Gostaria de poder responder esta questão de pronto. Porém, os obstáculos existentes são de tal monta que uma previsão assertiva se constitui num ensaio de ficção. Claro que existem bons projetos, futuros e em andamento, mas as dificuldades que se apresentam terão que ser desarmadas para que eles possam ser viabilizados.
Senão, vejamos. Qual foi a razão da recente retirada pelo STF, da pauta de sua reunião plenária, de um tema de relevada importância, sem nem mesmo ter estabelecido uma nova data? Tratava-se de avaliar o acolhimento, aceito através de uma decisão monocrática, da ação de um partido político contrário ao governo, cujo processo, que se espera seja logo revertido, já se arrasta há dezesseis longos meses e que travou o leilão de concessão da Ferrogrão. Pergunta-se sobre esta decisão: por que a construção da ferrovia foi paralisada, se ela se encontra na mesma faixa de domínio de uma rodovia já existente? Os desdobramentos agravam a decisão tomada: com a Ferrogrão, estima-se retirar da atmosfera um milhão de toneladas de CO2, além de obter-se uma redução do valor do frete rodoviário da ordem de 30% e proporcionar investimentos de R$ 10 bilhões na sua construção, pela iniciativa privada, com a geração de milhares de empregos diretos e indiretos.
Outras decisões, de órgãos de controle da União e de Estados, têm dificultado a privatização de sistemas ferroviários de passageiros. Tais sistemas, com certeza, produzirão resultados melhores ao serem operados pela iniciativa privada.
Já as ações do Ministério da Infraestrutura, ao longo dos últimos anos e desde governos anteriores, têm proporcionado uma visão de futuro bastante promissora para o transporte ferroviário de carga. As renovações antecipadas dos contratos atuais das concessionárias, novos leilões de concessão e o programa Pro Trilhos de Autorizações Ferroviárias foram um alento para o setor, que prevê atingir uma participação de 40% na matriz de transportes de carga brasileira, até 2035. Todos estes projetos foram apoiados, de forma decisiva, pela indústria ferroviária brasileira.
Tudo isso, entretanto, não tem retroalimentado a indústria ferroviária instalada no Brasil. Com raras exceções, não têm ocorrido encomendas de veículos ferroviários, o que tem levado esta estratégica indústria a experimentar, não de hoje, uma dramática ociosidade em suas plantas, de 80% na área de carga (vagões e locomotivas) e de 100% na área de trens de passageiros, afetando toda a sua cadeia produtiva.
Consequentemente, a perda de empregos especializados na indústria ferroviária brasileira foi elevada, nos últimos três anos, representando cerca de 20% da mão de obra direta, ou seja, 4 mil trabalhadoras e trabalhadores. Na medida em que novas encomendas de equipamentos não forem efetivadas, esta situação se agravará, podendo levar, inclusive, ao fechamento de fábricas. Seria uma situação que afetaria também as próprias concessionárias, que deixariam de usufruir das inovações tecnológicas que a indústria brasileira tem oferecido, que geram maior produtividade com elevado reflexo na competitividade das ferrovias.
Diante desta grave e crítica situação, demanda-se que Políticas Públicas sejam cada vez mais implementadas, para que o setor ferroviário, incluída a indústria, tenha o vigor necessário para a contínua redução de custos logísticos e o consequente aumento do PIB nacional, tão depreciado nos últimos anos.
Por Vicente Abate
Presidente da ABIFER – Associação Brasileira da Indústria Ferroviária
Fonte: Revista Frotas & Frentes Verdes 2022 (Instituto Besc)
Data: 25/10/2022