Indústria 4.0 já está no setor ferroviário brasileiro

A empresa americana RailPod chega no Brasil em novembro com seu sistema de inteligência para a gestão de ativos e inspeção de via férrea – um dos mais promissores do mundo. Nesta entrevista, Emiliano Matos – CEO da RailBotic – nos conta sobre esta solução e como serão os próximos passos destes serviços nas ferrovias brasileiras.

RF: O que exatamente é este sistema inteligente autônomo de inspeção e o que ele faz?

EM: É uma plataforma de soluções – software e hardware – para o setor ferroviário, podendo também ser utilizada para levantamentos de dados em outros modais (aeroportos e rodovias).

O hardware é um robô (Unidade de Inspeção Compacta – UIC), veículo elétrico, silencioso, de grande autonomia, com múltiplas configurações e sistemas tecnológicos embarcados, para obtenção de dados confiáveis e de alta precisão. Pode ser programado em modo autônomo, para trafegar em áreas de risco – ambiental e urbana. Permite também ser acoplado a um veículo hi-rail ou em uma composição ferroviária, para testes de bitola dinâmica.

Nossa proposta de valor na RailPod é uma solução tecnológica 4.0 – all in one. O software é um Portal de Dados DAAS – Data As A Service, onde as informações são processadas e disponibilizadas na plataforma web ou no smartphone (on time). A operação é IoT, Internet of Things. O equipamento acessa a via férrea com facilidade e rapidez, utilizando um único operador que é capaz de realizar todo o processo com agilidade e segurança.

RF: Onde este equipamento se insere e quais são as vantagens de sua utilização?

EM: A manutenção da Via Permanente é uma divisão estratégica, de capital intensivo de recursos. Para não ocorrer a paralisação da operação ferroviária, seja na movimentação de cargas ou de passageiros, a manutenção deve ser assertiva e imediata. Num cenário cada vez mais competitivo, nosso equipamento é uma importante ferramenta de coleta de dados para a análise da integridade da via. O acesso a essas informações se dá de maneira rápida e precisa. Os dados são disponibilizados para o setor de inteligência do departamento de Engenharia, Planejamento e Controle de Manutenção – PCM. Os dados permitem a tomada de decisões e ações imediatas. Estamos entrando no mercado com um diferencial que é a transformação digital acessível, de precisão e muito confiável, de modo a agregar inovação ao setor ferroviário.

RF: Então a indústria 4.0 já é realidade neste equipamento. E quanto à disponibilidade de dados e resultados obtidos, como é feita a apresentação destes relatórios ao cliente?

EM: De fato, a empresa já nasceu na indústria 4.0. Os dados são coletados com alta precisão pelo equipamento que opera na via.

A apresentação dos resultados se dá em uma aplicação web, onde todas as informações estão consolidadas, constituindo um painel de controle (dashboard) altamente amigável e customizável. As informações estão digitalizadas e rapidamente acessíveis.

É possível gerar relatórios de dados atualizados versus históricos e observar padrões de mudanças e características na via, subsidiando a tomada de decisões para os ciclos de manutenção preditiva, antecipando falhas, com segurança, confiabilidade e menor custo.

RF: A indústria 4.0 é um desafio mesmo em países muito desenvolvidos. A ABDI estima em 15% o total de empresas que aplica manufatura avançada digital, na Coréia do Sul, EUA, Israel e Alemanha. No atual cenário econômico brasileiro quais são as expectativas da RailPod?

EM: No Brasil este percentual é ainda mais incipiente, cerca de 2%. O Ministro de Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas anunciou, em setembro, prioridades de investimentos no setor ferroviário brasileiro. Espera-se injeção acima de R$ 40 bilhões, elevando a participação logística de 15% para 30% até 2025. A ampliação do setor deve aumentar a competividade de empresas atuantes neste segmento. O nosso objetivo é fornecer resultados mais precisos e confiáveis da via permanente, através da combinação da Robótica, Big Data e Inteligência, acompanhando a tendência de crescimento do setor, decorrente das renovações de contratos de concessões e, também, da implantação de novos empreendimentos ferroviários.

