RIO – Inaugurado em 1884 pelo imperador Dom Pedro II, o Trem do Corcovado descortinou belas paisagens a milhões de cariocas e turistas, e já recebeu papas, reis, príncipes e presidentes. Mais antigo que o próprio monumento do Cristo Redentor, era movido a vapor até 1910, quando ganhou locomotivas de ponta e seu caminho se transformou na primeira ferrovia eletrificada do Brasil. As composições que circulam hoje (a terceira geração) estão em operação desde 1979. Com o estofado rasgado em alguns bancos e sem aviso sonoro, deveriam ser trocadas este ano. No entanto, o processo atrasou. De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão do Parque Nacional da Tijuca, os novos vagões só deverão entrar nos trilhos a partir de abril de 2019, quase dois anos após o prazo previsto em contrato. Outros investimentos exigidos no documento, como a trilha Paineiras-Corcovado e a reforma das estações Cosme Velho e Silvestre, também não saíram do papel. E, para piorar, a favelização toma os cenários que encantaram tantos visitantes.
A Esfeco, que opera o sistema há 38 anos, ganhou em outubro de 2014 uma licitação para explorar o Trem do Corcovado até 2034. Para a concorrência, fez parceria com o Grupo Cataratas (administrador do Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, do AquaRio e do zoológico), que, em 2015, pediu para sair do projeto — a solicitação foi aceita pelo ICMBio em janeiro deste ano. Uma das principais contrapartidas da concessão era a aquisição de três novos trens, mais modernos, rápidos e confortáveis. A encomenda foi entregue à empresa suíça Stadler Rail, e, no próximo mês, o diretor da Esfeco, Sávio Neves, vai a Zurique acompanhar o início da fabricação do primeiro veículo, que deverá ser entregue no segundo semestre de 2018. Testes precisarão ser feitos até abril do ano seguinte.
PROMESSAS E RECLAMAÇÕES
As mudanças prometidas no contrato de concessão são de encher os olhos. Os novos trens poderão levar ao Cristo até 6.710 passageiros por dia, um aumento de 76,8% em relação ao volume atual. A capacidade passará de 100 para 150 passageiros por composição. Já a velocidade de subida do Corcovado poderá ser aumentada de 15 km/h para 20 km/h, e a de descida, de 12 km/h para 18 km/h. Os vagões não terão ar-condicionado — a justificativa é que “os turistas querem tirar fotos com as janelas abertas” —, mas contarão com teto panorâmico.
— Tivemos alguns problemas. O aumento do câmbio estourou completamente nosso orçamento. Quando pegamos a proposta (de concessão), o dólar estava a R$ 2,20; agora, chega a R$ 3,40. Outro aspecto que também atrasou o processo foi a auditoria minuciosa da garantidora (que avalia a saúde financeira da concessionária, para abonar financiamentos no exterior). É muita burocracia. Quando um edital é feito, não se observa todo esse cenário de dificuldades. É natural que seja assim. Mas estamos indo, estamos avançando — afirmou Neves.
O diretor do Trem do Corcovado disse que a troca de equipamentos custará R$ 130 milhões. Segundo ele, as despesas com manutenção serão reduzidas, e haverá uma economia de 70% nos gastos com energia elétrica. Neves diz estar ansioso para colocar as novas composições em circulação porque precisa poupar: lamenta a queda no número de passageiros, que pagam uma tarifa que varia de R$ 61 a R$ 74, dependendo da temporada. O estudo de viabilidade econômica da concessão previa que 1,25 milhão de pessoas visitariam o Cristo Redentor pela ligação ferroviária em 2016, mas o ano olímpico fechou com 782.920 visitantes, 37% abaixo da demanda esperada. Para efeito de comparação, em 2013, um ano antes da Copa do Mundo, foram transportados 923.691.
Este ano, o cenário também é de queda, ao contrário do que previa o estudo, que apontava uma demanda de 1.159.736 visitantes. De acordo com dados do ICMBio, de janeiro a maio, foram transportados 339.285 passageiros, contra 360.341 no mesmo período de 2016, ou seja, houve uma queda de 5,8%.
— Isso impacta muito no contrato. Não sabemos se vamos comportar isso. Está muito pesado, e assumimos todas as contrapartidas — reclamou Neves, acrescentando que o impacto da crise econômica no turismo é grande. — O Rio está todo parado, há um contexto de crise muito forte, e a imagem da cidade anda ruim. Nunca passamos por um momento tão complicado, maio foi um desastre, os hotéis estão vazios. O Corcovado não é como o Pão de Açúcar, que tem uma visitação maior, mas nunca passou tanto aperto como agora. Há dias que chegam ao fim com um total de 400 visitantes, apenas.
O atraso para a apresentação dos planos de identidade visual, de segurança e vigilância e de comunicação e marketing já resultou numa multa de R$ 238 mil à concessionária do Trem do Corcovado, e não há mais possibilidade de recurso administrativo. André Barbosa, chefe da Unidade Avançada de Administração e Finanças do ICMBio, informou que, caso não sejam apresentadas justificativas plausíveis para o cumprimento de outras exigências contratuais, novas penalidades poderão ser aplicadas.
— Temos feito reuniões com o Trem do Corcovado em intervalos de, no máximo, duas semanas, para entendermos qual é a dificuldade para a execução das medidas previstas e discutir os melhores caminhos. Estamos acompanhando item a item do contrato, sempre balizados pelo edital. Não podemos esquecer que o objetivo não é punir, existe um cunho educacional. Não adianta aplicar um monte de multas. Queremos o cumprimento daquilo que foi previsto — destacou Barbosa.
UM CAMINHO DE DESECANTOS
Enquanto as novas composições não chegam, os trens atuais percorrem uma ferrovia cercada de desencantos. A equipe do GLOBO fez uma viagem na última terça-feira e notou que a quantidade de casas e caixas d’água próximas aos trilhos cresceu, e encontrou problemas de má conservação. Há postes enferrujados e guarda-corpos quebrados, e pedestres percorrem a ferrovia alheios ao risco de serem surpreendidos por veículos sem sinalização sonora. Além disso, o sistema de ordenamento da circulação das composições é antiquado: para se ter uma ideia, o maquinista precisa botar metade do corpo para fora de uma janela para mexer uma alavanca de mudança de direção.
A reforma da estação do Cosme Velho está pendente, sem prazo para ser feita. O projeto precisa ser aprovado não só pelo ICMBio como pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), já que o imóvel é tombado. De acordo com Sávio Neves, a ideia é construir mais uma entrada por uma lateral e um mezanino na parte de trás de terreno, onde ficariam as lojas hoje espalhadas pelo corredor da estação. O empresário também quer instalar ali uma livraria, uma cafeteria e um vagão no qual poderá ser realizado uma passeio virtual em 4-D.
Até agora, as exigências cumpridas foram a reforma da Estação Paineiras, o monitoramento das trilhas no Setor Serra da Carioca (Paineiras, Sumaré e Morro da Carioca) e a assunção dos contratos de manutenção das escadas rolantes e dos elevadores, de vigilância e de fornecimento de água e energia elétrica do Cristo Redentor.
Fonte: O Globo, 17/06/2017