União quer leiloar a Leopoldina

QUEM DÁ MAIS
São duas décadas de descaso, decisões judiciais ignoradas, promessas de reforma deixadas para trás. Agora, o destino da abandonada Estação Ferroviária Barão de Mauá, mais conhecida como Estação Leopoldina, pode ser um leilão. O Ministério Público Federal (MPF) diz ter sido informado pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU), órgão subordinado ao Ministério da Economia, da intenção do governo federal de vender o imóvel, que é tombado pelo patrimônio histórico e está prestes a completar cem anos.
A intenção da União foi informada à Justiça Federal por uma petição assinada em 8 de agosto pelo procurador da República Sérgio Suiama. Numa reunião em 27 de julho, com a participação de representantes do MPF, da SPU no Rio, da Companhia estadual de Engenharia de Transportes e Logística (Central) e da concessionária SuperVia, a União teria se comprometido a arcar sozinha com toda a reforma dentro dessa nova proposta, que prevê o repasse do imóvel à iniciativa privada.
Um outro acordo firmado em maio e homologado pela Justiça Federal previa que a SuperVia ficaria responsável por fazer obras nas quatro plataformas por onde passavam
os trens e na gare, área de embarque dos passageiros. Caberia aos governos federal e estadual recuperar o prédio de quatro andares na Francisco Bicalho, que hoje está cercado por desgastadas redes de proteção diante dos riscos de queda de reboco. A concessionária chegou a apresentar ao Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan) um projeto para cumprir a sua parte.

 

Foto: Domingos Peixoto

APOIO DO MPF

Em princípio, o MPF não se opõe à venda, desde que o pré- dio seja reformado e preservado. Sérgio Suiama acredita que o tamanho do terreno — 124.350,36 metros quadrados no Centro —desperte o interesse do mercado imobiliário.
— A restauração já foi decidida na ação judicial e não cabe mais contestação — afirma o procurador, acrescentando que na próxima segunda-feira haverá um novo encontro com todas as partes envolvidas, para discutir mais uma vez o destino do patrimônio.
Procurado para confirmar a intenção de se desfazer do terreno e da Estação Leopoldina, o Ministério da Economia não quis dar mais detalhes. Por meio de nota, respondeu apenas que “o processo passa por trâmites internos e, por isso, o Ministério da Economia não fará comentários adicionais”.
O novo acordo é mais um capítulo do drama que envolve o prédio histórico. Uma decisão da Justiça Federal, em setembro do ano passado, estabeleceu prazo de 120 dias para que a SuperVia, o governo do Estado do Rio e a União apresentassem ao Iphan projetos de reforma do espaço. As obras deveriam estar concluídas um ano depois. Na senten- ça, o juiz Paulo André Espirito Santo, da 20a Vara Federal do Rio, escreveu que o cenário da estação era“ deplorável” e “digno de dar vergonha”. Um mês depois, o governo estadual anunciou a intenção de transformar o espaço num grande mercado público, com produtos da agricultura e da gastronomia fluminenses, o que não foi adiante.
A SuperVia informou esta semana que não é contra o pe- dido da União para assumir a obra sozinha, uma vez que a Leopoldina não faz parte da estrutura atual de operação do serviço de trens. O Iphan confirmou o recebimento de dois projetos de recuperação da estação, um deles o da SuperVia. O outro, diz o instituto, foi feito por uma empresa contratada pela SPU, “mas não contempla a totalidade
das instalações prediais, de modo que não se configura como projeto executivo”. O Iphan acrescentou que está negociando com os envolvidos “no sentido de solicitar e direcionar a compatibilização dos projetos apresentados, de modo a potencializar as ações e garantir a preservação integral do prédio”.
No novo acordo, a Central — empresa do governo do Rio —deverá desocupar o espaço que hoje é usado como fábrica de aduelas, bem como remover vagões, locomotivas, bon- des, trilhos e outros objetos de sua propriedade que estão no terreno. O MPF também deu prazo de 60 dias para que a União junte aos autos os projetos básico e executivo de restauração e reforma da estação. Considerando que a Su- perVia também havia sido condenada a reformar parte do imóvel, a concessionária terá que arcar com os custos de segurança e limpeza da área durante o período de 18 meses. Além disso, se comprometeu a compensar o gasto R$ 500 mil que estava previsto para instalar um centro cultural na Leopoldina.
—A intenção é que a concessionária invista esse valor em outra coisa relacionada ao patrimônio histórico ou em projeto cultural, com alguma ligação com o serviço de trens. Só não pode ser utilizado na melhoria do sistema, porque isso já é obrigação da SuperVia — afirmou Sérgio Suiama.
O arquiteto e urbanista Nireu Cavalcanti diz que não é contra a venda da estação para a iniciativa privada, desde que o patrimônio seja preservado. Ele destaca que a Leopoldina foi fundamental para a expansão das áreas do subúrbio da cidade.
—Sou a favor da recuperação do prédio e que, interna- mente, se façam adaptações para o novo uso. O que não pode é acontecer esse processo perverso de esperar que o prédio de deteriore até cair e, então, não seja possível fazer mais nada — defende.

DEGRADAÇÃO

Enquanto os acordos não saem do papel, o tempo corrói o patrimônio público. —É um prédio tão bonito; que pena estar abandonado. Já entrei ali quando estava funcionando. Era uma beleza. O famoso Trem de Prata, que fazia a ligação entre o Rio e São Paulo, partia dali. Era uma maravilha. Depois o espaço chegou a sediar eventos como o festival Back2Black. Mas hoje é só abandono. Poderia ser um centro cultural, um museu ferroviário ou algo parecido. É uma arquitetura linda que está se deteriorando —reclamou a autônoma Patrícia Andrade, de 54 anos, que sempre passa em frente à estação.
O prédio foi inaugurado em 1926. Foi desenhado pelo arquiteto escocês Robert Prentice, que projetou também o Palácio da Cidade, sede da prefeitura, em Botafogo. A estação está fechada para passageiros desde 2001.
Mas a tarefa de vender o imóvel não é das mais fáceis. A União tenta desde o ano passado leiloar outro ícone da arquitetura no Rio, o Edifício A Noite, na Praça Mauá, no Centro: a quarta tentativa acontece na próxima quinta- feira. Agora, o edifício será oferecido de maneira direta por R$ 28,9 milhões, sem leilão. Esse mecanismo prevê que, caso não haja propostas válidas ou o certame não tenha interessados, o desconto pode chegar a 25% sobre o preço de referência (R$ 38,5 milhões). O prédio foi posto à venda pela primeira vez por R$ 120 milhões.
Com uma das vistas mais bonitas da cidade, para a Baía de Guanabara e o Museu do Amanhã, o edifício em estilo art-déco foi construído no fim dos anos 1920. Na época, era o maior arranha-céu da América Latina. Mesmo vazio, o prédio custa mais de R$ 1 milhão, por ano, aos cofres públicos.

Fonte: Jornal O Globo, 17/09/2022

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