Com cinco anos de operação completados em junho deste ano, o VLT Carioca, no Rio de Janeiro, tem sido colocado à prova. Além da suspensão dos pagamentos mensais por parte da prefeitura do Rio na Parceria Público-Privada (PPP) que rege o sistema, a redução da demanda de passageiros causada pela pandemia do coronavírus foi mais um golpe. Hoje, 28% da frota está parada – apenas 23 dos 32 trens estão em operação. Mantido em pé unicamente pela iniciativa privada, o modal tem, no entanto, expectativa de dias melhores com uma possível extensão dos trilhos.
Desde maio de 2018, as parcelas mensais de R$ 9,6 milhões não são repassadas pelo governo municipal ao Consórcio VLT Carioca, formado pelo Grupo CCR (hoje o principal acionista, com mais de 75% de participação), e as empresas Invepar, Riopar e Odebrecht Mobilidade. Essa contrapartida contratual é, na verdade, um retorno pelo investimento de quase R$ 1,2 bilhão realizado pela concessionária na implantação do projeto, uma vez que, ao fim do contrato de 25 anos, as instalações, vias e trens poderão retornar ao poder público.
Na época, ao suspender os pagamentos, o então prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) alegou dificuldades financeiras do município e discordância dos termos contratuais, pelos quais a Prefeitura do Rio deveria garantir ao consórcio um equilíbrio econômico-financeiro equivalente ao atendimento de 85% da estimativa de demanda diária de 260 mil passageiros em todo o sistema.
Na prática, a demanda nunca ultrapassou os 130 mil, mesmo após a entrega do último trecho do projeto, o da Linha 3 (Central do Brasil-Aeroporto Santos Dumont), em outubro de 2019. Segundo o VLT Carioca, pouco antes da chegada do novo coronavírus a média diária de passageiros estava entre 110 mil e 120 mil. “No início da pandemia, chegamos a ter uma perda de aproximadamente 90%. Hoje, gira em torno de 50% a 60%”, relata Marcio Hannas, diretor-presidente do VLT Carioca.
Diante da inadimplência, a empresa acionou o município na Justiça em julho de 2019, pedindo rescisão do contrato, além do pagamento da dívida que, hoje, já soma mais de R$ 300 milhões. O processo ainda está em andamento, com idas e vindas. A mais recente decisão ocorreu no dia 7 deste mês, quando o ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), suspendeu a liminar anteriormente obtida pela concessionária para obrigar a prefeitura do Rio a vincular R$ 65 milhões das suas receitas patrimoniais ao cumprimento da obrigação de garantir patrimônio líquido mínimo ao Fundo de Investimento Imobiliário da PPP.
Com a mudança na gestão municipal, que voltou às mãos do prefeito Eduardo Paes (PSD) no início deste ano, as negociações no âmbito administrativo ganharam um novo fôlego. Segundo Hannas, a prefeitura está comprometida em regularizar os pagamentos mensais deste ano, retroativamente a janeiro. “Não temos nada de concreto ainda, a não ser a informação de que eles pretendem regularizar os pagamentos dentro da gestão deles. Acredito que será muito em breve, que estamos perto de voltar a receber”, afirma.
Gestora da operação consorciada na zona portuária, a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp) reconhece que a operação do VLT só não parou, até agora, porque houve interesse dos sócios em sustentar o projeto. Gustavo Guerrante, presidente do órgão, garante que os esforços estão concentrados em retomar os pagamentos, ainda que não haja prazo para isso até o momento. Ele acredita que as demandas do VLT podem ser solucionadas fora dos tribunais. “A questão dos processos se resolve a partir de uma solução que seja satisfatória para todos os atores. O principal, para a gente, é manter a operação”, afirma Guerrante, enfatizando que, mesmo com as ações judiciais e o pagamento ainda em atraso, não há nenhum risco de interrupção do serviço.
Aposta dobrada
Apesar de todo o cenário adverso, a Prefeitura do Rio decidiu dobrar a aposta no VLT, na esteira da iminente retomada das obras de conclusão do BRT Transbrasil, que ligará Deodoro, na Zona Oeste, à Rodoviária Novo Rio, no bairro Santo Cristo. Em abril, foi anunciada oficialmente a extensão das linhas 1 (Praia Formosa-Santos Dumont) e 2 (Praia Formosa-Praça XV) até o Gasômetro, próximo à rodoviária, onde será construído um terminal. A previsão atual é que tanto as obras do corredor quanto o acréscimo de trilhos ao VLT, além da construção dos respectivos terminais, estejam concluídas até o final de 2022.
A Secretaria Municipal de Transportes (SMTR) explica que além do terminal do VLT, haverá, também no terreno do Gasômetro, um terminal para ônibus comuns. A pasta não informou a previsão de incremento diário de passageiros ao VLT, oriundos do BRT, mas estima que a demanda no horário de pico chegando a esse terminal do BRT seja de cerca de 10 mil pessoas. Somando parte desses passageiros à parte dos que chegarão pelo terminal de ônibus comuns, a expectativa é que, na hora de pico, sejam 7 mil usuários a mais para o VLT, pela baldeação.
