Ferrovia Norte-Sul: Longo histórico de corrupção

30 anos de suspeitas

Irregularidades e denúncias de fraudes nos processos de licitação da Ferrovia Norte-Sul (Maranhão-Brasília) têm marcado a obra ao longo dos anos. Em maio de 1987, reportagem publicada pela “Folha de S. Paulo” denunciou um esquema de corrupção na concorrência para a construção dos 18 lotes da ferrovia, orçados em US$ 2,5 bilhões. Por meio de um anúncio codificado publicado nos classificados do jornal, a reportagem antecipou em cinco dias o resultado da disputa.

As 18 empreiteiras que venceram a licitação — parte hoje citada na Operação Lava-Jato — tinham combinado preços e definido quais lotes cada uma assumiria, conforme apontou o jornal. À época, o Ministério dos Transportes era comandado por José Reinaldo Tavares, e a ferrovia era uma das obras mais caras do governo do então presidente José Sarney.

Foram envolvidas no escândalo as empreiteiras Norberto Odebrecht; Queiroz Galvão; Mendes Jr; CR Almeida; Serveng; Egit; Cowan; Ceesa; CBPO; Camargo Corrêa; Andrade Gutierrez; Constran; Sultepa; Construtora Brasil; Alcino Vieira; Tratex; Paranapanema e Ferreira Guedes.

O inquérito policial que apurou a denúncia acabou arquivado um ano depois. Os responsáveis pelas irregularidades ocorridas na licitação não foram punidos. Os 18 lotes somavam 1.570 quilômetros entre Imperatriz, no Maranhão, e Luziânia, em Goiás.

‘Tabela Periódica’

Ferrovia Norte-Sul, em Goiás. Obra, que deveria ser entregue em 2010, deve ser concluída só no
ano que vem – Givaldo Barbosa / Agência O Globo

 

Em junho de 2016, foi deflagrada a operação “Tabela Periódica”, batizada em referência ao nome que alguns dos próprios investigados deram a uma planilha de controle em que desenhavam o mapa do cartel. A investigação apontava prejuízos aos cofres públicos de R$ 631,5 milhões, considerando somente trechos executados na Norte-Sul, em Goiás.

A operação era uma nova etapa de outra, chamada “O Recebedor”, deflagrada em 26 de fevereiro. Em acordo de leniência e delação premiada, a Camargo Corrêa se comprometeu a devolver aos cofres públicos R$ 800 milhões, dos quais R$ 65 milhões destinados a ressarcir danos acusados à Valec.

Ministério dos Transportes

Para colocar o esquema de corrupção em prática, a Valec — subsidiária da então estatal Vale do Rio Doce — foi vinculada ao Ministério dos Transportes para promover a concorrência e a supervisão da construção.

A reportagem citada, de autoria do jornalista Jânio de Freitas, ainda apontou que o valor orçado para a ferrovia pelo governo era tão alto e acima do de mercado que as empreiteiras conseguiram reduzir em 10% a quantia nas propostas. O conjunto dos lotes foi orçado por Valec e Ministério dos Transportes em US$ 2,5 bilhões.

O empate nos descontos, de acordo com a reportagem, mostrou que houve não só a divisão prévia da obra entre as empresas, mas também o envolvimento de integrantes do governo no esquema de corrupção, já que o desempate e a definição dos vencedores foram feitos pela Valec e pelo Ministério dos Transportes, atribuindo pontos a cada empreiteira. A concorrência terminou anulada.

Em 2011, a Controladoria Geral da União fez uma auditoria nos contratos do Ministério dos Transportes, após o escândalo que levou à demissão do então ministro Alfredo Nascimento. O relatório citou problemas em 12 obras rodoviárias e três ferroviárias, entre elas a Ferrovia Norte-Sul.

Rombo de R$ 127,9 milhões

Em ritmo acelerado, trabalhadores acomodam dormentes para a ferrovia Norte-Sul, no trecho entre
Palmas (TO) e Anápolis (GO), de 855 km – Ailton de Freitas / O Globo

 

Em 2015, o Ministério Público Federal no Distrito Federal entrou com uma ação na Justiça pedindo a condenação de três dirigentes da empresa pública Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S/A e pedindo também o ressarcimento de R$ 127,9 milhões aos cofres públicos.

O dinheiro, atualizado até 2013, referia-se a supostas fraudes ocorridas na execução de um contrato firmado em 2006 para a realização de obras em um dos trechos da ferrovia Norte-Sul. A estimativa é que tenha havido sobrepreço de 21,15% no custo total da obra.

A ação pedia que fossem responsabilizados pelos desvios o ex-presidente da Valec José Francisco das Neves (Juquinha); Ulisses Assad, que era diretor da empresa; e Cleilson Gadelha Queiróz, que era presidente da Comissão de Concorrência.

Segundo o processo, eles “promoveram a execução de contrato nulo, viciado, e desviaram em proveito da construtora”. O Ministério Público também cobra os valores da empresa CR Almeida S/A Engenharia de Obras, contratada para realizar a obra, e do ex-diretor Aloysio Braga Cardoso da Silva.

Licitação direcionada

O trecho que foi alvo das irregularidades fica em Tocantins, entre Aguiarnópolis e Palmas. O valor da obra foi estimado em quase R$ 127,9 milhões, mas, de acordo com apurações preliminares, R$ 40,5 milhões deste total teriam sido desviados em benefício da CR Almeida, vencedora da licitação. No documento enviado à Justiça Federal, o procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes diz que há provas das fraudes – por isso, pede que o contrato seja anulado por completo.

Segundo as apurações iniciais, houve irregularidades na fase da concorrência. Uma deles é o fato de a comissão ter adotado exigências de qualificação que direcionaram o resultado da licitação de forma favorável à CR Almeida. Há indícios de que houve combinação prévia entre os concorrentes para que cada uma das empresas concorrentes vencesse um dos trechos licitados. Um dos indícios é o de que havia sete concorrentes e todos venceram a concorrência, cada um em um trecho.

Outro problema citado nas investigações é a CR Almeida ter subcontratado outras duas empresas para realizar as obras, mesmo sem autorização para isso. Segundo os peritos, a CR Almeida recebeu dos cofres públicos mais que o dobro dos valores pagos às companhias subcontratadas para executar parte do contrato.

Fonte: O Globo, 26/05/2017

 

 

 

 

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