R$ 70,5 milhões. O valor é mais um dos superfaturamentos identificados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) na construção da Ferrovia Norte-Sul. No processo, as irregularidades estão na execução de 52 quilômetros no trecho entre Ouro Verde de Goiás e o Pátio de Jaraguá (GO), em contrato firmado entre a Valec Engenharia, Construções e Ferrovias e a Constran, em 2009. Em decisão na última quarta-feira, os ministros do TCU bloquearam os bens do ex-presidente da Valec José Francisco das Neves para garantir o ressarcimento da quantia aos cofres públicos. Ele e o filho Jader estão na cadeia. Levantamento do Correio mostra que, em 29 processos sobre a Norte-Sul no TCU, o histórico de superfaturamento, sobrepreço e irregularidades se repete em, praticamente, todos. E, na opinião de especialistas, a corrupção é um dos principais entraves para o desenvolvimento do setor no país.
A reportagem analisou processos no TCU entre 2005 e 2016. Dezenove estão encerrados, oito tramitando, mas já têm deliberações, e dois, em análise. No processo 7.481/2005, por exemplo, os auditores identificaram a construção de uma ponte sobre o Ribeirão Campo Alegre (GO) sendo erguida por uma construtora sem contrato. A justificativa, segundo a Valec à época, é que a empresa vencedora do certame teria desistido do empreendimento por causa de atrasos na contratação e, diante de uma proposta orçamentária menor, achou conveniente o acerto com a outra.
Em outro processo, o 21.283/2008, os auditores identificaram sobrepreços em torno de 25% dos contratos. O festival de irregularidades na Norte-Sul indica porque o país não consegue encontrar o caminho dos trilhos para o transporte de cargas e passageiros. Enquanto, no mundo, a média em transporte ferroviário é de 45%, no Brasil, é de apenas 25%, segundo dados da Associação Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Em uma malha férrea de cerca de 28,5 mil km de trilhos implementados, apenas 12 mil km transportam carga atualmente. Por meio de nota, a Valec destacou que as irregularidades referem-se a períodos em que a empresa era gerida por outra diretoria e reafirmou o “compromisso com a probidade, a ética e a transparência no exercício da atividade pública”.
O ministro do TCU Bruno Dantas esclarece que, por ser uma obra extensa e o parcelamento estar dividido em uma grande quantidade de lotes, o tribunal, a fim de racionalizar as apurações, optou por constituir um processo para cada contrato, o que contribui para o número elevado. “Mas, de fato, considerando que foram identificadas irregularidades em todas as etapas do empreendimento e a recorrência dessas irregularidades, é correto afirmar que a Ferrovia Norte-Sul está incluída na lista de casos mais emblemáticos de malversação em obras públicas no Brasil.”
Aposta
A Norte-Sul é a aposta do governo para revitalizar a malha férrea e aumentar a capacidade logística. A proposta atual do Sistema Nacional de Viação (SNV), segundo o Ministério dos Transportes, prevê a ferrovia como o principal eixo integrador, onde as demais se conectariam e estabeleceriam uma rede estruturada e ampla. Está aberta audiência pública na ANTT, até 11 de agosto, para a formulação do edital do contrato de subconcessão do trecho entre Porto Nacional (TO) e Estrela d’Oeste (SP), que irá a leilão em fevereiro de 2018. O investimento estimado é de R$ 3,087 bilhões e o valor esperado de arrecadação é de R$ 1,5 bilhão. Além disso, com a sanção da Lei nº 13.448 de 2017, as concessionárias esperam um aporte de quase R$ 30 bilhões, o que dobraria a capacidade de transporte de cargas.
Na opinião de Dantas, a corrupção contribuiu para a atual degradação do sistema ferroviário. “Importantes projetos logísticos deixaram de ser concluídos no horizonte de tempo previsto”, comenta. O professor de engenharia de Transportes da Coppe/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Hostilio Xavier Ratton Neto também critica a falta de finalização das obras. “As obras começam e não terminam. Não há falta de investimento. A cada 10 anos, sempre tem um governo anunciando a construção de uma ferrovia. Como demoram muito para operar, não trazem retorno na época certa”.
Ratton Neto destaca que um dos entraves para o desenvolvimento está no histórico uso das ferrovias só para escoamento da produção do interior para a exportação. Até a década de 1940, o Brasil também usava as ferrovias para o transporte interno de mercadorias, hoje feito pelas rodovias. “Chegamos a ter mais de 40 mil km de estradas de ferro. Isso que era um país pobre. Agora, somos um país rico que não consegue fazer 1km de trilho.”
Mas, para pensar em iniciar uma mudança nesse sentido, o país precisa conhecer a movimentação de cargas atual nas rodovias. Questionado sobre o assunto, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) destacou que a medida faz parte do Plano Nacional de Contagem de Tráfego, feito com apoio do Exército. Em três fases da Pesquisa Origem e Destino, iniciada em 2016, o órgão contou e classificou mais de 9,6 milhões de veículos.
Fonte: Correio Braziliense, 31/07/2017
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