RIO — Rede. A palavra curta é inversamente proporcional ao tamanho do desafio. Especialistas ouvidos pelo GLOBO, chamados a pensar soluções para o transporte no Rio de Janeiro, que já vem evoluindo nos últimos anos, dizem que, para se tornar sustentável e mais eficiente, o sistema precisa funcionar como um só.
— A solução começa no planejamento: reorganizar toda essa matriz de modais. Temos um sistema de transporte público desconectado. O trem não está conectado com metrô, que não está com ônibus municipal, que não está com intermunicipal. Não há sequer integração tarifária. As pessoas pagam caro e não conseguem ter um deslocamento eficiente — observa Paulo Cezar Ribeiro, coordenador do programa de engenharia de transporte da Coppe/UFRJ.
Um passo importante para a reorganização do transporte é rever o modelo de concessões, opina José Eugênio Leal, professor do departamento de engenharia industrial da PUC-RJ.
— Falta o poder público determinar a integração, não só física, mas tarifária, como se faz no mundo todo — destaca.
Segundo Leal, modais de média capacidade (ônibus, BRT e VLT) têm que funcionar como alimentadores dos de alta (barcas, metrô e trem), e não como concorrentes.
O secretário estadual de Transportes, Rodrigo Vieira, reconhece a necessidade. E diz que o estado tem buscado integrar metrô e trem, sob sua responsabilidade.
— Só discordo de que a integração tenha que passar pela revisão das concessões estaduais. Os ônibus municipais é que têm que cumprir seu papel de alimentador, em vez de botar linhas que rivalizem com trem, metrô e barcas.
Outra solução sugerida é o controle da catraca pelo poder público, que permitiria a adoção de um bilhete único de verdade. O usuário compraria uma só passagem e a utilizaria, no mesmo dia ou mês, conforme o tipo de bilhete, em todos os meios de transporte.
— A venda de passagens tem que estar nas mãos de estado ou município, e não nas dos empresários, como é no Rio. No caso dos ônibus, é o RioCard que controla e informa quantos passageiros foram transportados — diz Leal.
A tarifa única abrange hoje só os ônibus municipais do Rio. E provoca uma distorção que precisa ser revista, segundo Ribeiro, da Coppe/UFRJ:
— O custo das empresas que operam na Zona Oeste é maior. O sistema deveria redistribuir ganhos das linhas da Zona Sul, mais lucrativas, às demais. É, portanto, uma boa hora para se reabrir a discussão sobre a câmara de compensação tarifária, que vai reequilibrar as finanças das empresas e melhorar o serviço — sugere.
Maria Fernanda Lemos, diretora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da PUC-RJ, aposta nos trens.
— A prioridade tem que ser investir em trilhos. O trem leva mais gente, integra a Região Metropolitana e atende uma população com carência maior de locomoção — diz.
A urbanista argumenta que, com planejamento adequado, o transporte estimula a geração de riqueza na periferia e ajuda a aliviar a pressão da demanda nos grandes centros:
— É desenvolver centralidades, evitar que o morador de Santa Cruz tenha que ir à Barra ou ao Centro para trabalhar ou se divertir. O transporte incentiva a ocupação urbana.
Como levar esse desenvolvimento a áreas menos privilegiadas da Região Metropolitana que, por serem deficientes em habitação, saneamento e geração de empregos e serviços, acabam sobrecarregando a capital? Com uma revolução no modo de pensar a metrópole.
— A reação passa por ações integradas. Não se resolve transporte só com medidas de transporte. Ter 75% dos empregos concentrados na cidade do Rio é insustentável — comenta o diretor-executivo da Câmara Metropolitana do Rio de Janeiro, Vicente Loureiro.
Iniciativa do governo estadual, a Câmara prepara, com a colaboração de universidades, um plano de desenvolvimento urbano conjunto para a capital fluminense e as outras 20 cidades da Região Metropolita. Nele estão diretrizes que se transformarão em leis para orientar estado e municípios a adaptar seus planos diretores, num prazo de dois anos, e estabelecer políticas públicas comuns.
— Não chega a 30% o percentual de moradores a 15 minutos a pé de uma estação de trem, barca, metrô ou BRT. Isso dá uma ideia da nossa dispersão. A gente precisa adensar para dar mais eficiência ao modelo. É a meta central do plano buscar essa rede. Que não tem só transporte, mas infraestrutura, saneamento, habitação e desenvolvimento econômico — diz Loureiro.
Fonte: O Globo, 01/09/2017