Orçamento da prefeitura do Rio para 2023 prevê aumento de 1.400% na verba para transportes e queda nos gastos com saúde
Ônibus no Rio: Secretaria de Transportes terá dotação de R$ 2,4 bilhões Foto: Roberto Moreyra/Agência O Globo
A decadência do sistema de ônibus no Rio deve mudar os rumos dos gastos da prefeitura em 2023. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) que está em discussão na Câmara Municipal prevê um reforço significativo para a Secretaria de Transportes. Em comparação a este ano, a receita proposta para a pasta cresce 1.399% — de R$ 160,5 milhões para R$ 2,4 bilhões. A medida é para garantir a renovação da frota de BRT e manter subsídios aos quatro consórcios que operam na cidade. Enquanto isso, a Saúde perderá quase R$ 600 milhões, mas o prefeito Eduardo Paes afirma que os serviços prestados em postos, clínicas e hospitais não serão comprometidos.
— Transportes passa a ser a terceira pasta com maior dotação, ultrapassando a Comlurb (Educação e Saúde continuam à frente). Essa é uma realidade que teremos nos próximos anos (para evitar elevar demais as tarifas). O orçamento para 2023 foi pensado de forma equilibrada, mas levando-se em conta essa necessidade. O subsídio ao transporte público é uma tendência nacional. No futuro, o Rio pode ter um auxílio ainda maior, perto dos R$ 2 bilhões — disse Eduardo Paes.
O repasse de verba pública para as empresas de ônibus do Rio começou este ano — já foram R$ 136 milhões de junho a setembro. Para 2023, os consórcios poderão receber R$ 907 milhões se cumprirem as metas de aumentar o número de viagens. Esse valor é o triplo do previsto para este ano. Em sua campanha eleitoral, quando disputou a prefeitura com seu antecessor, Marcelo Crivella (Republicanos), Paes não tratou sobre a concessão de subsídios para o setor, assim como se mostrava contra a medida em seus dois primeiros mandatos (2009-2016).
Mais subsídio em SP
Mas o assunto entrou no radar de Paes logo no primeiro mês do governo, quando cariocas não viam mais parte das linhas nas ruas. Para repassar verba às empresas, a prefeitura aprovou na Câmara projeto de lei que permitiu os subsídios. O problema também afeta outras capitais, como São Paulo, onde o prefeito Ricardo Barros (PSDB) anunciou em janeiro deste ano o aumento da ajuda às empresas para R$ 3,5 bilhões. Lá, a população é de cerca de 12 milhões, o dobro do número de habitantes do Rio.
A Saúde continuará sendo o segundo setor a receber mais recursos no município, só atrás da Educação. Mas o orçamento da pasta deve ter uma queda: de R$ 8,9 bilhões (este ano) para R$ 8,3 bilhões em 2023, de acordo com levantamento do gabinete da vereadora Teresa Bergher (Cidadania). Segundo ela, o percentual destinado à Saúde ano que vem em relação ao total do orçamento será de 18,59% — o mínimo constitucional é de 15%. Este ano, a prefeitura deve comprometer 21,5% de sua arrecadação com a pasta.
Paes argumenta que o aporte maior este ano ajudou a viabilizar o Super Centro Carioca de Saúde, que está em fase de implantação em Benfica com a promessa de zerar as filas do Sistema de Regulação por consultas e exames. A prefeitura usou, principalmente, recursos que recebeu da participação na concessão da Cedae pelo governo do estado.
— Esse orçamento de 2023 já leva em conta eventuais perdas, caso o Ministério da Saúde não amplie as receitas para estados e municípios — disse o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz.
Possível redução de R$ 40 bi
Na semana passada, Soranz, que é diretor de Comunicação do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conasems), disse que as prefeituras e os estados do país estão preocupados com uma possível redução de R$ 40 bilhões das transferências federais.
— Prevista ou não, a redução do orçamento da Saúde sempre preocupa porque o setor deve ser prioridade de governo. Isso terá que ficar mais claro na discussão do Orçamento na Câmara. Eu defendo que haja ainda mais transparência sobre os subsídios para o setor de Transportes — acrescentou Teresa Bergher.
Coordenador do Fórum de Mobilidade Urbana, o engenheiro Licínio Machado Rogério observa que subsídios para serviços públicos de mobilidade são uma tendência mundial. Além de tratar de um problema social, a transferência de recursos ajuda a alavancar a economia. Em lugar de gastar mais com o transporte público, avalia ele, o contribuinte destina seu dinheiro para outras despesas. O especialista avalia que o modelo adotado pela prefeitura está correto ao remunerar o serviço pela quilometragem rodada e não pelo número de assentos ocupados:
— A realidade é que o passageiro que depende do transporte público não suporta mais arcar sozinho com essa despesa. Muitas pessoas podem apenas circular de carro, mas não conseguiriam sair de casa se quem depende do transporte público não chegasse a seus destinos para prestar serviços — disse Licínio.
Os investimentos municipais em mobilidade urbana se estendem também a outras pastas. A Secretaria de Infraestrutura, por exemplo, terá que arcar com empréstimos feitos para concluir o BRT Transbrasil e gastar R$ 200 milhões para concluir a recuperação do eixo do BRT Transoeste (Santa Cruz—Barra da Tijuca), além de construir quatro novos terminais na região de Guaratiba. Já a Conservação fará uma licitação de R$ 10,5 milhões para substituir as placas de concreto das pistas dos BRTs Transolímpico (Recreio-Deodoro) e Transcarioca (Barra—Aeroporto Tom Jobim).
Receita com impostos sobe
O PLOA enviado pela prefeitura à Câmara prevê um aumento de arrecadação de R$ 39,8 bilhões para R$ 43,9 bilhões, pouco mais de 10% — a inflação prevista para este ano é de 5,62%. O acréscimo projetado toma por base, principalmente, tributos próprios como IPTU, ISS e ITBI, que vêm se recuperando após o auge da pandemia. Só de ISS, a previsão é arrecadar R$ 7,6 bilhões em 2023, quase R$ 1 bilhão a mais que no ano passado. Por outro lado, a prefeitura não contará com o reforço do dinheiro da Cedae — R$ 4,2 bilhões no ano passado.
As sessões para discutir o Orçamento deveriam ter começado na terça-feira, mas foram adiadas a pedido da oposição porque, devido ao ataque hacker ao datacenter da prefeitura, os dados atualizados da execução das despesas ainda não estão on-line.
Um dos pontos que preocupam vereadores ligados à questão ambiental refere-se a recursos destinados à pasta. A verba prevista para 2023 é de R$ 62,4 milhões, apenas 1,3% do total:
— Boa parte das despesas para o meio ambiente tem sido gasta na reforma de praças. O reflorestamento e o projeto Guardiões dos Rios (limpeza de cursos d’água), por exemplo, são serviços essenciais que podem exigir mais recursos — disse o vereador Pedro Duarte (Novo).
Fonte: O Globo, 20/10/2022