A renovação antecipada das concessões de ferrovias – medida com que o governo promete destravar R$ 25 bilhões em investimentos – enfrenta um novo obstáculo. O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ontem à noite, em ofício encaminhado para a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que ela se abstenha de assinar aditivos com prorrogações para “quaisquer contratos” no setor.
Na prática, a correspondência serve como um alerta claro do MPF de que haverá judicialização em torno do assunto caso a agência reguladora siga adiante com o processo. Os procuradores da 3ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR), que trata de direitos do consumidor e da ordem econômica, deram prazo de dez dias úteis para manifestação da ANTT.
As concessões atuais expiram na próxima década. O governo abriu negociações para estender, por 30 anos, os contratos com cinco empresas: Rumo Malha Paulista, MRS Logística, Estrada de Ferro Vitória-Minas, Estrada de Ferro Carajás (EFC) e Ferrovia Centro-Atlântica (FCA). A Malha Sul, também operada pela Rumo, deve entrar brevemente na lista.
O Palácio do Planalto vê esse processo como uma oportunidade para desengavetar investimentos de expansão da rede, que praticamente não sai do lugar desde sua transferência à iniciativa privada, nos anos 90. Obras como o Ferroanel de São Paulo, o contorno ferroviário de Belo Horizonte e o trecho Rio-Porto do Açu (RJ) são algumas apostas do governo. O mercado vem trabalhando com a expectativa de que o primeiro aditivo contratual, referente à Malha Paulista da Rumo, possa sair ainda neste ano.
O ofício do MPF, ao qual o Valor teve acesso, enfatiza duas recomendações. Primeira: a ANTT deve evitar a assinatura das prorrogações até “manifestação conclusiva” do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o pleito de cada concessionária. Segunda: uma vez demonstrado o atendimento dos requisitos legais e a vantagem de mais prazo sobre uma eventual relicitação dos ativos, espera-se a regularização de passivos, débitos existentes e possíveis descumprimentos contratuais antes de qualquer aditivo.
“Reconhecemos o elevado déficit de infraestrutura logística do país e a importância do investimento privado para enfrentar esse problema. No entanto, defendemos a importância de termos ambiente regulatório estável e com acentuada segurança jurídica para atrair o investimento”, diz o procurador José Elaeres Marques Teixeira, que coordena a 3ª CCR do Ministério Público.
Elaeres aponta fragilidades na MP 752, a medida provisória que permite renovar antecipadamente os contratos de ferrovias, convertida em lei pelo Congresso Nacional e sancionada em junho.
“A prorrogação do contrato de concessão de serviço público constitui regra de excepcionalidade”, afirma o procurador do MPF. “Muito embora a Lei 13.448 exija a demonstração de vantajosidade da prorrogação antecipada do contrato, em detrimento da realização de uma nova licitação, os critérios objetivos definidos são extremamente mais permissivos do que aqueles previstos para uma concessão ordinária.”
O MPF faz ainda várias outras considerações negativas, como o “elevado risco moral e consequente prejuízo que pode advir de uma avaliação fragmentada dos pedidos” feitos pelas concessionárias sob o mesmo grupo controlador, em referência à Rumo. Cita também “problemas relacionados ao modelo de regulação vigente” no país: abandono de trechos ferroviários, tarifas abusivas, lesão ao patrimônio público (bens, histórico e cultural).
Além da cautela adotada pelos procuradores com relação ao assunto, a prorrogação antecipada das concessões de ferrovias é objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) movida pela Ferrofrente – que reúne trabalhadores, usuários e operadores “em defesa” das ferrovias – e pela Federação das Associações de Engenheiros Ferroviários.
Depois da Malha Paulista, a concessionária com processo mais adiantado na ANTT atualmente é a MRS Logística.
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2017
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