RF: O sistema ferroviário brasileiro é bastante singular. Temos estradas que operam desde o período imperial e novas ferrovias, em projeto ou execução. Como é o desempenho do seu equipamento em uma infraestrutura tão diversa, com diferentes bitolas e estados de conservação?

EM: Sim. O sistema ferroviário brasileiro é diversificado e complexo. Em razão da multiplicidade de bitolas, o robô já chegará adaptado para operar nas 3 (três) bitolas – métrica, standard e larga. Se o problema era a bitola, temos o equipamento ideal: um tri-tola para 3-bitolas. O sistema também dispõe de uma biblioteca de dados de praticamente todos tipos e perfis de trilhos, permitindo a identificação e análise diagnóstica. Nosso equipamento já atende à demandas que exijam conectividade de alto desempenho, 5G e de confiabilidade. São avanços expressivos na velocidade de transmissão de dados, capacidade de armazenamento e na conectividade com outros aparelhos móveis para tornar o processo mais interativo e acessível.

O nosso sistema é monitorado remotamente por analistas de dados, por celular e Wi-Fi, que confirmam se os dados coletados são processados com precisão, fornecendo resultados da mais alta qualidade ao cliente.

RF: Como surgiu essa ação de parceria com a RailPod?

EM: Sabia da necessidade do mercado brasileiro e o potencial das Ferrovias. Então, estava buscando uma expertise ou mudança de paradigma. Ao encontrar a RailPod e conhecê-la a sinergia foi imediata. Assim, foi estabelecida a parceria.

Hoje, como sócio e membro do board da empresa, compartilho das tomadas de decisão, dos desenvolvimentos e tecnologias da companhia, como a questão da bitola que já foi uma customização específica.

RF: A área de manutenção normalmente exige mobilizações de capital humano e numerosos equipamentos. São setores conservadores e tradicionais. Como inovar nesse segmento o processo de inspeção para se alinhar ao novo modelo de indústria 4.0?

EM: Com agilidade!!! Estamos apostando em mudanças no Brasil. O equipamento é compacto, leve, ágil, opera sem danificar o trilho (sistema não-GRMS), e está dotado com sistemas de última geração embarcados como o 5G. Nele se coletam dados em maior número, com mais precisão, confiabilidade e com níveis de exatidão superiores ao estabelecido pela FRA (Agência Reguladora de Ferrovia Americana). Todos os parâmetros de inspeção, como geometria da via permanente, perfil do trilho, mapeamento e cadastro de ativos, levantamento de gabarito ferroviário, faixa de domínio entre outros, são obtidos em processo único e digitalizado para o desenvolvimento da ferrovia.

Podemos comparar com aquilo que aconteceu na área de telecomunicações. O smartphone desbancou a telefonia fixa, aparelhos multi-ramais e os orelhões. Isso é disrupção!

Estamos a frente no processo de inovação e digitalização de dados.

RF: E já que estamos falando de Ferrovia qual é o lastro que levou ao alcance desse resultado? De onde veio esse background?

EM: Iniciei minha vida profissional de engenheiro civil, em 2001, na VEGA Engenharia, fundada por meu pai engº José (Zé) Matos, com 50 anos de trabalho, experiência e excelência em projetos ferroviários. Em 2010/2011, fui responsável pelo processo de venda da nossa empresa para o grupo francês EGIS Ingenierie, onde fui Diretor por 8 anos. Atuei em diversas áreas e missões internacionais.

Toda essa vivência me trouxe grande lastro e uma definição clara de novas metas e horizontes, mas o foco permanece o mesmo: oferecer para a ferrovia brasileira o que há de melhor.

RF: E quanto aos americanos?

EM: Assim como nós, eles também têm uma trajetória de paixão pelas Ferrovias.

