Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, mas nunca operou de fato. E faz escala na Zona da Mata, onde a Ferrovia Leopoldina desaparece diante da completa inação dos órgãos do patrimônio e da área de transportes, como mostrará amanhã a segunda parte desta reportagem. Um pedaço da memória da ocupação do país que vai sendo engolido pela ação do tempo, pela omissão oficial e pelos saqueadores.

Em 2012, o sonho de moradores da porção Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte de ter uma ligação por ferrovia com locais de trabalho, estudo e lazer foi revivido, quando o governo estadual anunciou projetos que dependiam de verbas federais para linhas ligando Belo Horizonte a Nova Lima, Sabará, Betim, Contagem e Sete Lagoas, previstos para entrar em obras a partir de 2014. Contudo, apenas a Linha A (Betim/Belvedere via Eldorado) está em estudo de viabilidade econômico-financeira pela Metrominas. As demais “serão incluídas no planejamento metropolitano”, de acordo com a Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de BH.

Da última vez que circulou em um dos vagões do trem metropolitano de Belo Horizonte, o eletricista Juscimar Pereira Oliveira, hoje com 36 anos, morador de Honório Bicalho, em Nova Lima, era ainda adolescente. “Usava muito o trecho de BH a Rio Acima. A gente preferia acordar bem cedo para pegar o trem, porque na ponta do lápis era mais barato que fazer a viagem de ônibus. Ainda mais porque eram poucas linhas de coletivos naquela época”, lembra. Da janela de sua casa, o eletricista podia ver o trem passar. Agora, vê apenas o mato crescer naquela direção, enquanto trilhos e dormentes desaparecem pelas mãos de saqueadores. “Carregaram os trilhos quase todos e demoliram a estação de Honório Bicalho. Um absurdo o descaso que está isso daqui. Acho que, se não vier o trem de passageiros agora, pelo menos um trem turístico como o que circula em Raposos traria benefícios para a nossa cidade”, pondera.

A estrada de ferro de Nova Lima a Rio Acima era parte da malha concedida à Ferrovia Centro-Atlântica (FCA). Foi devolvida, como várias outras em Minas, com a edição de resolução da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) de 2013. Os trilhos são agora de responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e as demais estruturas, como as estações, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Fonte: Estado de Minas, 20/03/2016

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