Cento e oito anos atrás ela foi inaugurada e passou a receber trens da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro em busca do ouro verde, como era chamado o café produzido nas lavouras paulistas e exportado a partir do porto de Santos.
Grande, a estação Coronel Pereira Lima, em Sales Oliveira (a 364 km de São Paulo), dá a dimensão do que representou a partir de sua inauguração, em 1910.
Bem localizada –fica na zona rural da cidade, a apenas 2,6 quilômetros da rodovia Anhanguera, uma das principais do país–, ela porém não sabe o que é receber um trem há quase quatro décadas.
Abandonada, fica numa fazenda que foi invadida por integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que a reivindicam para a reforma agrária.
Para piorar o cenário, órgãos públicos não se entendem sobre de quem é a responsabilidade pela preservação da estação, que não é um caso isolado.
A reportagem percorreu 2.000 quilômetros de estradas no interior paulista, parte deles em vias de terra, em busca de estações “perdidas” por descaso, ou em locais hoje de difícil acesso, que pertenceram às companhias Paulista, Mogiana, Sorocabana, Araraquara e São Paulo-Minas. Elas originaram a Fepasa (Ferrovia Paulista S.A.), em 1971.
O cenário geral é de abandono e depredação. Houve casos em que a reportagem dirigiu 15 quilômetros em estradas de terra para chegar às estações, às vezes até sem energia elétrica, mas mesmo assim alvo de invasões e de depreciação do patrimônio público.
Em meio a lavouras de cana-de-açúcar, a Coronel Pereira Lima hoje abriga o acampamento Vanderley Caixe (1944-2012), nome dado em homenagem ao advogado defensor dos direitos humanos, dos sem-terra e um dos fundadores das Faln (Forças Armadas de Libertação Nacional), grupo opositor à ditadura militar (1964-85) organizado e nascido em Ribeirão Preto (a 313 km de São Paulo).
Seus integrantes –20 famílias– ergueram há cerca de seis anos barracos ao lado da plataforma de embarque da antiga estação, que tem um dos cômodos utilizados como local de reuniões do MST e também como sala de aula de cursos oferecidos no local.
Além da própria plataforma –que recebeu lâmpadas para encontros noturnas do grupo e para dar mais segurança aos acampados–, o cômodo é o único espaço em condições de uso na estação, que enfrenta problemas no piso das outras áreas e sofre com comprometimento no telhado.
“Nunca pensamos em ocupar a estação, ao contrário, ela deve ser preservada. Ali há história viva, que precisa ser mantida. O problema é que é muito difícil manter sem apoio”, disse Neusa Botelho Lima, integrante da direção estadual do MST.
Moradores do local, que plantam hortaliças e frutas, disseram que demolir o prédio nunca fez parte dos planos.
Das lousas que indicavam os horários de chegada e partida dos trens, da placa que mostrava a quilometragem e dos dísticos –onde ficam escritos os nomes das estações, nas paredes laterais– pouco resta.
Os invasores ouvidos pela Folha alegam que o objetivo é usar a estação como escola e espaço cultural, caso consigam a posse definitiva das terras da valorizada propriedade rural.
Ainda há casas da antiga vila ferroviária no entorno, que também sofrem com a ação do tempo, além de vandalismo –a única proteção nas últimas décadas foi uma cerca de arame farpado.
“Ninguém toma conta e só as paredes estão resistindo bem”, disse o agricultor Leônidas Silva, que trabalha numa propriedade rural próxima à estação.
HISTÓRIA
A estação de Sales Oliveira surgiu antes mesmo da instalação oficial da cidade, o que ocorreu em 1945. Ela fazia parte do ramal de Igarapava da Mogiana, aberto em 1899. Nas primeiras décadas, era chamada de Porangaba, mas teve o nome alterado na década de 50 para homenagear o coronel dono da fazenda em que ela estava.
Os trilhos não existem mais –nem vestígios há– desde que a também já extinta Fepasa os retirou na segunda metade dos anos 80.
Nem eram necessários à época, pois cargas e passageiros já não passavam por ali desde 1979, quando houve alteração no antigo traçado da Mogiana, conforme documentos da Fepasa.
Quando a rota dos trilhos foi alterada, surgiu outra estação, homônima e bem menor, inaugurada nos anos 80 e que, apesar de ainda ter os trilhos, também está fechada. É uma pequena estação, quase um ponto de ônibus, que abrigava os poucos passageiros que ali aguardavam os trens até 1997, quando o serviço foi desativado.
Há, ainda, outras duas estações no município. Uma abriga serviços públicos, enquanto a outra serve como moradia.
CONFLITO
A depender da atuação de órgãos públicos na preservação da estação, o futuro da Coronel Pereira Lima é altamente incerto.
A SPU (Secretaria de Patrimônio da União), vinculada ao Ministério do Planejamento, informou ainda no ano passado que está aguardando a transferência da estação pela inventariança da extinta RFFSA (Rede Ferroviária Federal).
Já a inventariança informou que, com a extinção da RFFSA, regulamentada por meio de um decreto de 2007, a propriedade dos bens imóveis não-operacionais –caso da antiga estação– foi transferida para a União, representada pela SPU.
Não-operacional é um bem que não fez parte do arrendamento às concessionárias de transporte ferroviário de cargas na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Os sem-terra afirmam que, conflitos governamentais à parte, as terras pertencem ao governo federal e estão inutilizadas, sem cumprir sua função social, razão pela qual devem ser incluídas na reforma agrária.
Enquanto esse imbróglio não se resolve, telhado apodrece, janelas e portas caem e parte da história é destruída a cada dia na cidade do interior paulista.
É um cenário que difere do encontrado em Pitangueiras, na estação Passagem. O local também teve o entorno invadido por membros da USTS (União dos Sem-Teto e Sem-Terra de Sertãozinho), mas a estação, embora não tenha portas e janelas definitivas, foi pintada com cores semelhantes às originais pelos novos moradores da região.
Fonte: Folha de São Paulo, 07/04/2019
https://sobretrilhos.blogfolha.uol.com.br/…/sem-terra-inva…/
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