Segundo Gustavo Guerrante, da Cdurp, a extensão do VLT desde a estação da Rodoviária até o Gasômetro será de cerca de 700 metros de trilhos. Ele afirma que, pelas conclusões iniciais do estudo de demanda, ainda em andamento, não será necessária a aquisição de novas composições, até pela atual ociosidade de parte da frota. “Mas a gente não descarta, claro, que durante a operação, se houver necessidade, a gente inclua novos trens”, ressaltou.
Tanto a construção do novo trecho quanto a operação devem ser viabilizadas por meio de um aditivo ao contrato atual. Márcio Hannas, do Consórcio VLT Carioca, afirma que quando a proposta da prefeitura for apresentada oficialmente, será analisada pelas empresas consorciadas. Assim como Guerrante, ele destaca que no caso de eventual aquisição de novos trens, eles também serão da Alstom, por ser a proprietária do sistema de alimentação elétrica pelo solo. “O modelo do trem pode até ser um pouco diferente, com mais ou menos módulos, ou uma versão mais moderna. Mas tem que ser com a mesma tecnologia”, explica.
No início deste mês, o prefeito Eduardo Paes afirmou, ainda, que após essa extensão o VLT será levado também a São Cristóvão, na Zona Norte, mas ainda não há prazo para isso. Segundo Gustavo Guerrante, seria um acréscimo entre 1 km e 1,2 km, do Gasômetro até o Pavilhão de São Cristóvão. “A ideia de conectar ao Gasômetro é justamente para ‘apontar’ para São Cristóvão, onde temos alguns atrativos muito interessantes, como o Pavilhão, a Quinta da Boa Vista, o Zoológico…”, descreve.
Além das perspectivas de demanda oriunda da Transbrasil, tanto a prefeitura quanto a concessionária confiam na retomada econômica pós-pandemia e no reaquecimento do mercado imobiliário na região portuária e também no Centro do Rio, em função do retorno gradual ao trabalho presencial nos empreendimentos comerciais e da previsão de lançamentos residenciais.
Potencial
No Porto Maravilha, a Cdurp vê como maior fonte de potencial aumento no número de passageiros no VLT, após o fim da pandemia, Aqwa Corporate, localizado em frente à estação Cidade do Samba. “O Aqwa está com 85% locado. São 5.500 pessoas trabalhando. A gente sai para almoçar e vê que as pessoas já estão voltando a trabalhar”, relata Guerrante, citando também o retorno gradual ao trabalho de funcionários do Edifício Nova, sede da L’Oreal Brasil, próximo à estação Parada dos Navios.
Já a expectativa de um adensamento populacional através de moradias – o que já chegou a ser ensaiado antes, sem sucesso – é também depositada unicamente na iniciativa privada. A Cdurp cita como exemplo o Rio Wonder Praia Formosa, empreendimento de 1.224 apartamentos previsto para ser lançado mês que vem pela Cury. Segundo a construtora, cerca de 4 mil pessoas devem morar nos três condomínios, localizados próximos à estação da Praia Formosa, a partir de maio de 2024.
Até hoje, o único grande empreendimento residencial anunciado para a região, desde a inauguração do VLT, não foi adiante. O Porto Vida Residencial, lançado em 2013 na gestão anterior do Eduardo Paes e no âmbito do então programa federal “Minha Casa, minha Vida”, teve as obras paralisadas em 2014 após falta de consenso entre a Prefeitura, a Caixa Econômica Federal – financiadora do projeto – e as construtoras a respeito da política de destinação de parte das 1.300 unidades para servidores municipais. A Cdurp atribui o fracasso, porém, a um “problema entre os sócios”. “Infelizmente, isso acabou matando o projeto. Se ele tivesse sido de fato colocado à venda, teria deslanchado”, conclui Guerrante.
Segundo o presidente da Cdurp, nos bastidores há construtoras interessadas em levantar outros dois empreendimentos no Santo Cristo, um com 440 unidades e outro com mais de 700. Ambos ainda estão em estudo. “Não só a Cdurp, mas o investidor agora tem absoluta clareza da perspectiva de sucesso, principalmente o residencial, que a gente acredita que seja fruto da baixa taxa de juros”, afirma.
Com a convergência de todos esses fatores – fim da pandemia, adensamento populacional, reaquecimento do setor imobiliário comercial e início da operação da TransBrasil –, tanto a Prefeitura quanto a concessionária acreditam que o modal poderá, enfim, entrar nos eixos e, quem sabe, atender a demandas que ao menos se aproximem da capacidade máxima de 450 mil passageiros por dia, segundo o consórcio. “É uma região com potencial muito grande. Não tenho dúvidas de que nos próximos anos vamos vê-la cada vez mais ocupada por prédios comerciais e residenciais”, conclui Marcio Hannas, do Consórcio VLT Carioca.
Fonte: revistaferroviaria.com.br, 11/06/2021