Carlos Heitor Cony e a Central do Brasil

Faleceu na última sexta feira, dia 5 de janeiro o jornalista e escritor, imortal da ABL CARLOS HEITOR CONY, aos 91 anos. A causa da morte falência de órgãos. Autor do premiado ‘Quase memória’, ele era considerado um dos maiores escritores brasileiros.

Ele estava internado desde 26 de dezembro no Hospital Samaritano, no Rio. Em 1º de janeiro, foi submetido a uma cirurgia no intestino e teve complicações.

Ele escreveu  no Jornal do Commercio, no ano de 1996, uma crônica muito interessante sobre o Trem Cruzeiro do Sul da EF Central do Brasil, que no ano de 1929 veio revolucionar o transporte de passageiros entre as cidades do Rio e São Paulo. Era um trem noturno, formado por um carro bagagem/restaurante e quatro carros de dormitórios.

Temos uma composição, “muito baleada”, mas preservada para ser reparada, sabe lá quando. Estes carros estão guardados parte na Estação de Barão de Mauá e Oficina de Horto Florestal (MRS), em Belo Horizonte.

Segue abaixo o artigo, que vale a pena ser transcrito

O CRUZEIRO DO SUL

Era mais do que um trem: era uma instituição, um símbolo de luxo um emblema de grandeza, orgulho da Estrada de Ferro central do Brasil em geral e, em particular, de Joaquim Pinto Montenegro, meu tio, que já andara nele, no dia em que o “Cruzeiro do Sul”, vindo de São Paulo, parou em Rodeio com um problema nos freios.

Nesta histórica data, Joaquim Pinto Montenegro, que já era um rodeiense ilustre, tornou-se um ponto de referência social e ferroviário, um varão de Plutarco em termos de Serra do Mar.

No silêncio das noites de Rodeio, nunca chegando antes, nunca chegando depois, ouvíamos o “Cruzeiro do Sul” ainda ao longe, saindo do túnel 11 e vindo majestosamente, serpenteando de aço azulado, precisando cumprir o horário, nunca parando ali.

Ninguém ia dormir sem que ele chegasse com seus vagões iluminados, deslizando sobre os trilhos como uma lagarta fosforescente, fazendo a estação rejeitada tremer de orgulho ferido, mas de vaidade também.

Na casa de Joaquim Pinto Montenegro, todos já estávamos deitados. Ele anunciava com a voz dos que sabem, dos que conhecem as leis do mundo, do sol e das estrelas, dos mares e das montanhas, e, obviamente, dos trens da Central do Brasil: “É o Cruzeiro do Sul.”

Quando passava pelas plataformas, vazias àquela hora, Rodeio inteiro tremia, tremia mansamente a casa de Joaquim Pinto Montenegro , bem embaixo da estação. Mansamente, eu tremia também.

E o “Cruzeiro do Sul” ia se distanciando, preparando-se para fazer a grande curva sobre a ponte, armazenando em sua formidável caldeira, em suas entranhas de fogo, a pressão colossal para vencer o lúgubre, o infindável túnel 12.

Assim eram os trens daquele tempo, assim era o “Cruzeiro do Sul”, que não dava bola para Rodeio e o humilhava com o seu desdém, passando lentamente com seus vagões iluminados e se perdendo na noite. Mesmo assim, Rodeio sentia que vivera mais um instante de glória. Podia adormecer, agora, no silêncio deixado pelo trem azul, silêncio magnífico, silêncio que cheirava a carvão e cheirava a saudade.

 

Artigo transcrito do Jornal do Commercio

Autor: CARLOS HEITOR CONY

18 de março de 1996

Colaboração de pesquisa: Associado e conselheiro da Aenfer Rubem Eduardo Ladeira

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