Principal aposta para destravar investimentos bilionários em novas ferrovias, a renovação antecipada das concessões no setor está levando mais tempo do que o previsto e a assinatura dos aditivos contratuais ainda neste ano tornou-se incerta. O governo já assume que pelo menos uma das cinco prorrogações anunciadas acabará ficando para 2019, mas não jogou a toalha e corre contra o relógio para estender quatro outros contratos até dezembro.
Em troca de mais 30 anos de vigência dos contratos, que expiram em meados da próxima década, as atuais operadoras acenavam com desembolsos de R$ 25 bilhões na ampliação das malhas. O modelo, porém, enfrenta objeções dos órgãos de controle e escassez de braços na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Presidentes e executivos das concessionárias devem aproveitar hoje a abertura da sétima edição do “Brasil nos Trilhos”, maior encontro anual do setor, para fazer apelos ao governo por celeridade no processo.
Um estudo da consultoria GO Associados obtido pelo Valor e que será apresentado no evento demonstra o impacto da falta de investimentos. Sem expansão das ferrovias, a parcela da safra agrícola transportada por trens diminuiria de 19,3% em 2016 para 14,7% em 2026. Por outro lado, com os investimentos prometidos, haveria ganho de escala e queda de 22% no preço do frete.
O cronograma das renovações antecipadas foi ajustado pela equipe do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e prevê o envio, em junho, da proposta final da Malha Paulista ao Tribunal de Contas da União (TCU). A Rumo, que controla a concessionária, já elaborou mais de 70 projetos executivos de obras no interior de São Paulo para dar mais robustez ao pedido. Duas ferrovias operadas pela Vale – a Vitória-Minas e a Estrada de Ferro Carajás – devem ter audiências públicas abertas em julho para a discussão das minutas de aditivos.
Somente depois de receber as contribuições de interessados e fazer uma análise sobre cada uma delas é que a ANTT pode encaminhar o processo ao tribunal de contas. E o órgão de controle não tem prazo para dar sua palavra final. Reservadamente, empresários do setor temem que esse processo “escorregue” para 2019.
A dúvida é se o governo que assumir manteria ou não o modelo desenhado pela gestão Michel Temer. “Seria pouco irracional deter os avanços que já foram feitos, mas a política sempre reserva surpresas”, diz o economista Gesner Oliveira, professor da FGV-SP e sócio-executivo da GO Associados.
No novo cronograma do Palácio do Planalto, espera-se abrir audiência pública para a prorrogação do contrato da MRS Logística entre agosto e setembro. Ficaria para o último trimestre apenas a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), mas já se reconhece a inexistência de tempo hábil para a assinatura do aditivo neste ano.
O secretário de coordenação de projetos do PPI, Tarcísio Gomes de Freitas, reconhece a complexidade de executar um modelo novo. Mas acredita que o trabalho prévio da agência reguladora constitui a parte mais difícil do processo e que está diminuindo a resistência dos órgãos de controle à tese de “vantajosidade” (custo-benefício oportuno) nas prorrogações contratuais.
“É uma questão de interesse nacional, ataca o Custo Brasil na veia, com o maior investimento em ferrovias desde o início do século passado”, enfatiza Freitas.
A construção da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), em um traçado de mil quilômetros entre Uruaçu (GO) e Lucas do Rio Verde (MT), já foi escolhida como principal contrapartida das atuais concessionárias para obter novos contratos. Ela já tem projeto básico de engenharia feito pela Valec e licença ambiental prévia dada pelo Ibama. O Ferroanel de São Paulo e a ligação Rio-Vitória também são prioridades.
Para driblar a falta de mão de obra suficiente na ANTT, o Palácio do Planalto recorreu a uma engenharia inédita. Um convênio entre o PPI e o Movimento Brasil Competitivo (MBC), fundado pelo empresário Jorge Gerdau, foi celebrado para atacar esse problema. O MBC contratou a consultoria Accenture para dar suporte técnico à agência. Quase duas dezenas de analistas foram repassados como reforço ao time responsável pela avaliação dos estudos e propostas das empresas.
Os recursos para pagar a Accenture, conforme explica o secretário do PPI, não vêm do orçamento público. São aportes feitos por agentes como associações de produtores de soja e de fabricantes de equipamentos ferroviários. Para ele, não há conflito de interesses. “Os interesses de todos são convergentes e eles não têm nenhum poder de influência na nossa decisão”, explica. De acordo com Freitas, esses analistas estão se dedicando a questões que não envolvem pontos sensíveis, mas tomam muito tempo dos servidores da ANTT – como a verificação da demanda projetada pelas concessionárias nos seus pedidos de renovação.
Para o diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Fernando Paes, a assinatura de pelo menos alguns aditivos ainda neste ano é possível, mas depende do ritmo do TCU. Ele acredita que, depois de a Rumo ter aberto o caminho, outros processos tendem a demorar menos. “Na Malha Paulista, foram quase 400 contribuições na audiência pública. A tendência é que as próximas tenham menos questionamentos.”
Bernardo Figueiredo, ex-presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), apoia a renovação dos contratos como forma de destravar investimentos. Ele ressalta, no entanto, que é preciso olhar com bastante atenção os detalhes – como as regras sobre direito de passagem. “O que for feito agora nos amarrará pelos próximos 40 anos”, afirma.
Fonte: Valor Econômico, 03/05/2018