Falta de planejamento em ferrovias causam prejuízos 50 anos depois

Durante todo o percurso de quase 10km, entre o acampamento do 2º Batalhão Ferroviário do Exército e a Estação Ferroviária Bernardo Sayão, no Distrito Federal, o então ministro dos Transportes, general Juarez do Nascimento Távora, puxava repetitivamente o apito da Maria-fumaça que chegava pela primeira vez à capital federal. Távora estava empolgado e gritava: “Esses trilhos vão trazer riqueza para Brasília”. Era o que ele achava em 14 de março de 1967. À época, parecia que  a cidade iria, finalmente, conectar-se ao resto do país por meio de uma linha férrea. Mas o Brasil não soube aproveitar o potencial que os trilhos pareciam oferecer. E abandonou o futuro dos trens.

 “O general parecia uma criança puxando o apito. Ele realmente achava que aquilo traria desenvolvimento. Eu também, todos nós. Infelizmente, a mentalidade neste país sempre foi voltada para a rodovia. É triste”, diz o coronel José Balbino de Moraes Filho, responsável pela companhia do batalhão do Exército que construiu o trecho Brasília-Luziânia. A missão era terminar a ligação entre o Sudeste do país e a capital antes de o presidente, marechal Castelo Branco, deixar o governo. Balbino, 90 soldados e cerca de 80 civis acamparam próximos à BR-040 e trabalharam ininterruptamente por quase três meses para construir a parte final do trilho, que vinha sendo montado desde Pires do Rio (GO). No dia seguinte à inauguração, Castelo Branco entregou o governo ao general Costa e Silva.

Em 21 de abril de 1968, na comemoração de oito anos da capital, o primeiro trem de passageiros chegou à estação Bernardo Sayão ao som da música A banda, de Chico Buarque, em uma grande festa. A locomotiva saiu do Rio de Janeiro, passou por Campinas (SP) e, em 40 horas, chegou por aqui com uma comitiva de 100 pessoas, entre políticos, militares, engenheiros e jornalistas. Com alguns ajustes, o tempo de viagem foi reduzido para 15 horas e, até a década de 1980, o transporte de passageiros era uma realidade em Brasília. Hoje, desativada, a então charmosa estação entre o Núcleo Bandeirante e o Guará é o retrato do abandono das ferrovias no país.

A bilheteria, o salão de passageiros, o bar e todo o espaço da estação transformaram-se em moradias para três famílias de ex-funcionários da extinta Rede Ferroviária Federal S.A (RFFSA). Em meio ao mato alto e ao lixo, as pessoas trancam-se atrás de grades para evitar o olhar dos curiosos, vivendo com gatos e cachorros. A saudade e a tristeza são quase misturadas para Geraldo Soares da Silva, 66 anos. Mas o homem consegue separar os dois sentimentos. “Sinto saudades do trem, da festa na estação, do trabalho nos trilhos”, diz ele, que passou 30 anos na rede. “A tristeza está na forma como trataram os trens no Brasil”, afirma, olhando o que sobrou da estação. “Aqui tinha um restaurante”, aponta Geraldo para umas portas trancadas. “Era uma estação viva, com choro e risos”, lembra, sem se dar conta da poesia da frase.

Nascido em Catalão (GO), Geraldo iniciou o trabalho na estação fazendo a manutenção dos trilhos, depois passou para o escritório, na antiga Rodoferroviária, localizada na outra ponta do Eixo Monumental. “Isso aqui era tudo arrumado, uma beleza. Depois que privatizou, tudo ficou largado”, afirma o homem de fala rápida, que quase atropela as próprias palavras. Aposentado há 18 anos, Geraldo vive com a família — a mulher e três filhos — em uma das casas ao lado da linha do trem. Todas as tardes, passeia pela estação, tal qual o personagem que espera por um trem que nunca mais parou por ali.

Fonte: Correio Braziliense, 02/04/2017

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