O Diário do Transporte conversou nesta quarta-feira, 29 de abril de 2020, com o presidente da ABIFER – Associação Brasileira da Indústria Ferroviária, Vicente Abate.
Em dezembro de 2019, num balanço feito em coletiva de imprensa, a Associação já alertava para a necessidade de um 2020 melhor, tendo em vista as dificuldades que o setor já enfrentara naquele ano. As perspectivas para 2019, feitas no ano anterior e que já eram pessimistas, haviam se mostrado em realidade muito pior do que o imaginado.
“Havíamos previsto 1500 vagões para 2019, e fechamos com 686”, diz Abate. Com esses números, o presidente da Abifer afirma que o setor voltou 20 anos no tempo, “voltamos à época em que se iniciaram as concessões do setor ferroviário no País”. Considerando a média de produção dos últimos 10 anos, segundo Abate, a taxa de ociosidade da indústria está em torno de 70%, o que é um número dramático, segundo ele.
Com a pandemia do coronavírus, que veio trazer um arrefecimento brutal da atividade econômica em todo o planeta, o setor ferroviário ligou o alerta vermelho.
“Prevíamos para 2020 um número de manutenção de 40 locomotivas, o que já era desastroso, e na carga esperávamos fazer 2 mil vagões, não fosse a pandemia”. Segundo Abate, já havia uma sinalização positiva por conta do contrato de renovação da concessão da Rumo, prestes a ser assinado. Agora, isso mudou.
“Não vamos atingir seguramente os números pretendidos, e isso gerou uma insegurança muito grande no setor”, confessa Vicente Abate.
O que acontece hoje com praticamente todos os setores, reflete-se com gravidade no transporte coletivo de passageiros e de cargas, seja aéreo, rodoviário e urbano por ônibus, e principalmente por trilhos.
“Estamos num movimento de pedir ao governo federal um crédito emergencial para que o setor não pare no segundo semestre”, conta Abate. No primeiro semestre as fábricas vão zerar as carteiras de pedidos com a entrega de pedidos feitos em 2019. Ele diz que a Abifer está contando com o apoio nessa luta de entidades como a Fiesp e a CNI, mas o temor agora é o socorro não chegar a tempo.
“Nós já tínhamos algumas associadas em processo de recuperação judicial, e caso não haja uma ação rápida, essa situação pode aumentar esse número”, diz Abate.
Para aqueles que vislumbram uma nova realidade pós-pandemia com menos gente no transporte público, Abate pondera: o transporte coletivo é essencial às grandes cidades. “Não é possível imaginar que uma metrópole como São Paulo, com 11 milhões de habitantes, possa prescindir do uso do trem, do metrô, dos ônibus. Evidente que o teletrabalho é uma realidade, algo que veio pra ficar, mas isso quando muito redundará num pequeno decréscimo da demanda, jamais será uma solução”, diz.
As pessoas continuarão precisando se locomover, e a maioria delas ainda é dependente do transporte coletivo, até porque, diz Abate, pelo modelo de cidades que construímos, o transporte individual se tornou impeditivo, não temos infraestrutura para isso.
A solução, segundo ele, é uma nova situação que os transportadores terão que criar, garantindo maior segurança para os passageiros, com menor lotação, e maior eficiência, portanto.
“O que vemos hoje, com maior higienização nos trens, deverá se tornar rotina”, afirma Abate. “O próprio passageiro deverá se cuidar, com uso constante de máscaras”, acredita.
Esse “novo normal”, como qualifica o presidente da Abifer, deverá ser resultado de um maior planejamento do transporte, que envolva não só os transportadores, como o setor produtivo e as autoridades públicas do município e do estado, que deverão buscar formas de produção que diversifiquem os horários, modificando hábitos.
Abate cita o caso hoje da Linha 4-Amarela, em que há sinalização da lotação por carro do metrô. Ele acredita que medidas como essa deverão ser implantadas em todo o sistema, visando garantir um controle maior da lotação no setor e evitar maiores aglomerações, não só nos carros, como nas próprias estações.
Distribuir melhor os horários seria uma das variáveis que precisarão ser planejadas num esforço conjunto, afirma o presidente da Abifer, citando que o uso da tecnologia será essencial desde já.
Vendo desta maneira, e entendendo que não é possível prescindir do transporte coletivo, ao invés de menor demanda, Abate aposta na necessidade de mais trens “para distribuir melhor as pessoas”.
“Teremos de limitar a lotação do trem, não será cabível mais transportar 9 pessoas por metro quadrado”, diz.
Assim, defende Abate, é essencial manter o sistema produtivo vivo, em condições de agir com rapidez no momento da retomada. Segundo ele, a boa notícia é que o BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, já deu sinais de que está preocupado com o segmento de transporte sobre trilhos.
Segundo ele ouviu de um diretor do Banco, dentre as medidas emergenciais que estão sendo estudadas para vários setores como turismo, elétrico, empresas áreas, e transporte coletivo, o transporte sobre trilhos está nessa relação.
Isso significa a existência de um crédito emergencial que permita aos fabricantes antecipar pedidos por mais trens e garantir a sobrevivência de toda uma cadeia produtiva, preparando o país para que, no momento da retomada, haja condições que permitam suportar uma arrancada produtiva.
Abate, no entanto, faz questão de lançar uma visão otimista. Para ele, o sentimento de solidariedade está se reforçando. Os diferentes setores da produção sabem que se todos se ajudarem, todos serão capazes de atravessar essa fase.
Fonte: Diário do Transporte, 30/04/2020
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