Um novo desafio para o setor ferroviário foi colocado pelo governo federal neste ano: o Ministério da Infraestrutura tem como meta conceder 537 km da Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste), entre Ilhéus (BA) e Caetité (BA) e 1.142 km da Ferrogrão. A iniciativa tem como objetivos destravar antigos gargalos logísticos e atrair novos investimentos para o país. Porém, o projeto ainda esbarra em entraves relacionados à insegurança jurídica e à necessidade de composição de uma matriz de riscos que seja atrativa para os investidores.
A Fiol, quando pronta, deve se tornar um importante caminho de escoamento do minério que sai do sul da Bahia (Caetité e Tanhaçu) e de grãos da região oeste do mesmo estado. Existe ainda a possibilidade de uma integração futura com a NorteSul, o que traria melhora para as condições logísticas do país. Entre os benefícios esperados com a nova ferrovia, estão a redução dos custos de transporte de grãos, álcool e minérios destinados aos mercados interno e externo; a ampliação da produção agroindustrial da região; e a interligação dos estados de Tocantins, Maranhão, Goiás e Bahia aos portos de Ilhéus (BA) e Itaqui (MA).
Já a Ferrogrão deve servir de combustível para o agronegócio mato-grossense, com foco principal no escoamento da safra, abrindo caminho para a expansão da produção de soja, milho e algodão. A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) prevê uma capacidade de escoamento de 58 milhões de toneladas de grãos por ano. Hoje, mais de 70% da safra do Mato Grosso é escoada pelos portos de Santos (SP) e de Paranaguá (PR), a mais de dois mil quilômetros da origem. Além disso, a ferrovia pode ser o novo corredor ferroviário de exportação do Brasil pelo Arco Norte, aliviando o tráfego da BR-163.
Para o coordenador do Centro de Estudos de Transportes da FGV (Fundação Getulio Vargas), Marcus Quintella, o alto valor dos investimentos previstos nas obras pode ser um entrave para os projetos. “Eu não acredito que exista dinheiro privado suficiente para fazer uma ferrovia inteira, como é o caso da Fiol. Há sempre dinheiro público para compor, por isso vejo isso de forma bastante temerária. Aliado a isso, temos a falta de segurança jurídica e questões políticas. É um investimento de longo prazo. É preciso construir. Mas não se sabe o que irá acontecer em um próximo governo”.
Quintella ainda destaca que o investidor só irá participar dos leilões se existir um projeto bem estruturado. “O investidor só põe a mão quando ele vê uma planilha de risco definida, junto com projetos bem delineados. Não sei como os investidores estão vendo o país. Eles precisam construir e, depois, operar. Para isso, é preciso ter garantias de várias ordens. Existe uma matriz de risco muito complexa; e o compartilhamento de risco é uma chave para o leilão, coisas que não são atrativas para a iniciativa privada. Ainda há o fato de o projeto inicial da Fiol considerar a integração com a NorteSul, mas o projeto atual não contempla isso. Como o Estado irá se comportar para atrair a indústria e os demais atores?”, questiona.
Para o diretor-executivo da ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários), Fernando Paes, alguns desafios da Fiol já foram superados com o leilão no ano passado do Tramo Central da Ferrovia Norte-Sul. “Você tem uma obra já em andamento, mas é preciso definir como será feita a conclusão: pela Valec ou por uma nova concessionária.”
De acordo com ele, a Ferrogrão impõe outros desafios. “Há a questão do licenciamento ambiental, pois é uma via que atravessa parte da Floresta Amazônica. Outro desafio é o Funding – captação de recursos financeiros para o investimento específico. Diferentemente da Fiol, a Ferrogrão não tem construção iniciada e, a princípio, não ocorrerá pela Valec. É um outro tipo de modelo, que começa praticamente do zero, cujas construção e operação serão feitas pela iniciativa privada.”
Na visão de Paes, após superados os desafios, qualquer iniciativa de projeto público ou privado que contribua para a expansão da malha ferroviária será muito bem-vinda. “A execução de tais projetos levará a um melhor balanceamento da matriz de transporte brasileiro. Por isso, defendemos a expansão da malha e um melhor equilíbrio da matriz”, destaca o executivo.
Fonte: ABIFER, 21.02.2020