União estuda intervenção na Transnordestina

O governo resolveu dar um “basta” ao empresário Benjamin Steinbruch e prepara uma intervenção na ferrovia Transnordestina. Cada vez mais descrente em uma solução para garantir a conclusão das obras, o Palácio do Planalto perdeu definitivamente a paciência com a CSN e pretende repassar o controle do bilionário projeto – que acumula dez anos de atraso – para a estatal Valec.

A gota d’água para essa medida, considerada extrema por assessores do presidente Michel Temer, foi um pedido da concessionária para a liberação de R$ 300 milhões em recursos federais por meio do Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor). Em ofício enviado à Valec no dia 26 de setembro, ao qual o Valor teve acesso, a Transnordestina apontou esse dinheiro como necessário para dar continuidade às obras e cobrou “máxima urgência” no atendimento do pleito.

Três dias depois, em resposta assinada de forma conjunta pelos quatro integrantes de sua diretoria e representantes no conselho de administração da ferrovia, a Valec rejeitou o pedido e argumentou que não havia nenhum posicionamento do Ministério da Integração Nacional para a liberação dos recursos. A pasta é a responsável pela administração dos fundos federais que financiam boa parte da Transnordestina.

O governo e a CSN iniciaram há dois meses uma nova rodada de negociações, com vistas a viabilizar a continuidade das obras. A empresa se comprometeu a injetar R$ 3,6 bilhões em recursos próprios no projeto, mas teria condicionado esse desembolso a novos aportes dos fundos federais. Diante da sinalização da equipe econômica de que esse dinheiro não sairia, as negociações subiram de vez no telhado.

Sem alarde, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) reabriu o processo administrativo de caducidade da concessão, primeiro passo para a transferência dos ativos. Paralelamente, a intervenção da Valec começou a ser preparada. O governo tentará, com isso, recuperar o atraso acumulado na construção da ferrovia e já cogita a possibilidade de inclui-la no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Com isso, abre a perspectiva de entrada de um novo sócio privado no empreendimento, que tem 55% de execução física e só pode ficar pronto no final da década. O cronograma original previa a entrada em operação da ferrovia em 2010.

No ofício à Valec, o diretor-presidente da Transnordestina, Sérgio Freitas Leite, pede que a estatal converta parte de suas ações preferenciais em ordinárias para viabilizar o aporte com recursos do Finor ainda na primeira quinzena de outubro. Essa conversão acionária é imprescindível, segundo Leite, para atender às exigências da Lei das S.A.

A reação do governo foi péssima. Na resposta oficial à Transnordestina, a Valec diz que “o tema requer análise mais aprofundada por parte da assessoria jurídica” e lista um extenso caminho necessário para eventualmente aprovar o pedido. Seria preciso obter o sinal verde da diretoria-executiva, do conselho de administração e da assembleia geral de acionistas – algo impossível no tempo pedido pela empresa.

Além do prazo exíguo, os quatro diretores da estatal apontam ainda a falta de manifestação do Finor sobre o aporte e a ausência de informações quanto à destinação dos recursos antes de sacramentar: “A Valec, por ora, se posiciona contrária ao pleito”.

Nos bastidores, a atitude da Transnordestina foi vista como tentativa de empurrar com a barriga um esforço para recuperar o atraso cada vez mais comprometedor do projeto. Com base no descumprimento de um termo de ajustamento de conduta (TAC), a ANTT reabriu o processo que pode culminar na retirada da concessão e o assunto chegou à Casa Civil. Esse processo, no entanto, é lento. Por isso, a intervenção da Valec – acionista 41,4% do capital total – despontou como uma alternativa mais imediata.

A principal justificativa da Transnordestina, controlada pela CSN, para os seguidos atrasos na obra é justamente a irregularidade no ritmo de repasses dos fundos. Até o afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff, em maio, o governo alegava que o dinheiro só não era liberado porque a empresa não conseguia comprovar a evolução das obras.

Pelo cronograma firmado na última repactuação, em setembro de 2013, a Transnordestina deveria ficar pronta no fim deste ano. As discussões recomeçaram no governo de Michel Temer com um compromisso da CSN em desembolsar R$ 3,6 bilhões em recursos próprios nos próximos três anos. Para concluir o empreendimento, o governo estima a necessidade de investir mais R$ 5 bilhões.

A empresa entregaria o trecho da ferrovia entre a cidade Eliseu Martins (PI) e o porto de Suape (PE) em 2019 e concluiria no ano seguinte o ramal que liga o município de Salgueiro (PE) ao porto do Pecém (CE). O projeto contempla 1.728 quilômetros de trilhos.

Procurada pelo Valor, a assessoria da CSN não fez comentários até o fechamento desta edição.

Fonte: Valor Econômico, 06/10/2016

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