Trens tombados pelo patrimônio histórico se encontram há mais de uma década em estado crítico. Moradores se queixam da baixa circulação.
Importante parte da história do Rio, os bondes vêm sofrendo com o abandono e o descaso públicos. Atualmente, apenas três circulam por Santa Teresa, no Centro, bairro que tem o meio de transporte em sua identidade.
Tombados como patrimônio histórico, o meio de transporte está em processo acelerado de deterioração, como mostra a reportagem especial do RJ2. https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/12/27/santa-teresa-no-rio-conta-com-apenas-tres-bondes-operando.ghtml
Assim, os bondes não servem nem ao processo de documentação histórica da cidade e nem aos passageiros do Rio, que poderiam se beneficiar do transporte.
Na Leopoldina ou em Santa Teresa, o cenário é o mesmo: os bondes estão largados ao relento e as obrigações legais de preservação não saem do papel.
Funcionários do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico, o Inepac, órgão ligado ao governo do estado e responsável pelos bondes, foram surpreendidos pelo estado de má conservação que encontraram em Santa Teresa.
Ao chegar lá, os funcionários se depararam com a perda de peças, depredação dos bancos, dos painéis eletrônicos e com a falta de proteção adequada para a manutenção dos carros. Até mesmo um intruso foi encontrado lá, roubando cabos e peças.
Situação dura mais de uma década
As máquinas que trilharam por ladeiras a história do Rio por mais de um século se encontram há 13 anos sem destino.
Houve investimento público com financiamento internacional, mas um relatório que levantou as condições dos 19 veículos tombados pelo patrimônio histórico mostrou que 17 deles têm as piores avaliações da escala.
Desde 2011,quando um trágico acidente deixou 5 mortos e a falta de conservação esteve em foco, a situação pouco progrediu.
O RJ2 encontrou os bondes se deteriorando no pátio da Estação da Carioca, e na Oficina Central, em Santa Teresa. Esse seria o local ideal para guardar as composições, mas também precisa de uma reforma.
Os carros que estão por lá são impedidos por lei de serem descaracterizados ou destruídos.
“O brasileiro não tem muita tradição de preservar sua história, o que nós temos hoje é uma sucata de bonde históricos, então não atende nem a preservação e não atende a população, porque a falta de manutenção”, diz Luiz Antonio Cosenza, presidente do Crea.
Uma ação do MP que cobrava um projeto de recuperação para os bondes no início dos anos 2000 ainda não andou, mesmo com decisões favoráveis e definitivas da justiça que definem a execução das obras pela Central e pelo Governo do Estado, que são réus, e seguem adiando o cumprimento da sentença com recursos.
Problemas de outros governos
No meio do roteiro lento dessa novela, houve ações mal sucedidas. Em 2005, no governo de Rosinha Garotinho, a empresa Ttrans que fica em Três Rios, na Região Serrana do estado ganhou uma licitação para reformar 14 bondes antigos. O valor era de R$14 milhões.
Das 14 previstas, apenas 7 foram entregues, sendo que 5 delas não passaram em testes de segurança e não voltaram a receber passageiros. Houve um erro de projeto. Todos esses trens estão hoje abandonados na Leopoldina.
Mesmo com o erro, a mesma empresa, a TTrans, ganhou nova licitação, 7 anos depois, em 2012, dessa vez para construir 14 bondes do zero, ao custo de R$ 40 milhões.
Depois do acidente de 2011, os bondes voltaram a operar em 2015 no Rio. Das 14 unidades previstas na licitação, só 8 foram entregues. Dessas, apenas 3 circulam de fato com passageiros. R$ 24 milhões já foram pagos até agora.
Bondes novos e parados
Dentro da garagem de Santa Teresa, a equipe do RJ2 encontrou três modelos novos, parados.
“Temos 5 em condições de operação, e três que por problema de manutenção não podem circular. E dos 5 em condições de operação, tem sempre um em manutenção preventiva e um reserva. Esses três bondes que estão em operação não atendem a população”, diz Antonio Cosenza presidente do Crea.
Antonio Cosenza afirma que a tecnologia dos novos bondes é segura, mas ressalta que a segurança do sistema não depende só disso.
“É importante que o governo do estado se sensibilize e coloque recursos para que a central possa recuperar o que sobrou dos bondes antigos pelo seu valor histórico mas que coloque principalmente recursos na manutenção desses bondes atuais que sao excelentes mas que nós não podemos ficar com três parados por falta de recursos de manutenção como tem hoje”, diz ele.
Tarifas altas
A tarifa do bondinho atualmente custa R$ 20. Antes do acidente, o valor praticado era de R$ 0,60. Moradores cadastrados, estudantes e idosos não pagam, mas o meio de transporte também não é regular o suficiente para que se possa contar com ele.
O horário de funcionamento é de 8h às 15h dias de semana e de 10 às 3h aos sábados, domingos e feriados, com intervalos entre 20 e 30 minutos. Muito pouco para um bairro que sempre dependeu dos bondes para se locomover.
“O bairro é legal, bom de se morar, mas a condução não é tão favorável. Santa teresa é bonito,mas só para turismo, para você caminhar, para você parar no barzinho, almoçar. Santa teresa é bom para isso. Agora, para a gente que mora em Santa Teresa e trabalha no centro, para pegar condução é muito ruim”, diz o auxiliar administrativo Marlon dos Santos, que compartilha da mesma opinião de muitos outros moradores.
Paulo Saad, presidente da associação de moradores de Santa Teresa, lamenta a falta que o bonde faz para quem precisa se locomover pelo bairro.
“Os bondes históricos, antigos, foram planejados para fazer o esforço de subida em curva, em lugares estreitos onde há também a contramao, há pessoas, há carros, é uma via compartilhada e como tal é preciso ter um um transporte que seja adequado à topografia, um transporte que tenha integração com o ambiente histórico e que não seja poluidor porque nós estamos numa área de proteção ambiental”, diz.
Fonte: G1, 27/01/2021