O governo mobilizou suas forças e já procurou pelo menos quatro ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), nas últimas semanas, para evitar uma derrota no julgamento mais importante para seus planos na área de infraestrutura. Estão em jogo mais de R$ 25 bilhões de potenciais investimentos nas ferrovias que já pediram a renovação antecipada dos seus contratos de concessão.
A constitucionalidade da Lei 13.448 de 2017, que abriu caminho para as prorrogações, foi questionada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). O presidente do Supremo, Dias Toffoli, agendou para o dia 20 de fevereiro a análise da ação em plenário. Apesar do desfecho ainda desconhecido, o cenário já foi mais promissor para as concessionárias e para o governo, que tem as extensões contratuais como prioridade. No fim de novembro, o Tribunal de Contas da União (TCU) deu sinal verde para mais 30 anos de concessão da Malha Paulista, controlada pela Rumo, em troca de investimentos estimados em até R$ 7 bilhões. A notícia foi recebida com entusiasmo pelo governo, que esperava ter limpado o terreno para outros pleitos bilionários, como o das ferrovias operadas pela Vale.
Poucos dias depois, no entanto, veio a público um relatório da área técnica do TCU colocando em xeque a prorrogação da Estrada de Ferro Carajás (EFC), uma das duas concessões da mineradora – a outra é a Vitória-Minas. Outro sinal de alerta para o governo vem agora com o posicionamento adotado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. Ele disse ao Valor que manterá a linha de sua antecessora, Raquel Dodge, autora da ação de inconstitucionalidade, e que está preparado para sustentar a defesa de nova licitação das ferrovias.
Dodge pediu a suspensão de três dispositivos da lei: o artigo 6º (as concessionárias poderão renovar seus contratos cumprindo apenas parte dos requisitos de segurança e produção ao longo do tempo); o artigo 25º (que permite ao governo celebrar os novos contratos sem arrendamento dos bens existentes, repassando todos os ativos à concessionária); e o artigo 30º (com a possibilidade de investimentos cruzados, ou seja, em outros trechos ferroviários).
O nosso entendimento é o mesmo, não alteramos nada, afirmou Aras. Os valores são os mesmos: assegurar o processo licitatório e a garantia de igualdade entre todos no certame. Em segundo, a liberdade de concorrência, sem privilegiar quem já se encontra lá de modo a se perpetuar na concessão. E terceiro: liberdade de iniciativa. Se não há essa liberdade de concorrência, fere-se a liberdade de iniciativa. Pautado inicialmente para 11 de dezembro, o julgamento foi adiado. Com receio de ver seus planos frustrados na agenda de ferrovias, o governo deflagrou uma ofensiva no STF.
Os ministros Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura) e André Mendonça (Advocacia-Geral da União) expuseram pessoalmente seus argumentos para Toffoli, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso.
Ao Valor Mendonça disse que o artigo 175 da Constituição assegura a possibilidade de prorrogação dos contratos. As renovações vão permitir o maior programa de redimensionamento da infraestrutura logística no Brasil, resgatando tanto investimentos como empregos e permitindo o escoamento mais barato da produção, afirmou o titular da AGU.
Além de modernizar a Malha Paulista, com investimentos como a duplicação de um trecho de 111 quilômetros entre Itirapina e Campinas, o governo prevê usar a renovação de outras concessões para tirar do papel as obras da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico) e pelo menos parte da Vitória-Rio. Elas seriam contrapartidas do setor privado ao direito de explorar as atuais concessões por outros 30 anos. Temos bons argumentos e estamos confiantes em um desfecho favorável, acrescentou Tarcísio Freitas.
No mercado, uma avaliação é que o governo tentaria assinar com a Rumo, antes do julgamento no STF, o aditivo contratual da Malha Paulista. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) está fazendo os ajustes determinados pelo acórdão do TCU na versão inicial do contrato.
Por isso, a Frente Nacional pela Volta das Ferrovias (Ferrofrente) pediu à relatora do caso, ministra Carmen Lúcia, uma medida cautelar enquanto o plenário não decide, alegando periculum in mora (perigo da demora). O tempo está passando a favor das concessionárias, o que é péssimo para o Brasil, diz o presidente da entidade, José Manoel Ferreira Gonçalves. Não podemos conviver com o jeitinho que a Lei 13.448 instituiu no setor ferroviário, mantendo de forma indevida concessionárias incompetentes na prestação de serviços estratégicos na integração nacional, como é o caso das ferrovias.
Em dezembro, a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) se posicionou contra um exame monocrático da questão por Carmen Lúcia e elencou razões para defender as renovações das ferrovias. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) se pronunciou no mesmo sentido.
Fonte: Valor Econômico, 06/01/2020