Diante da recuperação dos preços do minério de ferro e do crescimento contínuo da produção no Brasil, o escoamento do insumo pode ficar comprometido no médio prazo. Com quase 85% do produto sendo transportado por apenas 2,1 mil quilômetros de ferrovias, os gargalos logísticos ficam cada vez mais evidentes.
Nos últimos anos, a produção de minério de ferro no País mais que dobrou, movimento que não foi acompanhado na mesma proporção pelo avanço da malha ferroviária. De acordo com estimativa do Ministério dos Transportes, seriam necessários cerca de 4,2 mil quilômetros de extensão de trilhos em trechos duplicados para que o escoamento se desse de modo mais eficiente até os portos, principais destinos do insumo brasileiro.
“O problema é que para se atingir esse objetivo [de duplicação da malha ferroviária] o governo federal precisa lidar com poderes econômicos dissonantes: as empresas que já operam a malha atual e os interesses dos potenciais entrantes neste setor”, resume o professor de engenharia ferroviária e doutor em transporte de carga pela Universidade de Brasília (UnB), Marco César Parente.
A questão sinalizada pelo acadêmico se apoia em uma realidade vigente desde o início do século passado: as principais ferrovias utilizadas para o transporte do insumo foram construídas por grandes empresas da siderurgia e mineração – à época, estatais –, o que deu a elas uma autonomia do uso do modal e diminuiu o acesso de outros produtos na malha.
Hoje, o transporte do minério de ferro por trilhos é desenvolvido por cinco empresas: EFVM, MRS, FCA, EFC e Rumo, que administram o trecho sob supervisão da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), e estão neste momento negociando a prorrogação dos contratos de concessão.
“As empresas precisam dessa segurança jurídica para efetuar os investimentos em duplicação previstos entre 2019 e 2022, que envolvem mais de R$ 25 bilhões”, comenta o advogado Emerson Caruso, que oferece consultoria jurídica para duas das maiores concessionárias do Brasil. Segundo ele, as empresas esperam a resolução do impasse dos contratos ainda neste ano. “Esperamos que o governo acelere este processo, mas as prorrogações seguem nebulosas”, analisa.
Conforme o presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer), Vicente Abate, a situação das prorrogações está adiantada. “Esperamos que ao menos a prorrogação da Rumo Logística tenha um desfecho positivo até o fim de abril, o que abrirá o caminho para as outras renovações”, explica o dirigente, lembrando que a empresa já realizou 48 projetos executivos à ANTT para traçar as condições da renovação.
Enquanto a renovação dos contratos não acontece, ele conta que as empresas continuam fazendo as adaptações na malha ferroviária, como é o caso da Vale, responsável pela Estrada de Ferro Carajás (que atende o projeto S11D) e que recebeu uma duplicação recentemente. “A mineradora elevou em quase 90 mil toneladas a capacidade do trilho para atender ao aumento da produção”, ressalta.
Abate pondera que um dos temas que estavam emperrando a renovação era o chamado direito de passagem, que é o acesso de terceiros nas áreas de entroncamento em regiões estratégicas, como portos. Na visão do dirigente, a questão está próxima de ser resolvida. “O direito de passagem já existe nas concessões atuais, só precisa de alguns contornos novos para se adaptar nesse novo momento do setor.”
Quem passa primeiro?
Para o especialista na área de mineração do Lima Feigelson Advogados, Bruno Feigelson, o direito de passagem só faria sentido se o Brasil tivesse uma malha ferroviária muito bem estruturada. “O caminho natural a ser adotado por aqui seria o contrato de take or pay.” Ele esclarece que esse tipo de acordo prevê disponibilidade da malha pela concessionária independentemente do cliente utilizá-la ou não. “Mas como a atividade minerária é sazonal, muitas empresas não querem firmar contratos de take or pay porque sabem que em algum momento vão pagar pelo serviço sem usar”, aponta.
Ele acrescenta que as soluções para o modal avançar no País são limitadas, atualmente. “Ferrovias têm custos muito altos de manutenção e restam poucas opções para resolver os gargalos”, avalia.
Conforme o sócio do LL Advogados e autor do livro “Regulação das Ferrovias”, Leonardo Coelho, o modelo ideal de ferrovias para o Brasil seria o vertical, concentrado na empresa que demanda a malha. “Neste sistema, as disputas seriam pontuais, com solução dos conflitos caso a caso.”
Ele afirma que, por diversas características típicas do transporte ferroviário de carga, há um monopólio natural no setor e a atividade depende principalmente de escala. “Quando o gerenciamento está concentrado na mesma empresa, os embates tendem a ser resolvidos mais facilmente, por isso o modelo verticalizado tem mostrado melhores resultados.”
Feigelson concorda que as ferrovias de carga tendem a ter poucos clientes e demandam vultosos investimentos de implantação e manutenção. “Justamente por esse motivo, no Brasil, são voltadas para a atividade de mineração. O Estado precisa resolver os entraves regulatórios para incentivar a expansão ferroviária.”
Fonte: DCI, 09/03/2018
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