Um pouco da história do País vive esquecida na área em que foi erguido o Engenhão. Ali, geminado ao estádio olímpico, o Museu do Trem resiste como pode ao silêncio do poder público. Em seu galpão principal, os vidros da fachada estão quebrados há pelo menos quatro anos, plásticos improvisados, colocados sob as telhas, evitam goteiras, enquanto as paredes internas apresentam sinais evidentes de desgaste, com manchas, bolhas e mofo.
Ao lado, outro galpão agoniza com as estruturas em ruínas, tomado por uma vegetação que brota com viço das janelas e das pedras que um dia serviram para sustentar o prédio. Seus muros, pichados, compõem o cenário de abandono.
O Terra vem publicando uma série de reportagens em que questiona o legado olímpico no bairro que abriga o Engenhão – o Engenho de Dentro, na zona norte da capital carioca. Os temas abordados até aqui tratam da falta regular de coleta de lixo, de problemas com abastecimento de água e esgoto a céu aberto, e também da ausência de pavimentação em ruas e calçadas da região.
Preservação bancada pelos bolsos dos funcionários
Bens históricos do bairro, como o Museu do Trem e a Capela Nossa Senhora de Fátima, construída por escravos provavelmente no século XIX e localizada no alto do Morro Camarista Méier, estão em estado de deterioração. No caso do museu, a situação só não é mais grave graças à abnegação de seu diretor, Bartolomeu Pinto, e do coordenador operacional Flávio Duarte Macedo, ambos cedidos pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) para cuidar do acervo ferroviário.
“Várias vezes já tiramos do nosso bolso dinheiro para coisas básicas aqui. Não há recurso, não há gente interessada em se dedicar ao trabalho. Quem quiser vir para cá tem de saber que, se for preciso, vai subir em escada para trocar lâmpada, vai ajudar a reparar infiltração ou vazamento nos banheiros. Conheço vários museus ao redor do mundo e tenho vergonha dessa situação”, desabafa Bartolomeu.
A Assessoria de Imprensa do Iphan, vinculado ao Ministério da Cultura, agora incorporado à pasta da Educação, indicou o próprio diretor do museu para falar com a reportagem sobre as condições do patrimônio. “Meu sentimento é de frustração, revolta, indignação.”
Conhecido formalmente como Casa do Patrimônio Ferroviário do Rio de Janeiro, o museu foi inaugurado em 1984 e pertenceu à Rede Ferroviária Federal até 2007, quando passou o comando para o Iphan. Ficou fechado por dez anos – desde o início das obras do Engenhão, em 2003, até 2013. Abriga, entre outras relíquias, a primeira locomotiva a trafegar no Brasil (A Baroneza) e o carro (vagão) presidencial, utilizado por Getúlio Vargas na década de 1930, com direito a uma suíte e louças de época no vagão de luxo. Apesar de todos os problemas, está aberto à visitação gratuita de segunda à sexta, das 10h às 16h.
“Fico triste ao ouvir tanta gente falando de legado olímpico e constatar que aqui mesmo, no quadrilátero do Engenhão, você tem um museu nessas condições. Vamos passar vergonha se a imprensa estrangeira e os turistas entrarem ali. Lá fora, eles preservam a cultura. Aqui é o contrário”, lamenta o costureiro Tadeu Augusto Costa, 56 anos, morador da Rua Dr. Padilha, uma das que dão acesso ao Engenhão. História consumida por mofo e descaso No lado oposto ao da estação ferroviária do Engenho de Dentro, uma capelinha, de Nossa Senhora de Fátima, também em ruínas, aprofunda a convicção de que o bairro olímpico sofre com a falta de preservação de sua memória.
As paredes estão semidestruídas e pichadas e o piso divide lugar com uma vegetação rasteira que o engoliu parcialmente. Registros em livros históricos atestam que escravos libertos e fugitivos reuniam-se ali para fazer suas preces, muitos anos antes de aquele terreno ser adquirido pelo Clube Nevada Campestre, antigo Clube Pedra Negra, hoje desativado. O Terra entrou em contato com a Arquidiocese do Rio para saber se haveria algum interesse da Igreja Católica em restaurar o monumento. No entanto, a reportagem não obteve resposta.
Fonte: Terra, 18/05/2016