O CEO da RailPod Brendan English, é formado em Engenharia da Computação pela Universidade Amherst em Massachusetts. Trabalhou durante 14 anos no Departamento de Transporte dos Estados Unidos – Volpe Center, em programas de desenvolvimentos tecnológicos de visão de voos para aviação. Capitão veterano da Força Aérea americana, foi durante seus treinamentos militares como piloto de Sikorsky Pave Hawk, que observava de seu cockpit a complexidade da malha ferroviária americana e o grande desafio na gestão dessa infraestrutura extremamente estratégica. A malha americana possui 270.000 km, 10 vezes maior que a malha ferroviária brasileira.

Apurou que havia estatística preocupante nos EUA sobre segurança da via. Segundo a FRA, a cada dia ocorrem, em média, 2 (dois) descarrilhamentos causados principalmente por condições precárias da via. Isto leva a perdas e prejuízos imensos para o sistema. A partir dessa necessidade, ele criou a RailPod, uma inovação para inspeção de ferrovia, desenvolvendo um equipamento específico com a tecnologia de sistemas de última geração para coleta de dados de inspeção de geometria, com processamento de dados em nuvem.

Em 2013, ganhou um prêmio como solução inovadora em disputado concurso de startups MassChallenge. Na sequência, recebeu o 1º aporte de US$ 2,5 milhões de investidores do setor.

Desde então, mais investimentos foram realizados e novos desenvolvimentos e gerações do equipamento foram implementadas, aprimorando a precisão da inspeção de geometria da via e incorporando outras soluções no mapeamento e gestão de ativos ferroviários, incluindo a varredura com o uso do LiDAR e suas aplicações relacionadas, tais como medição de catenária e gabaritos. Também, foram incorporadas melhorias contínuas no portal de dados baseado na web, tornando o acesso ao usuário customizável e ainda mais fácil.

Hoje, os principais investidores e membros do board são provenientes do setor, com experiência nas principais ferrovias Classe 1 norte-americanas.

De acordo com levantamento realizado pela empresa austríaca STARTUS INSIGHTS, especializada em mapear as empresas mais inovadoras em seu âmbito de atuação, a RailPod está incluída, mundialmente, entre as Top 3 em manutenção preditiva .

RF: E quando vamos ver o robô operando no Brasil?

EM: O início previsto é para final de novembro. O laboratório de Teste 4.0, em 2 bitolas (métrica e larga), em trilhos AREMA 90/115 ou TR-45/57, já estará pronto em Curitiba para apresentação a clientes . Na apresentação , em visitas técnicas , poderemos ainda demonstrar o desempenho em campo , num ramal ferroviário. É um equipamento poderoso, simples, fácil de operar, motivo pelo qual o 1 o operador contratado da empresa nos Estados Unidos, foi recrutado em uma feira de emprego Highschool (ensino médio americano).

O equipamento pode ainda ser empregado para fazer levantamento s utilizando o LiDAR para obtenção de pontos em nuvem em rodovia s e aeroporto s, além da inspeção da malha metro -ferroviária.

Portanto, o robô tem múltiplos usos, aplicabilidades e soluções que não se limitam à inspeção de geometria da via .

As oportunidades são imensas para o setor metro-ferroviário no país. E, ainda , há um universo a ser explorado. A RailPod através da inovação e novos modelos se insere nesse ecossistema de negócios oferecendo uma proposta de valor , gerando resultados imediatos e perenes para o setor.

Biografia do Emiliano

Engenheiro Civil pela UFPR, Msc. in Engineering na Columbia University – NY. Foi sócio na VEGA Engenharia. Foi Diretor por 8 anos na multinacional EGIS no Brasil, até 2019. Iniciou a Rail -Botic em 2020 no Brasil, e tornou-se sócio-investidor na RailPod nos EUA. Filantropo e pensando em legado social, fundou com a sua esposa, o Instituto IcoProject, com o propósito de eliminar os estigmas da sociedade com relação ao Autismo, tendo parceria com a OMS, a fundação americana Autism Speaks, UFPR e Prefeitura Municipal de Curitiba.

Fonte: Revista Ferroviária, 03/11/2020

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