A Canadian Pacific Railway concordou em adquirir a Kansas City Southern em uma transação avaliada em cerca de US$ 25 bilhões que criará a primeira rede de frete ferroviário ligando México, Estados Unidos e Canadá.
A combinação, que enfrenta uma longa revisão regulatória, é uma aposta em longo prazo em uma economia norte-americana interconectada. Os três países estão reabrindo em velocidades diferentes depois que a pandemia de Covid-19 perturbou as cadeias de suprimentos e abalou o comércio global.
Os volumes de tráfego nas ferrovias, que despencaram no ano passado, se recuperaram apesar de atrasos nos portos da Califórnia terem retido as importações da Ásia e paralisado algumas fábricas americanas.
O negócio marca a terceira maior ferrovia dos EUA que a companhia canadense visa em sua tentativa de criar uma rede transcontinental. A Canadian Pacific abandonou as duas tentativas anteriores —em 2014 e 2016— em meio à resistência dos próprios alvos da aquisição, além de oposição de rivais, despachantes e órgãos reguladores dos EUA.
Keith Creel, executivo-chefe da Canadian Pacific, disse que as lições das tentativas fracassadas foram aprendidas. Ele espera o apoio da Kansas City Southern para a fusão proposta e disse que a falta de duplicação de linhas férreas entre as duas companhias vai minimizar as potenciais preocupações dos reguladores.
“Você tem duas companhias de mentalidade semelhante que estão comprometidas com isso e veem seu valor”, disse ele.
Patrick Ottensmeyer, CEO da Kansas City Southern, disse que o novo acordo comercial EUA-México, que substituiu o Nafta em julho de 2020, cria uma oportunidade única para o transporte de carga pelos três países enquanto suas economias se recuperam da pandemia.
“Esta companhia vai ter uma pegada ferroviária na América do Norte que é realmente incomparável”, disse Ottensmeyer em entrevista. A ferrovia combinada poderá reduzir a necessidade de caminhões para ligar os locais de produção e permitirá que a carga evite os portos congestionados da Califórnia.
Se for aprovado pelos reguladores, o negócio unirá as duas menores das sete grandes transportadoras de carga da América do Norte, ligando fábricas e portos no México, fazendas e fábricas no meio-oeste dos EUA e portos oceânicos e recursos energéticos do Canadá.
A transação terá de ser aprovada pelo Conselho de Transporte de Superfície (STB) dos Estados Unidos, que exige que grandes combinações de ferrovias demonstrem que estão operando no interesse público ao reforçar a concorrência. Os parceiros da fusão disseram esperar que a revisão do conselho esteja pronta em meados de 2022.
A companhia combinada, que se chamará Canadian Pacific Kansas City, terá cerca de US$ 8,7 bilhões em receitas anuais e empregará quase 20 mil pessoas. Ela será dirigida por Creel, da Canadian Pacific. Os investidores da Kansas City ficariam com cerca de 25% das ações da entidade combinada. Segundo Creel, não há planos de redução de pessoal se a fusão for aprovada.
Creel afirmou que as negociações foram iniciadas no final do ano passado depois que ele ligou para Ottensmeyer para propor uma fusão que a Kansas City tinha recusado em anos anteriores. Na época o conselho da Kansas City estava analisando propostas de firmas de capitais privados que desejavam tirá-la da Bolsa.
A Kansas City recusou em setembro uma proposta de aquisição avaliada em aproximadamente US$ 20 bilhões do Blackstone Group e da Global Infrastructure Partners, segundo relatou o Wall Street Journal.
Os diretores da Kansas City afinal aprovaram a oferta da Canadian Pacific porque os acionistas manteriam uma posição minoritária na companhia fundida, segundo pessoas inteiradas do assunto.
As companhias disseram no domingo (21) que seus conselhos aceitaram um negócio que avalia a Kansas City Southern em US$ 275 por ação em uma combinação de dinheiro e ações. Os investidores da Kansas City receberão 0,489 de ação da Canadian Pacific e US$ 90 em dinheiro para cada ação comum da Kansas City em sua posse.
A Kansas City é a menor ferrovia de frete dos EUA, mas tem um papel importante no comércio EUA-México. Sua rede percorre principalmente a extensão do México, atravessando o Texas e chegando à cidade homônima.
A Canadian Pacific há muito tentava uma união com a Kansas City para ampliar seu alcance em suas movimentadas rotas de carga, que se estendem do México aos estados do sul e meio-oeste dos EUA. As principais linhas da Canadian Pacific percorrem o Canadá, alguns estados do norte dos EUA e ao sul até Chicago.
O líder da ferrovia canadense, Creel, trabalhou de perto com o ex-chefe Hunter Harrison, que fez diversas propostas sem sucesso de comprar a Kansas City Southern. Harrison morreu em 2017 depois de assumir e reformular outra operadora dos EUA, a CSX Corp.
As fusões de ferrovias enfrentam significativos obstáculos regulatórios nos EUA. Sob Harrison, a Canadian Pacific abandonou uma tentativa de US$ 30 bilhões da Norfolk Southern Corp. em 2016 depois que o STB manifestou preocupação sobre a redução da concorrência e potenciais questões de segurança.
A Canadian Pacific também fez duas propostas sem sucesso de combinar-se com a CSX, que, como a Norfolk, opera principalmente no leste dos EUA.
A Kansas City Southern e a Canadian Pacific atualmente têm um único ponto onde suas duas redes se conectam, em uma instalação em Kansas City (Missouri) que operam juntas. A fusão permitiria que trens viajando para norte e sul evitassem ter de trocar de vagões e potencialmente contornar Chicago, um polo movimentado e muitas vezes congestionado no sistema de frete dos EUA.
Os parceiros da fusão disseram que a combinação proposta não reduziria as opções dos clientes, já que não há superposição entre seus sistemas. Eles disseram que a possibilidade de rotas de linha única tiraria caminhões das rodovias dos EUA, reduzindo o congestionamento e as emissões no corredor Dallas-Chicago.
As companhias delinearam um processo de duas etapas para o negócio. A Canadian Pacific criaria um fundo para adquirir as ações da Kansas City ainda neste ano, se os acionistas aprovarem o acordo.
Os acionistas da Kansas City Southern seriam pagos pelo fundo, e a companhia continuaria sendo dirigida pelo conselho e diretoria da Kansas City Southern até que a revisão do STB esteja pronta. Se o órgão regulador recusar a fusão, o fundo dispensará suas ações da Kansas City Southern por um plano a ser aprovado pelo regulador.
A sede global da companhia fundida seria em Calgary, no Canadá. A sede americana ficaria em Kansas City, enquanto a sede mexicana continuaria na Cidade do México e em Monterrey. O acordo proposto deve também ser aprovado pelas autoridades mexicanas.
Para financiar a transação, a Canadian Pacific disse que emitiria 44,5 milhões de novas ações e levantaria cerca de US$ 8,6 bilhões em dívidas. A Canadian Pacific assumiria cerca de US$ 3,8 bilhões da dívida da Kansas City. A companhia espera ter cerca de US$ 20,1 bilhões em dívidas quando o negócio for fechado.
Os parceiros da fusão disseram esperar que o negócio proposto crie ganhos e economias em receitas anuais de aproximadamente US$ 780 milhões em três anos. A Canadian Pacific espera que o negócio aumente seus ganhos em um ano depois que assumir o controle da Kansas City Southern.
Fonte: folha.uol.com.br, 22/03/2021