O setor ferroviário nacional vive atualmente um momento promissor, através da implementação de projetos consistentes e com investimentos vultosos, que deixarão um bom legado na logística do País, tanto na área de cargas como na de passageiros.
Na área de cargas, a Política de Estado vem ocorrendo desde a criação, em 2016, do Programa de Parcerias e Investimentos – PPI, no governo Temer, que continuou no governo Bolsonaro e deverá seguir em próximos governos. Trata-se de um programa interministerial, presidido pelo presidente da República, que qualifica projetos em todos os setores de transporte, envolvendo prorrogações de contratos e relicitações, com excelentes desdobramentos, como os chamados investimentos cruzados.
O PPI qualificou originalmente oito projetos ferroviários, sendo cinco de renovações antecipadas e três de novas concessões. Mais recentemente, um sexto projeto de renovação antecipada foi qualificado, o da Rumo Malha Sul. Já foram assinados, em 2020, os contratos de renovação da Rumo Malha Paulista e de duas ferrovias da Vale (EFVM e EFC). Na renovação da Vale, foi contratado o primeiro investimento cruzado para a construção da FICO, entre Água Boa (MT) e Mara Rosa (GO). A MRS obteve recentemente o acórdão do TCU e está para assinar o seu contrato. A FCA está com a avaliação de seu projeto avançada na ANTT, com previsão de seguir ao TCU em breve. Já a Rumo Malha Sul deverá entregar seu plano de negócios à ANTT em setembro.
Nos leilões de concessão, já foram assinados os contratos do Tramo Central da Ferrovia Norte-Sul com a Rumo (2019) e da FIOL 1 com a Bamin (2021). Falta apenas o leilão da Ferrogrão, cujo processo encontra- se travado no STF. Espera- se, em futuro próximo, que este processo seja destravado e o leilão possa ser levado a termo no primeiro trimestre de 2023.
Por último, o governo federal, também através do Ministério da Infraestrutura, lançou em setembro de 2021 o Pro Trilhos, um programa audacioso de Autorizações Ferroviárias que recebeu 80 solicitações até dezembro de 2021, que se transformaram em 27 contratos assinados, perfazendo um total de cerca de 10 mil km de novas ferrovias.
Programas de autorizações também foram feitos por diversos Estados, como Minas Gerais, Mato Grosso, Paraná, São Paulo e Pará. Em setembro de 2021, Mato Grosso autorizou a construção, pela Rumo, da extensão de sua Malha Norte, desde Rondonópolis até a região de Lucas do Rio Verde. No caso de São Paulo, tramita na Assembleia Legislativa do Estado o PL 148, que contempla o Plano Estratégico Ferroviário e que reforça a implementação de short lines, replicando um modelo de sucesso nos EUA, onde existem 600 short lines, responsáveis por cerca de 30% do transporte ferroviário norte-americano.
Todos estes projetos deverão garantir que o transporte ferroviário de cargas alcance uma participação de 40% na matriz de transporte de carga brasileira até 2035, como preconiza o Plano Nacional de Logística – PNL da EPL – Empresa de Planejamento e Logística.
A ABIFER – Associação Brasileira da Indústria Ferroviária e suas associadas, fabricantes de materiais e equipamentos ferroviários e prestadoras de serviços correlatos, apoiaram de forma irrestrita, desde a primeira hora, todos os projetos ora elencados, na convicção de que a dramática ociosidade de 80% que vivencia há tempos a indústria de carga pudesse ser, pelo menos minimizada.
Lamentavelmente, não foi o que aconteceu. As encomendas, com raras exceções, não chegaram à indústria. Observa- se que não faltam projetos para aumentar o transporte ferroviário de grãos e seus derivados, de celulose, de minérios, de combustíveis e de carga geral por contêineres, que necessitarão de equipamentos inovadores que a indústria já disponibiliza às concessionárias. Mas, insistentemente, as fábricas estão quase vazias, com reflexos negativos na mão de obra qualificada do setor, que já perdeu 20% de sua massa de trabalhadores diretos nos últimos três anos.
Na área de passageiros, a situação não é muito diferente. No transporte de média e longa distâncias, aguarda- -se a publicação da Política Nacional do Transporte Ferroviário de Passageiros, há tempos sendo gestada pelo Ministério da Infraestrutura. No âmbito urbano e metropolitano, o MDR – Ministério do Desenvolvimento Regional lançará, ainda em 2022, o novo Marco Legal do Transporte Público Coletivo, com diretrizes, incentivos e regulações que fortalecerão a Política Nacional de Mobilidade Urbana, aprovada por Lei em 2012. Nas áreas metropolitanas, os governos estaduais também trabalham para melhorar a mobilidade urbana. São Políticas de Estado que contribuirão para o desenvolvimento do transporte de passageiros sobre trilhos.
A indústria de passageiros, por sua vez, sofre atualmente uma ociosidade ainda mais dramática, de 100%, que deverá ser aliviada pela recente assinatura de contratos de exportação de trens para os metrôs de Taipei, Bucareste e Santiago e, no mercado doméstico, de trens para as Linhas 6, 8 e 9 em São Paulo. Aguarda-se, para este ano, a licitação de 44 trens para o Metrô SP, destinados às Linhas 1, 2 e 3, que contará com financiamento pelo Banco Mundial. A ABIFER e o SIMEFRE já se reuniram com as secretarias do Governo, da Fazenda e dos Transportes Metropolitanos de São Paulo para solicitar que o governo do Estado inclua, no seu contrato de financiamento com o Banco Mundial, a cláusula de Preferência Doméstica, usual em todos os financiamentos do Banco, que tem por objetivo incentivar a produção de trens no País tomador do empréstimo. O governo de São Paulo entendeu e se comprometeu com nosso pleito.
Políticas de Estado atravessam governos e, assim, garantem a imprescindível previsibilidade a todos os atores envolvidos.
Por Vicente Abate, presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária