Depois de ter atingido os piores indicadores da década em 2019 e demitido quatro mil trabalhadores nos últimos quatro anos, a indústria ferroviária reencontrou o caminho do crescimento. O início da recuperação, verificado na forte alta das encomendas para locomotivas e vagões com entrega prevista em 2021, é efeito direto da renovação antecipada de concessões pelo governo federal e de novos projetos entrando no setor.
A concessão da Malha Paulista, controlada pela Rumo, foi prorrogada por 30 anos em maio. No mês passado, foi a vez das estradas de ferro Vitória-Minas (EFVM) e Carajás (EFC) – ambas da Vale. Os processos da MRS Logística e da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) estão em andamento. As discussões começaram em 2015, ainda no governo Dilma Rousseff, e as concessionárias reduziram seus investimentos em novos equipamentos enquanto não tinham uma definição sobre o período de vigência dos contratos. Eles agora estão sendo estendidos até 2058.
Os principais aportes das concessionárias na modernização de suas próprias malhas, bem como desembolsos exigidos na construção de novas ferrovias como contrapartida às renovações antecipadas de contratos, serão feitos gradualmente ao longo dos próximos anos. Por isso, a Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer) já fala com segurança sobre estimativas de produção para a década pela frente.
De acordo com o presidente da entidade, Vicente Abate, a expectativa do setor é entregar uma média anual de 3,8 mil vagões e 83 locomotivas ao longo da década de 2020. Na anterior, a produção foi de 3,4 mil vagões e 90 locomotivas por ano, em média.
“Estamos vivendo o início da retomada. Hoje temos 16 mil trabalhadores no setor, mas poderemos recuperar os empregos perdidos e até ultrapassar a quantidade de mão de obra empregada em 2016, que chegava a 20 mil pessoas”, diz o executivo.
Os primeiros efeitos da retomada já podem ser observados. A quantidade de vagões produzidos deve passar de 1.672 no ano passado para cerca de 2.500 em 2021. No caso das locomotivas, as entregas sairão de 29 para 61.
Outras indústrias, como a fabricantes de dormentes de aço Hidremec, confirmam esse movimento de recuperação. A empresa, sediada em Cariacica (ES), fechou contrato recente com a Rumo para fornecer seus equipamentos nas obras de ampliação da Malha Paulista. Mesmo sem abrir números, o diretor industrial, Carletto Gordano, diz que está otimista: “Essas renovações são importantes para o mercado ferroviário e, com certeza, vão aumentar a produção em geral”.
Um aspecto positivo, segundo Abate, é que os novos projetos vão saindo do papel progressivamente e dão mais previsibilidade à indústria. É um processo de 5 a 8 anos, gradual, porque entra tudo em sequência”, afirma. Depois dos investimentos nas próprias malhas das atuais concessionárias, vêm empreendimentos como a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico) e a linha Anchieta-Cariacica (Espírito Santo), negociadas como contrapartidas à renovação da Vale.
Também estão sendo executados os projetos da Norte-Sul (concedida em 2019), a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (com leilão marcado para março) e a Ferrogrão, que o governo ainda tentará licitar no fim deste ano.
Apesar de tudo isso, as principais indústrias de locomotivas e vagões ainda estão com 75% a 80% de ociosidade em suas linhas de produção. Um dos motivos para isso é a paralisia na fabricação de trens para passageiros, associados a projetos de mobilidade urbana.
A quantidade de trens caiu de 99 em 2019 para 72 no ano passado. Neste ano, deve diminuir para 43 unidades. Abate, no entanto, acredita numa virada porque há projetos sendo destravadas em grandes cidades do país.
O executivo cita a retomada de obras da linha 6 e a ampliação da linha 2 do Metrô de São Paulo, a concessão das linhas 8 e 9 da CPTM (com leilão agendado para o início de março) e o “people mover” do aeroporto de Guarulhos (SP). Também está em curso a fabricação de trens que serão exportados para Taipei e Bucareste.
Fonte: valor.globo.com, 22/01/2021